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4 RELAÇÕES ENTRE A AVALIAÇÃO DA CAPES, OS SUBCAMPOS

4.2 ANÁLISES DAS TRAJETÓRIAS E DOS USOS DAS AVALIAÇÕES

4.2.1 Antropologia e Arqueologia

O documento de área de 2007 (CAPES, 2007)38 é bastante detalhado, contendo memória precisa da atuação na comissão. Inicia descrevendo a CA do ano, com enunciados que evidenciam a heterogeneidade da área, a qual é dominada pela antropologia: “Além da presença de uma arqueóloga, procurou-se contar com a participação de antropólogos que tiveram formação em Arqueologia” (p. 1). Além disso, o número de programas também evidencia esta situação, já que havia 3 programas de arqueologia e 12 de antropologia (1:4).

A composição da CA foi feita com base em critérios de regionalização e de priorização dos programas 6 e 7: “A formação dessa comissão de avaliação trienal levou em consideração a representação regional, bem como a representação dos programas com conceitos 6 e 7” (p. 1).

O documento de área traz uma distribuição interessante dos pesos nos critérios, ao colocar 30% para os quesitos de produção discente, produção docente e também para o quesito de corpo docente, relativizando a centralidade dos dois primeiros.

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As referências desta seção virão como base de dados em virtude de todas as referência de um mesmo ano pertencerem à mesma base, e, no caso do caderno de indicadores, pertencerem à base geral do aplicativo Coleta Capes.

A análise da planilha comparativa (CAPES, 2007) do ano demonstra uma correlação muito forte de -0.84 (p-valor 9.136e-05)39 entre o ano de criação do programa e sua nota. As correlações entre o ano de criação do programa e as principais produções também são altas: produção de artigos A1 e A2 e o ano de criação foi de -0.79 (p-valor 0.0004161); e entre a produção de livros integrais e o ano de criação foi -0.90 (p-valor 6.583e-06). Isso indica que há forte associação entre a nota na avaliação e o ano de criação, mas também que os programas mais antigos tendem a produzir mais dos itens mais valiosos para a sua área.

A ficha de avaliação (CAPES, 2007) do Programa de Pós-graduação em Antropologia (PPGA-UFPE) é interessante, pois embora o programa não atenda aos critérios objetivos, sua consolidação e inserção social são utilizadas para criar uma retórica que justifique a atribuição de nota 5:

Por isso, e porque temos certeza de que os docentes do programa reverão a gestão de suas atividades, e que poderão pressionar a sua administração universitária, achamos que a nota 5 de um programa com amplos serviços prestados à comunidade científica brasileira deve ser prova de um voto de confiança para significativas alterações (p. 5)

Apesar da tática da CA, o CTC-ES revê a nota sugerida, atribuindo ao programa nota 4, em virtude de sua baixa produção, silenciando sobre os serviços prestados pelo PPGA-UFPE.

A ficha de avaliação (CAPES, 2007) do Programa de Pós-graduação em Arqueologia (PPGARQ-UFPE) traz uma construção oposta de enunciados, pois sai de cena a retórica de tradição, consolidação, inserção, para entrar a de regionalização: “O impacto do curso ainda não pode ser totalmente dimensionado porque sua criação é recente. No entanto, como se trata de um programa que privilegia pesquisas na região nordeste do Brasil, ainda pouco estudada, sua importância é grande [... e] desempenha um papel regional importante” (p. 4, 6).

O documento de área de 2010 (CAPES, 2010) reforça o discurso de crescimento e expansão da área, bem como o avanço na aproximação entre as duas subáreas, citando, inclusive, que essa é a tendência nos Estados Unidos da América. Por outro lado, foi reforçada a desigual distribuição entre as subáreas, passando de 1:4 para 1:5+. Ademais, houve leve alteração nos pesos dos critérios, com produção intelectual indo a 40%, e produção discente permanecendo com os 30% anteriores.

A planilha comparativa do ano (CAPES, 2010) indica manutenção do cenário anterior, com -0.81 (p-valor 1.483e-05) de correlação entre o ano de criação e o conceito; de -0.80 (p- valor 1.961e-05) entre ano de criação e produções A1 e A2; e -0.47 (p-valor 0.03659) entre

39 Essa notação “9.136e-05” indica que o número 9136 está multiplicado por 10-5, ou seja, o número antes do “e”

ano de criação e livros integrais. Assim, os programas mais antigos continuam associados a notas melhores e a produções qualificadas, contudo reduziram sua associação a livros integrais. Aqui, cabe lembrar, entretanto, que: 1) a área qualifica produções como vídeos, exposições, etc., as quais podem ter concentrado os esforços dos programas mais antigos; 2) a área abriga duas subáreas, o que pode ter alterado a associação.

A ficha de avaliação do PPGA-UFPE (CAPES, 2010) repete resultados e enunciados, com atribuição de nota 4, apesar da baixa produção, em virtude da inserção regional e relevância social do programa. Aqui, cumpre destacar que, embora o programa tenha aumentado suas publicações A1 de 0 para 3, uma vez que a avaliação é comparada, sua média permaneceu abaixo da média da área.

