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O processo Educação Caos no ambiente da escola opera “entre dois grandes agenciamentos: o aparelho de controle institucional e o espaço nômade” (DAMIN, 2004, p. 119). Agenciamento como fabrica, fabrica de si mesmo e do real, uma multiplicidade que estabelece conexões, misturas entre diferentes naturezas, na constante produção de realidades, onde o que importa são os “modos de expansão, de propagação, de ocupação, de contágio, de povoamento” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 20).

Agenciamentos pressupõem territórios. Territórios do aparelho de Estado, espaço estriado e seu constante alisamento ao se apropriar de diferentes tipos de artifícios, que se desterritorializam, cavam linhas de fuga, que o lançam a outras criações, “segundo um eixo vertical orientado, o agenciamento tem ao mesmo tempo lados territoriais ou reterritorializados, que o estabilizam, e pontas de desterritorialização que o impelem” (DELEUZE & GUATTARI, 1975 apud ZOURABICHVILI, 2004, p.8).

A presença de um agenciamento se torna visível quando se consegue “identificar e descrever o acoplamento de um conjunto de relações materiais e de um regime de signos correspondente” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 9). Vivemos imersos em grandes agenciamentos sociais, marcados por códigos específicos, que eficientemente impulsionam a reprodução e desvalorizam os processos de experimentação, especialmente na instituição escolar de espaço estriado e agenciamento molar.

[...] um agenciamento molar que repousa em agenciamentos moleculares (daí a importância do ponto de vista molecular em política: a soma dos gestos, atitudes, procedimentos, regras, disposições espaciais e temporais que fazem a consistência concreta ou a duração - no sentido bergsoniano - da instituição, burocracia estatal ou partido), o indivíduo por sua vez não é uma forma originária evoluindo no mundo como em um cenário exterior ou um conjunto de dados aos quais ele se contentaria em reagir: ele só se constitui ao se agenciar, ele só existe tomado de imediato em agenciamentos (ibidem).

Seu campo de experiência oscila entre sua projeção em formas de comportamento e de pensamento preconcebidas (por conseguinte, sociais) e sua exibição num plano de imanência onde seu devir não se separa mais das linhas de fuga ou transversais que ele traça em meio às ‘coisas’, liberando seu poder de afecção e justamente com isso voltando à posse de sua potência de sentir e pensar (ibidem).

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Campo de experiência em que somos compostos e atravessados por linhas de natureza muito diversa, segundo uma cartografia com seus traçados, como a linha de segmentaridade dura, ligada a tudo que é molar definido pelo aparelho de estado com suas leis e normas. A segunda, a da segmentaridade mais flexível abriga moralidades e molecularidades. A terceira são as linhas de fuga, extremamente moleculares, que só traçam seus devires, entretanto as três linhas estão sempre em conexões entre si, produzindo constantes movimentos de territorialização e desterritorialização nos espaços estriados do aparelho de estado.

A existência dos espaços liso e estriado existe na coexistência deles, em suas misturas, onde “[...] o espaço liso não para de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o espaço estriado é constantemente revertido, devolvido a um espaço liso” (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.180).

Para pensar esses espaços Deleuze & Guattari o comparam com a “teoria dos jogos. Sejam o Xadrez e o Go, do ponto de vista das peças, das relações entre as peças e do espaço concernido” (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 13).

O Xadrez é um jogo de estado com movimentos previamente determinado por regras rígidas como as estrias impostas pela política educacional, enquanto o Go os que pensam segundo a potência nômade, em espaço aberto, multivetorial, como nas estepes de um Oriente.

Relembrando rapidamente como funcionam esses dois jogos.

O xadrez opera em um espaço fechado, cada peça tem de antemão leis a serem seguidas rigorosamente, por exemplo, o cavalo anda em “L” duas casas em linha reta e vira uma para a direita ou esquerda, movimento que pode ser repetido para frente, para trás e para os lados.

As demais peças (torre, bispo, rainha, rei e peão) também seguem leis bem marcadas como o aparelho de estado.

O “Go” é considerado um jogo aparentemente simples e sem graça. Suas regras se aprendem em poucos minutos, mas leva uma vida inteira para aprender suas técnicas, usa materiais e conceitos elementares como linha e círculo, madeira e

Figura 01. Tabuleiro de xadrez

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pedra, fazendo combinações a partir de regras simples para gerar estratégias sutis e táticas complexas que abalam a imaginação, segundo Iwamoto (2006)23.

