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Teorização da prática pedagógica por professores e gestores, em Escolas Públicas de Campinas, SP

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Academic year: 2021

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MARIA APARECIDA DA SILVA DAMIN

Teorização da Prática Pedagógica por

Professores e Gestores, em Escolas Públicas

de Campinas, SP

CAMPINAS 2015

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Faculdade de Educação

Rosemary Passos - CRB 8/5751

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Theorization of teaching practice by teachers and managers of publicschools of Campinas, SP

Palavras-chave em inglês:

Teachers Experimentation Desire

Chaos

Meeting (Social customs) Writing

Área de concentração: Psicologia Educacional Titulação: Doutora em Educação

Banca examinadora:

Afira Vianna Ripper [Orientador] Américo Grisotto

Guilherme do Val Toledo Prado Maria de Fátima Garcia

Silvio Donizetti de Oliveira Gallo

Data de defesa: 11-02-2015

Programa de Pós-Graduação: Educação

Damin, Maria Aparecida da Silva,

1954-D184t DamTeorização da prática pedagógica por professores e gestores, em Escolas Públicas de Campinas, SP / Maria Aparecida da Silva Damin. – Campinas, SP: [s.n.], 2015.

DamOrientador: Afira Vianna Ripper.

DamTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de

Educação.

1. Professores. 2. Experimentação. 3. Desejo. 4. Caos. 5. Encontro (Costumes sociais). 6. Escrita. I. Ripper, Afira Vianna,1936-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

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RESUMO

Este estudo mapeia produções de professores e gestores, da Secretaria Municipal de Educação de Campinas, SP, no curso de Especialização “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”, da Faculdade de Educação da Unicamp, nos anos de 2008 e 2009. Ao seguir os fluxos de desejo, na contingência cotidiana, problematizando e teorizando práticas, gera-se um processo educativo caótico, constituído por campos intensivos, que denominei “Processo Educação Caos”, caracterizado pela instabilidade e incerteza. Na tentativa de encontrar rastros de campos intensivos detonadores da educação como devir a impulsionar a experimentação de outras maneiras de se atuar na escola, transito nas produções escritas dos professores, gestores e em teorizações de alguns filósofos como Gilles Deleuze & Félix Guattari, Michel Foucault, Silvio Gallo, Baruch Spinoza, Antonin Artaud, Jacques Derrida, dentre outros. Alguns campos intensivos gerados nos encontros se mostram a aumentar a força de ação à maneira de Spinoza tais como: “a potência do desejo”, “os encontros alegres”, “o exercício da escrita” de forma livre. O seguir fluxos de desejo na problematização e teorização da pratica cotidiana pelo professor e gestor, no apreender via problematização de temas de interesse no dia a dia da sala de aula por alunos e professores. Os “encontros”, que podem ser com qualquer coisa que aumente a força de existir e o exercício da escrita como o vento a soprar registros castradores da razão, marcados em nossos corpos por certa maneira de escrita vivida na escola. A produção de saberes nesse processo pedagógico se dá de forma transversal, portanto um currículo, aberto, em constante devir. No processo de escrita o que está naturalizado na escola passa a ser visto por outros ângulos, questões são postas a nu, o que pode impulsionar a busca por outras maneiras de fazer na escola, vida.

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ABSTRACT

This study maps the production of teachers and school administrators from the Campinas Department of Education, São Paulo of a specialization course “The Research and Technology in Teacher Education”, given by the Faculty of Education at UNICAMP during 2008 and 2009. Following the flows of desire in the daily contingency, discussing and theorizing practices generates a chaotic educational process, consisting of intensive fields which I have called “Process Education Chaos”, characterized by instability and uncertainty.

In an attempt to find traces of intensive fields of detonators of education as obligation, capable of boosting other experiments of acting in school, I go back and forth between the teachers and managers’ written productions and the theories of philosophers; such as, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Michel Foucault, Silvio Gallo, Baruch Spinoza, Antonin Artaud, Jacques Derrida, among others. Some intensive fields generated during meetings showed a growing rise on its action force similar to Spinoza’s theories, for example, “the power of desire”, “the gay encounters”, “the exercise of writing” in a free manner. It follows the flow of desire on the discussion and theorization about the daily school practice, both by teachers and managers. The “encounters” which may be related to anything that increases the strength of existence and the exercise of writing, which, as the wind blows away castrating records of reason, our minds have been marked by the certain way that Writing was taught in school.

