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ANTONIO CANDIDO E A CRÍTICA DE RODAPÉ

CAPÍTULO 4: DA CRÍTICA IMPRESSIONISTA AO MÉTODO

4.2 ANTONIO CANDIDO E A CRÍTICA DE RODAPÉ

Autor de obras consagradas sobre a literatura brasileira, referentes à sua história, teoria e crítica, como Formação da literaura brasileira:

momentos decisivos, Presença da literatura brasileira, Tese e antítese, Literatura e sociedade, Vários escritos, entre tantas outras de igual

importância sociológica e literária, Antonio Candido, como David Salles, foi, no início da sua carreira, um crítico de rodapé.

Formado em Ciências Sociais e professor assistente de Sociologia na Universidade de São Paulo entre os anos de 1942 e 1958, Antonio Candido de Mello e Souza iniciou a sua vida literária acadêmica em meados de 1958 quando se tornou professor de literatura da Faculdade de Filosofia de Assis, interior de São Paulo, fazendo parte do corpo docente daquela Universidade até o final do ano de 1960. Apesar dessa iniciação tardia na literatura como professor, Candido já desde antes deste período, mais precisamente a partir de 1941, publicava artigos de crítica para a Revista Clima, entre 1941 e 1944, e para mais dois jornais paulistas no período de 1943 a 194775.

Os dois primeiros livros do autor a serem editados foram, em 1945, Brigada Ligeira, publicado pela Editora Martins e O Observador

literário, de 1959, publicado pelo Conselho Estadual de Cultura do

Estado de São Paulo, ambos reunidos posteriormente em um só livro publicado pela editora UNESP em 1992. O título Brigada Ligeira e

Outros escritos, refere-se ao acréscimo de uma entrevista extraída da

75 CÂNDIDO, Antônio. Prefácio. In: Brigada Ligeira e Outros Escritos. São Paulo: UNESP, 1992. p.

Revista Trans/Form/Ação, de 1979, publicada pela Faculdade de Assis, além do discurso proferido na época do recebimento do título de professor emérito da mesma faculdade, em 1988.

Dois ensaios de Brigada Ligeira também vão compor mais tarde, juntamente com alguns outros, o livro Vários escritos, que o autor publica em 1970, pela editora Duas Cidades.

No prefácio de Brigada ligeira e outros escritos, Antonio Candido deixa transparecer a sua satisfação em ver publicados em livros os artigos que escreveu semanalmente para a coluna do jornal Folha da

Manhã, intitulada “Rodapé”, da qual foi crítico titular de janeiro de

1943 a janeiro de 1945, e mais tarde, já então no Diário de São Paulo, na coluna “Notas de Crítica Literária”, em que também exerceu a função de crítico, de setembro de 1945 a fevereiro de 1947.

Os artigos selecionados e transformados posteriormente em livros foram, em sua maior parte, reproduzidos tal qual foram publicados nos originais dos jornais, extraindo-se somente algumas gralhas, que segundo o próprio autor, “careciam de ser corrigidas”. Contudo os pontos de vista não foram alterados, apesar da consciência do desgaste de algumas idéias em razão do tempo. Outros aspectos como o estilo e o tom da linguagem crítica utilizada naquela época foram também conservados, para, segundo Candido, “manter o ar do tempo”76. Exemplo disso era a forma de tratamento “Sr. Fulano” que naquela época era dada aos autores nesses artigos.

Sendo assim, podemos constatar que o conhecido equilíbrio de suas análises, muitas delas feitas em forma de rodapé, não as aproxima

em nada da reportagem ou do resenhismo jornalístico e orientam, ainda hoje, de forma incontestável, o leitor que as utiliza.

Mas as informações colhidas sobre a trajetória do renomado crítico e professor Antonio Candido não são aqui tomadas, é claro, apenas com o intuito de retratar a vida literária deste autor, mas sim a propósito da nossa discussão sobre atividade crítica nos rodapés. Através de exemplos como esse podemos, então, de forma mais segura, atrair para esta prática o valor destituído pelo passar dos anos, assim como pelos inúmeros equívocos cometidos pela chamada crítica acadêmica a respeito da sua validade e seriedade.

A trajetória deste autor vem mostrar, quando transforma em livro parte da produção crítica que realizou em jornais, o quanto a crítica de rodapé pode refletir e bem o seu objeto de estudo, geralmente o livro, quando feita de forma interessante, sem prescindir para isso de um saber teórico ou de um conhecimento especializado que a fundamente, pois sabemos ser estes alguns dos pré-requisitos indispensáveis para qualquer um que queira realizá-la.