Os peões do Go são:

[...] grãos, pastilhas, simples unidades aritméticas, cuja função é anônima, coletiva, ou de terceira pessoa; ‘Ele’ avança, pode ser um homem, uma mulher, uma pulga, ou um elefante. Os peões do go são os elementos de um agenciamento maquínico não subjetivado, sem propriedades intrínsecas, porém apenas de situação. Por isso as relações são muito diferentes nos dois casos (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 13).

A mobilidade do GO na conquista do território em que a estratégia na simplicidade e ao mesmo tempo complexidade em um plano/tabuleiro de 19 X 19 linhas, que produzem 361 cruzamentos e cada cruzamento possui 3 situações distintas, que podem ser preenchidos com a pedra branca, preta ou vazio. O que equivale a aproximadamente 3361 posições “o que representa uma ordem de 10132 mais possibilidades que o jogo de xadrez. O xadrez apresenta 1043 posições diferentes” (KATO, KI LEE e HARANO, 2007, p.8).

O GO é uma luta por domínio territorial e o xadrez é um jogo de tomada de poder. O GO, apesar de ser mais simples se comparamos a diversidade de peças e tabuleiro, tem muito mais possibilidades e uma infinidade de estratégias. O Xadrez é um jogo mais novo, de caráter medieval e sofreu muitas modificações durante sua história, já o Go mesmo sendo mais antigo é jogado da mesma forma que há dois mil, três mil anos atrás. O conjunto de regras de Go é menos restritivo que o conjunto de regras do xadrez (ibidem, p. 9).

O xadrez é efetivamente uma guerra institucionalizada, regrada, codificada, com um fronte, uma retaguarda, batalhas. O próprio do go, ao contrário, é uma guerra sem linha de combate, sem afrontamento e retaguarda, no limite sem batalha: pura estratégia, enquanto o xadrez é uma semiologia (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 13 e 14).

23 Kaoru Iwamoto, jogador de GO, que sintetiza o fascínio que o jogo exerce nos povos do extremo oriente.

Iwamoto é profissional de 9º dan, o que se assemelha à faixa preta do judô.

Entre os famosos praticantes de go estiveram o xogum Ieyasu Tokugawa, o escritor prêmio Nobel Yasunari Kawabata e o matemático norte-americano John Nash, aquele do filme “Uma Mente Brilhante”, com o ator Russel Crowe. Nash era realmente praticante de GO - prova disso é a presença de seu nome na lista do Clube de Go da Universidade de Princeton. (http://madeinjapan.uol.com.br/2006/09/26/go-sabedoria-no-tabuleiro.

Figura 02. Tabuleiro de go

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O jogo de xadrez pode ser comparado ao espaço instituído pelo aparelho de Estado que é estriado, controlado, marcado, esquadriado e o espaço cavado pela máquina de guerra é o “liso” da potência nômade, aberto como o “go” em espaço aberto multivetorial.

Ao caracterizar os espaços liso e estriado Deleuze & Guattari usam os modelos tecnológico, musical, marítimo, o físico e o matemático e marcam possíveis oposições e misturas entre eles. No estriado atua o aparelho de Estado que é sedentário, métrico, dimensional semelhante a um espaço de tecido, fechado nas tramas que entrecruzam linhas horizontais. Apesar dos fios móveis no comprimento e largura são limitados como no modelo musical, que: “que entrecruza fixos e variáveis, ordena e faz sucederem-se formas distintas, organiza as linhas melódicas horizontais e os planos harmônicos verticais” DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 184). O espaço estriado do modelo musical se torna liso na contínua variação do desenvolvimento da forma, na “fusão da harmonia e da melodia em favor de um desprendimento de valores propriamente rítmicos, o puro traçado de uma diagonal através da vertical e horizontal” (ibidem, p. 184). O espaço estriado se alisa ao se desprender dos valores rítmicos na constante interação e mistura.

O aparelho de Estado está no espaço estriado com suas regras e políticas educativas engessadas, que se mantém em constante interação com o espaço liso. No espaço liso se produzem as máquinas de guerra é intensivo, onde se criam fluxos que se lançam como vetores de força em infinitas direções, impulsionado por acontecimentos, necessidades.