The knowledge production on such an educational process goes across the board and in a transversal manner. It happens in the curriculum, which is open, and is constantly changing. The process of writing, that which is taken for granted in school, comes to be seen from different angles. It begins to see questions that be put openly which can boost the search for different ways of facing what has to be done at school.

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SUMÁRIO

Panorama dos campos intensivos... 01. Problematização... 12.

Rastros do Percurso... 13.

Organização dos campos intensivos... 14.

Campo intensivo 1. A Potência do “Desejo” no Processo Educativo... 15. Processo Educação Caos... 26.

Campos intensivos e algumas ressonâncias... 32. Campos eletromagnéticos e mórficos... 33. Campo intensivo e plano de imanência... 36.

Aparelho de controle institucional e espaço nômade... 39.

Campo intensivo 2. Prática Educativa e Teorizações do Cotidiano... 47.

“Encontros” a gerar campos intensivos no contingente cotidiano... 58. Currículo em devir... 66.

Apreendendo a realidade cotidiana... 73.

Campo intensivo 3. O exercício da Escrita e o Corpo sem Órgãos de Artaud... 85. Experimentação na escrita... 94.

Campo intensivo 4. Problematizar, Compor Afetos e Devir... 113.

Bibliografia... 127.

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A todos que partilham processos de produção coletiva, a criar “bons encontros”... A aumentar a potencia de ação no ambiente da escola... A disparar

partículas na invenção de vidas possíveis...

O que pode uma mistura de sonhos?

No exercício do olhar... Desvia o foco Mergulha nas águas do caudaloso rio A irromper... Estórias e ecos De homens, tempos e lugares... Na Cartografia, pesquisa e cria Experimenta seguir a si mesmo Ainda, que impregnado do alheio Conhece o rumo do sonho... No Ser Professor! A criar estratégias e desviar o curso do rio A Delinear novos horizontes e descortinar o inimaginável As multivozes constituem e desconstituem Atravessa pontes! Revê posturas... Reinventa o cotidiano Com Estilo! Desliza por diferenças... A embalar Corpos na dança por trilhas mais amorosas... Multicolorido de bolas e corpos a flutuar no ar Desvenda os mistérios do “eu” no “outro” Ao sopro de abalos e rajadas repensa o existir Rompe fluxos silenciosamente Ao caminhar pela vila Na urdidura do tecer Por entre grãos movediços A inexplicável magia da escrita Misturas de sonhos a mover a trama Em tempo e vida! Presente com laço de fita! A viver, sonhar e brincar...

Ao som de Ravel!

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Dedico...

A todos que ao seguir fluxos de desejo na contingência cotidiana, escolhem “encontros” mais alegres e amorosos...

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GRATIDÃO

À vida por ter-me lançado ao “encontro” de pessoas muito especiais, que impulsionam e encorajam o seguir de “vontades” no apreender... Outras que embarcam juntas rumo ao “Caos” a experimentar caminhos na prática cotidiana, vida... São pessoas muito queridas e admiradas... Imensa Gratidão às misturas, em que fui me tornando...

Ao “convite” da Afira Vianna Ripper, em uma noite qualquer, de 1997, a cansados professores de uma escola Estadual, para integrar um projeto educativo, associado às tecnologias da informação, em parceria com docentes da Unicamp - o Projeto Ciência na Escola. A minha vontade e perplexidade eram enormes, diante da interlocutora, consequência da mais completa falta de habilidade com computadores. Indaguei-a: “como alguém que não consegue operar com um mouse poderá utilizar um computador com alunos em sala de aula?” Responde ela: “Você tem vontade? É só o que precisa, o resto aprende”... Aprendi e ensinei, tendo-a como parceira... A frase “precisa vontade, o resto aprende” abriu um precedente sem tamanho, que marcará minha maneira de lidar com as coisas... A orientação e parceria nos grupos das escolas, no mestrado, nas aulas do curso de especialização “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente” e na cuidadosa orientação neste texto.