O professor de literatura de uma faculdade do interior de São Paulo, que, antes de ser um teórico academicista, foi crítico de rodapé de dois jornais paulistanos, é de fato a prova cabal da importância da existência, hoje, de uma formação de um corpo de crítica de rodapé, na sua melhor forma, que dê a essa crítica o lugar ou o espaço que sempre foi seu por merecimento, apagando para sempre o rótulo que lhe foi impresso de apêndice da verdadeira crítica literária: a crítica universitária.

Em entrevista publicada na primeira edição da revista

o concreto, ou seja, para avaliar as situações tal como elas se apresentam, procedimento que ele associa à atividade crítica no jornal ainda na sua juventude. Para definir o projeto ou linha-mestra da sua produção teórica, divide-a em três partes: a primeira, na década de 40, que associava a literatura a um sistema de condicionamento, atribuindo ao meio as principais causas para explicação das obras literárias; a segunda, na década de 50, influenciada, por um lado, pela antropologia social inglesa e, por outro, pelas idéias críticas de T. S. Eliot e pelo New

Criticism americano e a ultima fase, década de 60, em que a

preocupação teórica está subordinada à preocupação com a estruturação da obra, porém num sentido diferente do estruturalismo.

Ainda nessa entrevista, quando questionado sobre a possibilidade de voltar a atividade de crítico de rodapé, respondeu:

_ Não, e nem haveria condições... Produzir um rodapé de jornal é muito duro[...]77.

Com essas palavras, certamente Candido queria referir-se à seriedade dessa atividade e à responsabilidade do crítico ao analisar uma obra num rodapé, no intuito de efetivamente contribuir para a formação da opinião literária.

Torna-se conveniente, então, ressaltar mais uma vez a necessidade incondicional do resgate deste, assim como de outros materiais, tão valiosos para a observação e compreensão dos fatos literários.

Foi pensando assim que compilamos os textos jornalísticos de David Salles, que, à semelhança de Candido, escreveu no jornal os seus

artigos de crítica, formulando opiniões que, ainda hoje, quase vinte anos após a sua morte, mostram-se atuais nas discussões sobre os temas literários.

Entretanto não é nossa intenção reclamar para o crítico baiano um lugar na galeria dos críticos renomados, pois isto fará, ao tempo certo, a própria historiografia literária. Antes disso, queremos sinalizar para um estado de coisas sobre o qual não se pode mais cometer enganos, discriminar esta ou aquela modalidade de atividade crítica.

Esses dois níveis de crítica literária devem e podem coexistir numa outra realidade, a realidade dos tempos modernos que pedem, em virtude da sua característica maior, a velocidade, a existência de pronto de um comentário literário que seja, ao mesmo tempo, rápido e confiável, e isto faz, como nenhum outro, o crítico de rodapé, aquele que ,a partir das suas impressões associadas ao seu saber teórico, consegue com originalidade e arte formular o seu ponto de vista, mas sem anular para isso o insubstituível valor literário da crítica universitária, científica, e, portanto, mais demorada ou planejada, como exige a ciência.

Vimos, dessa forma, que as análises do jovem Antonio Candido serviram de pauta para toda a crítica posterior do homem maduro, que, a partir destes estudos preliminares, na sua maioria feitos sobre as obras no momento das suas publicações, construiu o seu lastro crítico, consolidando-se ao longo dos anos, transformando-se no referencial que é, sem dúvida, para a crítica brasileira de hoje.

Para Cid Seixas, alguns estudiosos que fazem parte dessa dupla militância “[...] têm se empenhado em estreitar as relações entre a crítica

77 CÂNDIDO, Antônio. Brigada Ligeira..., op. cit. p. 245.

e o fruidor da obra literária, o leitor, que, pertencente ao mundo real, emite opiniões diversas das de outros leitores, assim como são diversas as emitidas pela crítica especializada”. Contudo, diz o crítico, “[...]é dessa divergência de idéias, sabemos, que vive a literatura. É dessa diversidade que nasce o novo. E é bom que assim seja, pois é a pluralidade que assegura a inovação e a evolução do processo histórico no qual todo o resto se situa”.

Ainda segundo Seixas,

“[...] a estes operários da literatura é designada a tarefa de construção da teoria viva, desvendando o inconsciente, iluminando a obra, tarefa das mais nobres, que exige, antes de mais nada, que se tenha um brilho a mais no olhar, um olhar de fogo. Por isso estarão sempre ansiosos por algo que precise ser perscrutado, analisado e quem sabe até desvendado”. 78

4.3 EM DEFESA DE UMA OUTRA CONCEPÇÃO DE “CRÍTICA