Em relação ao espaço liso e um modelo matemático os autores se perguntam:

Seria possível dar uma definição matemática muito geral dos espaços lisos? Parece que os ‘objetos fractais’, de Benoît Mandelbrot, vão nessa direção. São conjuntos cujo número de dimensão é fracionário ou não inteiro, ou então inteiro, mas com variação contínua de direção (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 195).

Um objeto fractal que vai nessa direção é a “curva de floco de neve", construída a partir de um triângulo equilátero, em que triângulos equiláteros menores são construídos repetidamente. Ergue-se no terço mediano dos lados progressivamente menores infinitamente e com dimensão entre um e dois, essa curva foi considerada por Mandelbrot um grosseiro modelo, mas vigoroso de uma linha costeira. Um triângulo que vai se transformado em curva denteada como a de uma costa oceânica.

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Figura 3. Construção do floco de neve de Koch.

Outro objeto citado por eles é a Esponja de Menger em que a partir de um cubo que vai esburacando por cubos cada vez menores, tornando-se menor que um volume e maior que uma superfície, aí teremos uma “apresentação matemática da afinidade entre um espaço liso e um espaço esburacado” (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 195).

Vejamos como a Esponja de Menger se esburaca, enquanto diminui seu volume e aumenta sua superfície.

Esponja de Menger

Nível 1

Observemos na figura 4 que as faces do primeiro cubo estão inteiras, em seguida cada face foi dividida em nove quadrados, gerando um cubo dividido em vinte e sete pequenos cubos. Posteriormente, removeu o cubo do meio de cada face (seis) e o do centro. Portanto, foram removidos sete cubos, surgindo a esponja de Menger nível 1, figura 5, com 20 cubos.

Figura 5. Esponja de Menger nível 1 Figura 4. Cubo

44 Nível 2 Nível 3

Repetindo o mesmo processo para cada um dos pequenos cubos restantes teremos uma Esponja de Menger nível 2, figura 6, com 400 cubos menores.

Repetindo o mesmo processo para a esponja de nível 2 teremos a esponja de nível 3, figura 7 com 8000 cubos menores e, assim sucessivamente.

A esponja de Menger aumenta os buracos / cubos em 20n, a cada iteração, onde n é o número de iterações.

O volume da esponja de Menger24 tende a zero e simultaneamente a superfície tende ao infinito. Cada face desse cubo é chamada de Tapete de Sierpinski.

Parece-me interessante pensar no espaço liso como um espaço que se esburaca à maneira da esponja de Menger. Ao se esvaziar vai diminuindo o volume e aumentando a superfície, o que remete a ideia do corpo sem órgãos de Artaud, que pode ser tomado como exercício de esvaziamento de nossas marcas, burocracias institucionais, políticas educacionais. Enfim, dos organismos em geral e tentarmos cavar buracos, como maneiras de fazer as coisas, aumentar a superfície de experimentação e criar infinitas possibilidades de mergulho em determinadas situações, planos.

No processo educativo caótico, o espaço estriado referente ao aparelho de Estado, que é controlado, marcado, esquadriado e o espaço da potência nômade, que é “liso”, aberto, articulam-se em situações, acontecimentos a turbilhonar incessantemente em micro

24 Este modelo fractal tem uma dimensão intermediária entre o plano (2D) e o espaço (3D). A dimensão fractal da

esponja de Menger é dada por log 20 / log 3 = 2,726833028... Seu volume pode ser calculado V= (20/27)n

(http://www.reocities.com/CollegePark/7236/esponja1.htm). 201 = 20 202 = 400 203 = 8000 204 = 160 000 205 = 3.200 000 206 = 64 000 000 Figura 6. Esponja de Menger nível 2 Figura 7. Esponja de Menger nível 3

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organizações completamente “fora” dos esquemas previstos pela instituição, escola. Impõe- nos no cotidiano da vida, atordoando-nos em um emaranhado de surpresas, que emergem dos possíveis campos intensivos gerados por afecções nesses dois espaços, que se mantêm em constante interação.

Nunca nada se acaba: a maneira pela qual um espaço se deixa estriar, mas também a maneira pela qual um espaço estriado restitui o liso, com valores, alcances e signos eventualmente muito diferentes.

Talvez, seja preciso dizer que todo progresso se faz por e no espaço estriado, mas é no espaço liso que se produz todo devir (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 195).