Ao insistente “cadê seu projeto de doutorado?”, indagação do Silvio Gallo, repetida diversas vezes nos corredores da Faculdade de Educação da Unicamp, sem isso com certeza não teria me aventurado a fazê-lo. A alegre, tranquila e desafiante presença de sempre; no exame de qualificação, as cirúrgicas sugestões para a reorganização... A clareza e

fecundidade de seus escritos a provocar o repensar da escola e da própria vida..

Ao Américo Grisotto pela atenta e cuidadosa leitura no texto da qualificação... Sugestões de extrema beleza e delicadeza... Linda grafia que mais parecem notas musicais a

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Ao Guilherme do Val Toledo Prado, que em um momento de extremo desânimo para continuar, exclamou “você não vai desistir agora!”, encontro de alguns minutos que me lançaram de volta ao texto. Pela escrita com os professores e gestores, encontro profícuo de escrita, no refazer do caminho do “como nos tornamos professor” com o problematizar de práticas... Memorial de formação a embelezar as produções...

À Luciana Palharini por sua alegria, amizade e carinho... Que em um momento de extremo desespero ajudou a pensar outra organização para este texto...

À Maria de Fátima Garcia pela parceria, no curso de Especialização, na FE, Unicamp, 2º semestre de 2008... Encontros, conexões a lançar a outros territórios...

Ao professor Joaquim Brasil Fontes pelas acaloradas aulas a viajar na literatura.. Safo de Lesbos... Erasmo de Rotterdam... Antonin Artaud... E infinitoslugares...

Ao Henrique Lima Assis pela carinhosa e delicada revisão e sugestões no texto sobre a escrita... No entremeio do “pintar o céu.... A abusar daqueles prateados, que associam aos verdeazulados no horizonte, a deixar o fim do dia muito mais especial para escrever viver, contemplar, escrever poemas...” Amar... Palavras, vida em nós... Quisera eu conseguir....

Ao professor Antonio Miguel pelas aulas sobre Filosofia da Educação Matemática, Modelagem Matemática e Etnomatemática, que até hoje fazem parte dos meus cursos...

À Ligia Prando por nossas conversas rizomáticas... Amizade e apoio...

À Nadir Camacho e Rita Lanoux, da Secretaria da Pós-Graduação da Faculdade de Educação, pela atenção de sempre...

À amiga Dione Pizarro que apensar de anos sem nos vermos continua a provocar e

inspirar...

Ao Carlos Bueno de Moraes Filho pela amizade e apoio incondicional em todos os momentos...

Aos amigos Walmir Almagro, Elza Fassani, Sahori Yamaki, Marcos Pierossi e Bruno Y. Pierossi por me lembrarem de que há vida lá fora... Amizade e apoio.

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Aos professores e gestores nas disciplinas “A Pesquisa como instrumento Pedagógico I, II e III”, do curso de Especialização “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente” por nossos alegres, intrigantes, desafiantes e “contagiantes encontros” a

misturar partículas em campos intensivos... Ventos a soprar... A Misturar e disparar fluxos:

No exercício do olhar à obra de arte na escola, vida... Thelma Ragusa Guimarães; No desvio do foco das mazelas... Elizandra R. Neves;

No mergulhar do caudaloso rio, na Comissão Própria de Avaliação... Rob Ney Rodrigues; No irromper de estórias e ecos no mundo da literatura... Ambrosina Castellar Brito;

Na História de homens tempos e lugares... Wolney Colussi; Na cartografia a criar outros olhares à escola... Claudia Lattarini; No criar estratégias e desviar o curso do rio... Antonio Carlos Mafra Juliano;

No delinear de novos horizontes... Joana Luzia Olaf; No Reinventar o cotidiano... Maria de Fátima Garcia;

No descortinar o inimaginável... Denilda Altem;

Nas multivozes, que nos constituem e desconstituem... Rafaela Lopes; No atravessar pontes e rever posturas... Mariangela Modé;

No embalar de Corpos na dança por trilhas mais amorosas... Silvana Salvador; No experimentar seguir a si mesma, no Ser Professor... Nair Heerdt;

No estilo a deslizar por diferenças... Ieda Rockenbach;

No multicolorido de bolas e corpos a flutuar no ar... Mariângela Kachan; No desvendar de mistérios do “eu” no “outro”... Girlene do Nascimento Urbano;