A ficha de avaliação do PPGARQ-UFPE (CAPES, 2010) apresenta trajetória semelhante à do ano anterior, com a baixa produção discente e baixa produção docente sendo compensadas pela capacidade de inserção regional e pela tradição, não do programa, mas de alguns de seus pesquisadores.

O documento de área de 2013 (CAPES, 2013a) reforça a ideia de expansão com regionalização e o sentido de aproximação entre antropologia e arqueologia, embora a área continue sobremaneira dominada pela primeira subárea, com 5 programas de arqueologia e 21 de antropologia. Neste documento também aparecem enunciados sobre a produção de audiovisual pela área, com criação de critérios e condições de avaliação.

A planilha comparativa de 2013 (CAPES, 2013a) evidencia um aumento na correlação entre ano da criação e nota do curso, com valor de -0.88 (p-valor 4.919e-09). Novamente, os programas mais antigos têm forte associação com a produção de artigos A1 e A2, com -0.84 (p-valor 6.41e-08), mas associação mediana com a publicação de livros integrais, com -0.47 (p-valor 0.01469).

A ficha de avaliação de 2013 do PPGA-UFPE (CAPES, 2013a) evidencia uma melhora substancial nos indicadores criticados nas avaliações anteriores, fazendo com que o programa recebesse nota 5. É interessante notar que os enunciados desta vez foram construídos com maior sistematização, pois a CA parece ter percebido alinhamento entre o que o programa produziu e o que se esperava dele. Do ponto de vista do programa, a tática foi o fortalecimento das publicações nos estratos superiores, que resultaram em 11 artigos A1 e 11 artigos B1, enquanto os livros integrais foram deixados de lado (apenas 1) e os capítulos fortalecidos (81 no total). Assim, a CA reforça os enunciados sobre a liderança e inserção do programa, em conjunto com suas produções, como se vê em: “A inserção social do PPGA é inconteste, pois como unidade pioneira no Norte e Nordeste exerce liderança e apoia os

demais cursos de pós-graduação que se formam após sua implantação” (p. 4-5); e destaca a participação social do programa, inclusive juntos aos povos indígenas das regiões Norte e Nordeste.

A análise da ficha de avaliação 2013 do PPGARQ (CAPES, 2013a) evidencia um descompasso entre a liderança regional falada pela CA e o nível de publicação. Além disso, o recurso do programa à nota 4 recebida evidencia uma dificuldade em entender qual as práticas avaliativas, ao solicitar que sejam avaliados itens que não foram enviados no aplicativo, por exemplo. Um ponto interessante é que a CA reconhece a produção discente como a melhor da área, mas classifica como regular a docente, o que evidencia que, internamente, o programa não possui táticas consolidadas de produção, e que o reconhecimento da CA não altera sua decisão, pois a modificação da nota iria de encontro à estratégia dominante.

Finalmente, a análise da trajetória dos histogramas40 da área mostra a presença de uma cauda longa, com concentração nos programas de nota 3 e 4. A variação é sentida, sobretudo nos programas de excelência e no último triênio, quando o número de programas 3 igualou o de programas 5.

A baixa variação indica que a avaliação possui um uso não-discursivo jamais-dito do critério de elevação dos padrões avaliativos, que é a classificação competitiva e em árvore dos programas, uma vez que não obstante variações nos padrões de associação e nos quantitativos de produção, as frequências dos programas em cada nota permanece relativamente estável, como se vê no gráfico abaixo:

Figura 4. Trajetória dos histogramas de notas dos Programas da área de Antropologia e Arqueologia na avaliação da Capes.

Fonte: elaborada pelo autor, com base nos dados das planilhas de resultados da Capes.

Feitas essas análises, é possível destacar alguns pontos a respeito da CA de Antropologia e Arqueologia: [1] que existem esforços ambíguos de criação de uma retórica de que a área possui homogeneidade em relação a abrigar dois subcampo distintos (arqueologia e

antropologia), realizando deslocamentos de enunciados de outras configurações – como quando se pontua que, nos EUA, as áreas são próximas – ou ao enunciar que a composição privilegia antropólogos com formação em arqueologia; [2] ao mesmo tempo em que existem esforços no sentido de resistir à homogeneização que a Avaliação Capes faz entre diferentes áreas, ao evidenciar, por exemplo, a importância de outras publicações para a área, como os documentários; [3] há movimentos no sentido de winner-take-all, uma vez que, além de outras vantagens, os programas 6 e 7 também devem ter representatividade maior na comissão, o que pode apontar, na prática, para presença certa na CA, uma vez que é muito reduzido o número de programas 6 e 7; [4] a CA tende a construir uma retórica com objetos como “tradição” e “regionalização” para tentar justificar as notas atribuídas, num esforço de reconhecer o capital científico “puro” dos programas, bem como a importância que eles possuem para a manutenção do subcampo ao longo do tempo, o que, geralmente, é refutado pelo CTC-ES, uma vez que a aceitação de argumentos retóricos com objetos fora do discurso da estratégia colocaria em cheque o saber-poder do próprio que lhe sustenta.