O aparelho de Estado opera com as iterações axiomáticas e o espaço nômade com a mobilidade flutuante do inusitado, por tangenciamentos e dribles aos mecanismos de controle. Seguir os fluxos dos desejos nesse espaço é embaralhar essas forças de forma a proliferar as conexões entre o espaço estriado e o liso ou nômade, em constante metamorfose.

Um processo educativo caótico em sua multiplicidade a proliferar singularidades, onde é constante o estímulo à experimentação e criação. Processo em que aprendemos muito mais do que ensinamos sobre os assuntos estudados, nós mesmos, e sobre como operar com as flutuações e surpresas das situações, acontecimentos. São fluxos de desejo gerando campos intensivos a operar nessas conexões, tensões entre os espaços lisos e estriados a gerar situações limite com variação contínua de rumo, numa multiplicidade de iterações e mobilidades infinitas. São multiplicidades de termos heterogêneos, de co-funcionamento, de contágio, que “entram em certos agenciamentos e é neles que o homem opera seus devires...” (DELEUZE & GUATTARI, 2012, p. 24).

47 Campo Intensivo 2

PRÁTICA EDUCATIVA

E

TEORIZAÇÕES DO COTIDIANO

... Cotidiano, Mistura de fazeres, ... Sentimentos... Corpos... Vida, Que se faz e refaz, Em virtuais Flutuações,

Bifurcações...

Miriam B. C. de Camargo

Uma cartografia de movimentos, de campos intensivos, de pistas que se apresentem na expressão de afetos, de algo que mobilize e convide o olhar, em direção a elementos que os constituem. Em que medida o exercício de pensar a prática no encontro com seus pares, alunos e outros intercessores pode contribuir para a criação de teorizações mais relevantes no espaço microssocial? Que agenciamentos, acontecimentos podem gerar campos intensivos a impulsionar a experimentação no cotidiano da escola, vida?

São indagações em um meio, que a produção do professor é pouco considerada nas políticas educacionais e nos próprios cursos de graduação.

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Não é só um problema de governo ou de políticas que está nos impedindo. Há espaço para fazer o que deve ser feito. O problema é que no ambiente da universidade as pessoas não são recompensadas por fazerem um bom trabalho na educação de professores. [...] a Formação de Professores tem um status muito baixo nas universidades. Você não se torna famoso só por fazer um bom trabalho em Formação de Professores (ZEICHNER, 2000, p. 14).

O exercício de problematizar e produzir saberes sobre a prática educativa exige disponibilidade para o processo constante de aprender, o olhar atento à vida que acontece cotidianamente, considerar as aspirações da escola para que sejam relevantes à comunidade microssocial.

Um saber fazer proveniente de sua própria atividade em um meio que é comum o “consumo de teorizações construídas por profissionais que nunca atuaram numa sala de aula” (TARDIF, 2002, p. 241). Isso tem gerado desconfianças nos professores do Ensino Fundamental e Médio, após anos recebendo prescrições de como se deve conduzir o processo educativo, via políticas educacionais, uma longa tradição dos professores acadêmicos em considerar legítimo, apenas as suas produções.

Os textos direcionados a leitores não acadêmicos geralmente não são valorizados no contexto da Universidade e pelos centros de pesquisa – que são hierarquizados e categorizados em “acadêmicos, científicos”, de um lado e “de divulgação, de didatização” de um outro, a estes últimos sendo atribuídos menor valor e pouca legitimidade acadêmica (SOARES, 2001, p. 80).

A desconfiança nos acadêmicos foi o primeiro desafio a ser vencido com os professores e gestores, que além da desvalorização de suas produções, ainda muitas vezes usam o professor e sua sala de aula para suas dissertações e teses, apontando o que não funciona, sem nenhum benefício para escola e como já citei anteriormente, era uma exclamação recorrente: “nossa! Já fiz tantos cursos aqui na Unicamp e em outros lugares e nunca ninguém quis saber o que eu penso sobre a escola, o aluno, a educação...”.

À medida que os fui convidando a olharem suas práticas, estudá-las e que tentaríamos encontrar meios de publicar suas produções25, vagarosamente foram se sentindo seguros para

25 Felizmente conseguimos publicar suas produções no livro “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”

pela Prefeitura Municipal de Campinas, lançado do dia 28/08/2014. São 21 textos, sendo 18 de professores e 3 de gestoras sobre sua prática cotidiana.

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expor suas práticas, incômodos, concepções de educação. A professora Rosana Tinel relembra o processo.