No sopro de abalos e rajadas repensa o existir... Rosana Tinel; No mapear nascentes, rompe fluxos silenciosamente... José Cícero Alves;

No caminhar pela vila... Valéria M. Catarino; Na urdidura do tecer... Miriam B. de Castro Camargo;

Por entre grãos movediços... Renato Horta Nunes; No viver sonhar e brincar... Eliana D’Orázio;

Nos tempos e vida! Presente com laço de fita!... Durival José Gasparotto; Na inexplicável magia da escrita... A mover a trama... Maria Aparecida Damin;

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À Secretaria Municipal de Educação de Campinas pela parceria nos cursos “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente” e nos de Etnomatemática...

Às professoras de Educação Infantil e Ensino Fundamental I, do NAED NOROESTE nos cursos de Etnomatemática pela alegria da criação... No “presente inestimável de um

novo ‘olhar’!” Elaine Nunes... Nas “Mãos que se tocam e misturam a tinta” Angela Cobacho... “Na Onda, jogos o apreender das crianças” Elck Cristiny... No “Seguir um bichinho no chão” Késia e Renata... Na “matemática do pandeiro” Érica Alexandrini... Na “Matemáticantoria dos bebes” Islaine, Maria Elizabeth e Rosangela... Na “geometria das

pipas” Carolina C. Luz... No “ambiente de amorosidade aos bebes” Maria Prietto... Na “espiral do encaixe de carrinhos” Priscila França... No “Devir - criança” por Marcia Dias...

Ao Wladimir Mesko, Lucia Pegolo Gama, Cristina Criscuolo pela presença na defesa... Acolhida e apoio no Programa "Pesquisa e Conhecimento na Escola" que acaba de

nascer e já dá pistas de intensos fluxos de desejo a contagiar...

A todos os professores e gestores que cotidianamente reinventam a escola, vida... À Déa Raquel Ehrhardt Carvalho por nossas conversas e sugestões... À Silvana da Silva, Aluisio Negrão, Alberto Mello, Marco Millione, Valdinei, Lucelma Dalmolin e Lilian por nossos acolhedores e adoráveis encontros...

Aos meus pais Francisco (in memorian) e Maria pela vida...

À Adriana e ao Franchine por nossas conversas e apoio de sempre... Ao Onofre, Luiza e Natália pelo carinho e apoio... Aos irmãos Benedito e Fátima pela dedicação... Ao Dimas, Ângela e Francisco por nos mostrarem que é sempre possível recomeçar... A todos pelo apreender no compartilhar...

À Mariana Campinhos pelo carinho...

Ao Plínio Damin pelas sugestões neste texto... Encantamento com a filosofia, encarnada na própria vida... A descortinar outros modos de vida...

À Virgínia Damin... A neta Sofia Fiorucci... Pela alegria... O apreender da vida e de mim mesma... Por me mostrarem outros mundos...

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PANORAMA DOS CAMPOS INTENSIVOS

Mistura Corpo /Ventre...

... No som do descolar de células / pétalas.... Simplesmente... A Composição de Corpo / pétalas... Nas gotas orvalhadas das manhãs... ... Um corpo sem órgãos? Maria A. S. Damin

Este estudo trata da composição de forças no processo educativo ao se problematizar e teorizar práticas, no contingente cotidiano, tendo como referência a produção de professores e gestores da Rede Municipal de Educação de Campinas e os encontros na disciplina: “A Pesquisa Cientifica como instrumento Pedagógico”, módulos I, II e III, turma B, do curso de Especialização “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”, da Faculdade de Educação da Unicamp, em parceria com a SME - Secretaria Municipal de Educação de Campinas, SP, nos anos de 2008 e 2009.

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Mapeio suas teorizações de forma um tanto aleatória ao seguir rastros de afetos. Rastros de afetos que possam detonar uma educação como devir, a impulsionar a experimentação de outras maneiras de atuar na escola ao seguir fluxos de desejo na problematização de práticas, o que gera um processo educativo caótico, constituído por campos intensivos, que denominei “Processo Educação Caos”, caracterizado pela instabilidade e incerteza. Movimento, em que transito nas produções escritas dos professores, gestores e teorizações de alguns filósofos como Gilles Deleuze & Félix Guattari, Michel Foucault, Silvio Gallo, Baruch Spinoza, Antonin Artaud, Jacques Derrida, dentre outros.

