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CAPÍTULO 3: BREVE NOTÍCIA SOBRE DAVID SALLES

3.2 A ATUAÇÃO DE DAVID SALLES NA IMPRENSA

3.2.2 David Salles na imprensa baiana

David Salles formou a sua carreira jornalística ainda nos moldes das décadas de 50 e 60, período influenciado diretamente pelas mudanças radicais nos segmentos político e econômico do pós-guerra.

Segundo Ivia Alves, em Visões de Espelhos: o percurso da crítica

de Eugênio Gomes, 1995, neste período a imprensa assume um papel de

destaque na divulgação dos assuntos culturais de todo país55. Estes novos espaços, concedidos para a discussão e para a notícia de acontecimentos, não somente literários, mas culturais de uma forma geral, passam a ser ocupados, na Bahia, por intelectuais, que, como Heron de Alencar e, posteriormente, David Salles, vão ser os mediadores entre o público e a cultura.

Inicialmente, no ano de 1958, ao lado de Carlos Falck 56, DS trabalha na copidescagem do Jornal da Bahia, onde em seguida iria também publicar, em 1958, 1959, 1960, artigos esparsos de crítica e crônicas sobre diversos outros temas.

Também no extinto jornal Diário de Notícias, nos anos 60, viria a publicar textos literários e sobre a história da universidade pública na Bahia.

No antigo Jornal da Bahia, fundado por José Falcão em 1958 e dirigido inicialmente por Zitelmann de Oliva e Milton Caires de Brito, formaram-se grandes jornalistas baianos. Sendo um jornal composto em grande parte por militantes de esquerda, era considerado um importante reduto da intelectualidade baiana daquele período, onde colaboraram autores como Luís Henrique Dias Tavares, Vasconcelos Maia, Ariovaldo Mattos, Sebastião Nery (que foi fundador do jornal A

Semana), Wilter Santiago, Newton Sobral e outros mais57.

55 ALVES, Ivia. Visões de Espelhos: o percurso da crítica de Eugênio Gomes. Tese. (Doutoramento

em Letras) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo,1995. 2 v.

56 Informação obtida através de depoimento do escritor Guido Guerra, que também foi colaborador do

extinto Jornal da Bahia durante um período de treze anos, em entrevista realizada, em sua residência, em Salvador, 9 de janeiro de 2004.

Para o escritor Guido Guerra, nos dias de hoje, o Jornal da Bahia poderia ser considerado um jornal de expressão nacional.

Posteriormente, em 1965, DS passa a ter no Jornal da Bahia um espaço quase que diário (pois escrevia em dias alternados) para publicar a coluna “Verso e Reverso” (1965-1968), sendo interrompida e reaparecendo mais tarde sem o antigo título e com um novo formato (1972-1973), em que tratava de atualizar os seus leitores sobre os diversos acontecimentos da vida citadina, fossem estes sociais, políticos, artísticos, literários, etc.

Continuando o percurso jornalístico traçado por Heron de Alencar, crítico e mediador cultural no final dos anos 40 e início dos anos 5058, DS publica, a partir de 1965, continuando nesta primeira etapa até 1968, mais de duas centenas de artigos no Jornal da Bahia, em que um destaque mais significativo para os assuntos essencialmente literários se dará apenas na segunda etapa de tais publicações, ou seja, nos anos 1972 e 1973.

As publicações de DS neste jornal ainda não tinham o formato dos rodapés que iria adotar mais tarde, mas eram apresentadas em duas colunas verticais, cujos textos ainda curtos ou de pequeno fôlego (se forem comparados aos textos posteriores das suas colunas “Crítica de Rodapé”, 1979-1984 e “Enfoque da Crítica”, 1984, do Jornal A Tarde) tratavam desde os problemas com as instalações das escolas do ensino público na Bahia até outras discussões de altíssimo alcance intelectual, estas últimas endereçadas a um público bastante restrito e específico.

58 SANTANA, Carla P. B. de. Caleidoscópio: percurso intelectual e a estréia de Heron de Alencar

como crítico literário no jornal A Tarde (1947-1952). Dissertação (Mestrado em Letras) Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2003.

Temas como as tendências marxistas e estruturalistas constatadas no discurso da crítica literária brasileira daquele período eram recorrentes em alguns textos de DS publicados no Jornal da Bahia. Em artigo da coluna “Verso e Reverso” no texto intitulado O Assunto é...