O grupo foi pouco a pouco se descontraindo, relacionando-se e levantando discussões muito interessantes a cada aula.

[...] fui ‘crescendo’ na forma de escrever, observando e escutando os comentários, as apresentações dos seminários. Não houve momentos em que perdi o entusiasmo pelas aulas e pelo curso mesmo nos dias em que estava extremamente cansada e mais calada (2009, p.13).

Trazendo Spinoza podemos dizer que a potência da ação, no alegre “encontro” com os colegas e o pensar junto criava campos intensivos a impulsionar o repensar da prática e timidamente fomos adquirindo confiança para compartilhar nossas reflexões, indagações, incômodos e situações, que iam sendo problematizadas no coletivo. Ao mesmo tempo, a tentativa de dar forma a sua escrita e, à constante busca de metodologias e referências teóricas, que pudessem contribuir nesse repensar da prática, um processo coletivo, em que cada um se apropria a partir de suas próprias “vontades”.

Problematizar e teorizar a prática cotidiana por professores e gestores como uma forma de compartilhar e trazer à visibilidade seus saberes, construídos ao longo de décadas no exercício da profissão. Afinal, quem melhor conhece esses espaços e seus desafios? Sabe-se muito pouco sobre características que lhe são inerentes.

De fato mal conseguimos identificar os atos do professor, que, na sala de aula, têm influência concreta sobre a aprendizagem dos alunos, e estamos apenas começando a compreender como se dá a interação entre educador e educandos (GAUTHIER, 1998, p. 17).

Ao se explicitar nossa concepção de educação, o que pretendo com a minha atividade pedagógica, que ambientes e posturas podem favorecer o processo do apreender. Que situações me possibilitam trabalhar com elementos simples do cotidiano e despertar o interesse dos alunos? E a avaliação? E os conhecimentos produzidos pelos alunos? Existe um ambiente propício, onde o participante possa exercitar o desenvolvimento de suas potencialidades? Em que medida eu experimento outras formas de fazer, em minha atividade pedagógica e não apenas reproduzo propostas prontas, geralmente, via políticas educacionais? São questionamentos que contribuíram para se:

Atentar para a prática como referência para compreendê-la e reconstruí-la; a relevância de descrever e compreender o cotidiano da escola pública típica; a

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necessária associação ensino/pesquisa na formação inicial; o respeito aos saberes dos professores e professoras produzidos em seu trabalho; a necessidade de construir caminhos coletivos na escola pública (GERALDI, MESSIAS e GUERRA, 2001, p. 241).

Atentar para o saber na ação acumulado ao longo do tempo ao repensar o aprendizado cotidiano, problematizando-o é uma forma de trazer à visibilidade estratégias usadas em salas de aula, que encarnam conceitos sobre o modo de entender os valores educacionais. “Professores e Professoras estão sempre a teorizar, à medida que estão confrontando-se com vários problemas pedagógicos, por exemplo, a diferença entre as suas expectativas e os resultados” (ibidem, p. 248).

Inquietar, incomodar, cavar em meio ao que parece não ter nenhuma possibilidade de ação é tarefa essencial dos educadores em meio ao atual “caos social”, onde o cotidiano das escolas é palco sombrio de seus efeitos. Vi professores precisarem de licença saúde por conta de situações, que são muito maiores do que sequer conseguimos imaginar, mas vi também professores encontrarem soluções para problemas, onde em princípio não se tinha a menor ideia de por onde começar.

A professora de um terceiro ano, Nair Heerdt, na EMEF Oziel Alves Pereira, no ano de 2008 tinha 80% da sala de alunos não alfabetizados, com idade entre 7 e 14 anos. Desesperadamente ela tentava encontrar formas de fazê-lo, sempre que começava a utilizar o material proposto pela Secretaria de Educação, eles diziam “não dona isso a gente já sabe”, pois já conheciam o material de anos anteriores e não tinham nenhum interesse nele.

Em uma das aulas, um aluno se levantou para entregar um bilhete a uma menina, mas a professora o interceptou. O menino assustou, achando que ela lhe tomaria o bilhete e lhe repreenderia, mas para sua surpresa ela lhe ensinou a melhorar o texto antes de entregá-lo à destinatária. A partir desse incidente choveram bilhetes dos demais e rapidamente melhoraram significativamente seu processo de escrita, porque de alguma forma isso fazia sentido para