Alguns campos intensivos, gerados em encontros apontam para o aumento de nossa força de ação à maneira de Spinoza como: “a potência do desejo”, “os encontros alegres”, “o exercício da escrita” de forma livre, que podem detonar uma educação como devir: - ao seguir fluxos de desejo na problematização e teorização da prática cotidiana pelo professor e gestor; - o apreender via problematização de temas de interesse, no dia a dia da sala de aula por alunos e professores; - os “encontros”, que podem ser com qualquer coisa que aumente a nossa força de existir e, o exercício da escrita como o vento a soprar registros castradores da razão, marcas em nossos corpos de certa maneira de escrita, vivida na escola, um exercício em direção ao “corpo sem órgãos” proposto por Artaud.

Proponho a ideia de campos intensivos para pensar a dinâmica de um processo Educativo caótico, na tentativa de encontrar rastros de intensidades, que apontem para uma educação como devir. Intensidades que se mostram e se modificam continuamente. Em constante devir.

Campos intensivos como o oceano virtual, que estamos mergulhados, mas que o intensificamos ao redor de acontecimentos, perspectivamente como o pensamento para Nietzsche, em que alguns prevalecem sobre infinitos outros. Essa ideia surge da noção de campos na ciência, como os mórficos na biologia, os eletromagnéticos na física e posteriormente os associei com o conceito plano de imanência em Deleuze & Guattari. Poderíamos dizer um campo de forças virtual com Leibniz, a de que “a força é um virtual em curso de actualização (de se tornar real), tanto como o espaço no qual se desloca” (DELEUZE e PARNET, 2004, p.180).

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O conceito de força foi substituído pelo de campo de forças por Maxwell1 e Faraday, que “foram os primeiros a ultrapassar a física newtoniana mostrando que os campos têm sua própria realidade e podem ser estudados sem qualquer referência a corpos materiais, ou seja, são modificações do próprio espaço” (HAWKING, 2009, p. 43).

Nas “modificações do próprio espaço” campos intensivos se mostram e desaparecem em torno de acontecimentos como na potência do desejo, nos encontros, no exercício da escrita, no pensamento filosófico, dentre outros. Desejo como um “corpo sem órgãos” como propõe Artaud, segundo Deleuze e Parnet (2004) em que partículas e fluxos o percorrem e escapam tanto dos objetos como dos sujeitos.

Campos intensivos que se formam em fluxos de desejo, acontecimentos no espaço microssocial, que podem impulsionar ações pedagógicas, em um processo criativo, dinâmico, produtivo e caótico em termos de organização e gerenciamento. Observei essas características no Projeto “Ciência na Escola”, desenvolvido com alunos2 e professores da educação básica, na EE Professor Aníbal de Freitas, que foi estudado no Mestrado, em Damin (2004), processo educativo, que denominei “Processo Educação Caos”.

Nos anos de 2008 e 2009 observei o delinear de intensidades semelhantes nos encontros, aulas com um grupo de professores e gestores da rede Municipal de ensino de Campinas, SP, na disciplina: “A Pesquisa como Instrumento Pedagógico I, II e III”, do curso de especialização citado anteriormente, “turma B”3, grupo heterogêneo formado por professores dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, diretora, orientadora pedagógica e coordenadora pedagógica. Esse curso foi oferecido a duas turmas, A e B. Na turma A

1 Em 1865, o físico britânico James Clerk Maxwell combinou todas as leis conhecidas da eletricidade e

magnetismo. A teoria de Maxwell baseia-se na existência de “campos” que transmitem ações de um local para outro. Ele reconheceu que os campos que transmitem perturbações elétricas e magnéticas são entidades dinâmicas: podem oscilar e mover-se no espaço.

A síntese do eletromagnetismo de Maxwell pode ser condensada em duas equações que descrevem a dinâmica dos campos. Ele próprio deduziu a primeira grande conclusão dessas equações que ondas eletromagnéticas de todas as frequências propagam-se no espaço com a mesma velocidade fixa – a velocidade da luz (HAWKING, 2009, p. 43).