Estruturalismo, de 16 fevereiro de 1968, tomamos como exemplo um

depoimento irônico de DS sobre as discussões teóricas da literatura mais efervescentes daquele período:

Agora que já chegou às revistas de grande circulação, pondo-se ao alcance da turma do bronzeado cultural, não há mais dúvida: o Estruturalismo é a nova moda intelectual, inaugurando assim, também no Brasil, a terceira geração “filosófica do após- guerra”. Esqueceu-se o Existencialismo, que inundou de “Je suis

comme je suis” as caves de St-Germain-de-Près, Oropa e Bahia, e

o estrabismo de Sartre deixou de iluminar o mundo. Esqueceu-se ainda o Marxismo, em cuja fase áurea a orelha de “O Capital” (sic.) e algumas brochuras engajadas foram lidíssimas, e o próprio Lenine era íntimo camarada de faculdade para citações assim: – Já dizia o velho Lenine: ou se é ou se não é – quem tem preconceito de sexo é burguês.59

Para DS, naquele final de década de 60, Marx passava a ser lido, por alguns intelectuais, com mais seriedade, diferentemente das leituras “festivas” feitas por simpatizantes e entusiastas do primeiro momento. Com estes novos ventos que traziam a “descoberta” do Estruturalismo e de Claude Lévy-Strauss, surgia para DS uma legião de estruturalistas

radicais, os quais iriam praticar mais tarde o que chamaria de “terrorismo cultural”.

Apesar de, desde o final dos anos 50, alguns professores de universidades brasileiras já terem sido declarados como adeptos do Estruturalismo, só naquele momento se dava uma maior divulgação a este movimento entre os intelectuais e estudantes acadêmicos.

Ao final do artigo, DS concluí:

A famosa “esquerda festiva brasileira” (que nunca teve coragem de ser esquerda, mas, por ser festiva, adere às novidades) já encampou o assunto. E certamente terá um ano cheio, especialmente para saber se se deve pronunciar o nome de Levy-Strauss à germânica – “Strauz” – ou à francesa – “Strôs”– êste bem mais sofisticado e decididamente desaportuguesado60.

Observe-se que o ano era o de 1968, quando DS ironizava o radicalismo e a frivolidade de algumas idéias do Estruturalismo. Entretanto não deixava de assinalar algumas questões formais de extrema importância para a literatura, que julgou ser uma contribuição positiva no campo das artes.

DS, demonstrando uma consciência da necessidade de um maior aprofundamento sobre o tema, que, pela inadequação do espaço (tanto o espaço físico quanto o espaço cultural) para a discussão de temas de tal profundidade, não seria possível se realizar no jornal, finaliza o artigo

59

SALLES, David. O Assunto é... Estruturalismo. Jornal da Bahia , Salvador, 16 fev.1968. Coluna Verso e Reverso.

com uma sugestão de leitura da revista Tempo Brasileiro, de n. 15/16, na qual também discutia o mesmo tema, para o esclarecimento de algumas citações e para quem se interessasse em conhecer o Estruturalismo mais a fundo.

Anos depois, no Jornal A Tarde, DS retoma, mais uma vez, a prática da publicação de artigos em jornal, e ali, de 10 de março de 1979 até 16 de dezembro de 1984, irá produzir, em sua maior parte, textos mais específicos sobre teoria e crítica literária.

Com freqüência semanal e dispostos na parte inferior da página 3 do segundo caderno de A Tarde, tais textos, 120 no total, compõem, no jornal, a melhor fase intelectual e criadora do crítico.

É neste jornal, com a coluna “Crítica de Rodapé” e posteriormente com a “Enfoque da Crítica”, que David Salles apresenta com maior veemência a sua defesa à crítica de rodapé e a um certo tipo de Impressionismo, segundo ele, necessário ao texto para torná-lo mais humanizado, mais subjetivo e, conseqüentemente, mais “vivo”.

Diversos artigos teóricos discutindo os conceitos e também a prática da atividade crítica são produzidos por DS naquele momento, demonstrando uma maior desenvoltura do crítico no contexto literário nacional.

Sua passagem pelos jornais baianos deixou registrada a marca da sua crítica, do seu estilo polêmico e provocador. Assim, as inquietações deste investigador literário representam, hoje, um material fundamental que poderá, certamente, ajudar a compor algumas peças importantes no mosaico da história da literatura e da crítica baianas.

60 SALLES, David. O assunto é..., op. cit.