2 Participantes do projeto “Ciência na Escola”, que foi desenvolvido de 1996 até 2005, inserido no programa

especial criado pela FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, visando à melhoria do ensino público (FAPESP – Linha de Pesquisa Ensino Público), pelo LEIA/FE/UNICAMP/FAPESP.

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estavam os professores dos Ciclos I e II e na B os dos Ciclos III e IV, porém à insistência de duas professoras dos ciclos I e II, que não podiam participar da turma A e, de duas gestoras foram agregadas à turma B.

Nessas duas experiências – na educação básica e na pós-graduação o processo pedagógico se dava a partir de problematizações do cotidiano. O apreender do aluno seguia a escolha de assuntos de seu interesse e do professor. Uma proposta de aprendizado via metodologia de pesquisa no cotidiano da sala de aula, tendo como referência o Projeto “Ciência na Escola”, que foi desenvolvido no LEIA - Laboratório de Educação e Informática Aplicada da Faculdade de Educação, da Universidade Estadual de Campinas.

Este projeto foi criado em 19964 visando discutir o aprendizado via metodologia de pesquisa com professores da universidade e de escolas municipais, entretanto em sua segunda fase participaram também Escolas Estaduais, situadas no município de Campinas, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, na linha Auxílio à Pesquisa – Programa Ensino Público. O objetivo principal era “[...] despertar vocações para as ciências entre os alunos das escolas públicas municipais de Campinas e, ao mesmo tempo, possibilitar a melhoria da qualidade do ensino e o conhecimento da realidade educacional” (PROJETO CIÊNCIA NA ESCOLA, FAPESP, PROCESSO, 96-2496, 1996, p.1). A parceria nesse projeto entre professores de escolas públicas municipais e estaduais de Campinas, com docentes da Unicamp, no ano de 2009 completou 13 anos.

Os primeiros oito anos foram de natureza investigativa, a fim de pesquisar temáticas de natureza interdisciplinar, utilizando a pesquisa científica com os alunos. A FAPESP financiou essa etapa de setembro 1996 a dezembro 2004 por meio do Programa de Ensino Público e o Centro de Óptica e Fotônica (CEPOF) do Instituto de Física da Unicamp apoiou essa etapa.

Nos anos seguintes o objetivo do Projeto foi a disseminação dos resultados da etapa anterior sob o formato de cursos de extensão da Escola de Extensão da Unicamp – Extecamp (2005 a 2007). Em 2008/2009 configurou-se neste Curso de Especialização (lato sensu) ‘A pesquisa e a tecnologia na formação docente’ com 390 horas, vinculado à pós-graduação da Faculdade de Educação da Unicamp.

Em seus treze anos de atuação oito professores terminaram o curso de Mestrado e três5 o de Doutorado, além de 36 que concluíram o curso de Especialização.

4 Projeto “Ciência na Escola” processo FAPESP, 96-2496.

5 Atualmente, esses três professores têm cargos efetivos como professores titulares em Universidades Públicas

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Atualmente três cursam o Mestrado e dois o Doutorado. Outros três pesquisadores ligados ao projeto fizeram pós-graduação, dois cursaram o Mestrado e um o Doutorado (RIPPER, 2010, p. 1)6.

As alunas de mestrado7 e uma de doutorado concluíram suas pesquisas e eu sou a última a finalizar este texto... Consequência de uma visita da professora Afira em uma noite, talvez meados de novembro de 1997, à EESG Aníbal de Freitas, onde eu lecionava matemática, para convidar professores a participarem do Projeto “Ciência na Escola”. Imediatamente senti enorme vontade, mas muito apreensiva, pois não tinha nenhum conhecimento de informática, o mouse fugia por entre meus dedos. Pensava cá com meus botões: como poderei orientar alunos no uso do computador? Arrisquei a indagar nossa interlocutora, que para minha surpresa respondeu: “mas você gostaria de participar?” Respondi sim e sua resposta: “é só isso que precisa, o resto aprende”... Lembro-me das dificuldades com o bendito mouse! Era o próprio “Chico Bento” a navegar na Internet.... A Maria de Fátima Garcia, coordenadora operacional do projeto, pacientemente me acompanhava, fui me sentindo mais segura e arriscava a aventurar pelo mundo da tecnologia. Logo em seguida participei de um curso de modelagem matemática8, no Instituto de Matemática e Estatística da Unicamp (1999 e 2000), em que aprendi a elaborar modelos matemáticos com o suporte de softwares muito específicos como o Matlab (MATrix LABoratory)9. Uma combinação fabulosa em que números, tabelas, equações, funções se transformam em imagens, usei o que era possível com alunos do Ensino Fundamental e Médio e muitos pareciam artistas a brincar com cores e formas.

Sant’Anna, na Universidade Estadual da Bahia e Maria Cândida Müller, na Universidade Federal de Rondônia.

6 RIPPER, A. V. Tecendo Novos Territórios Pedagógicos. Congresso Internacional PBL10, USP/LESTE -

Universidade Estadual de São Paulo. Disponível em: http://www.uspleste.usp.br/pbl2010/trabs /trabalhos /TC0338-1.pdf

7 Em 2012, outra aluna concluiu o doutorado, em 2013 duas professoras concluíram o mestrado e em 2014 mais

uma professora. Portanto, hoje contamos onze professores, que cursaram o mestrado e cinco professores chegaram ao doutorado.

8 Cheguei a esse curso, porque o Professor Rodney Bassanezi do Instituto de Matemática e Estatística da

Unicamp pediu a professora Afira Vianna Ripper para usar o Laboratório de Informática e ela disse que sim, mas queria uma vaga para uma professora.

9 MATLAB (MATrix LABoratory) trata-se de um software interativo de alta performance voltado para o cálculo

numérico, que integra análise numérica, cálculo com matrizes, processamento de sinais e construção de gráficos em ambiente fácil de usar onde problemas e soluções são expressos somente como eles são escritos matematicamente, ao contrário da programação tradicional. (http://pt.wikipedia.org/wiki/MATLAB).

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O Projeto Ciência na Escola se confunde com o início da Informática na Educação Brasileira e têm como precursores o Projeto EUREKA e o EDUCOM10. O Projeto EUREKA11 foi pioneiro no uso do computador no primeiro ano do ciclo I, criado em 1990, em parceria entre Unicamp e rede Pública Municipal de Campinas, visando à melhoria do ensino e como:

[...] a informática já está presente e seu uso é inquestionável em quase todos os ramos das atividades humanas. Do mesmo modo que outrora, com a revolução industrial, as máquinas mecânicas libertaram o homem do esforço físico, hoje as máquinas eletrônicas passam a fazer parte do trabalho intelectual de cálculo, controle e armazenamento de dados. A inserção do computador na atividade científica faz parte da realidade contemporânea. Como um dado de realidade, a tecnologia altera, inevitavelmente, o trabalho e as relações humanas (MORAES, 2002, p.51).

A maneira como se conduzia o processo educativo no projeto EUREKA é considerada até hoje, um grande avanço para a melhoria da Educação, como pontua Miriam Camargo, coordenadora de cursos na Prefeitura Municipal de Campinas, que desde seu início se estimulava a autonomia e o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, no processo pedagógico, integrando alunos e professores da rede.

[...] à integração vertical e horizontal: integração entre alunos; entre professores e alunos; entre séries e componentes curriculares, por meio de trabalhos desenvolvidos por diferentes disciplinas de uma mesma série – através de temas geradores; integração entre classes; integração entre professores da escola e da Fumec, discutindo problemas comuns, através de reuniões semanais;

[...] à busca da autonomia do trabalho do professor e da própria produção do conhecimento dos envolvidos no trabalho pedagógicos (professores e alunos) (MORAES, 2002, p.50).

Segundo Camargo (2013), no projeto Eureka os grupos eram reflexivos, os professores pensavam juntos os desafios das Unidades Educacionais e também no grupo da Unicamp com todos os participantes, onde se tentava propor ações coletivas. Os rumos das ações eram planejados em conjunto com os professores da escola básica e docentes do Laboratório de Educação e Informática Aplicada, da Faculdade de Educação da Unicamp. A autora pontua que hoje se faz necessário recuperar essa dinâmica, criando espaços para mais reflexões nos cursos oferecidos pelo Núcleo Educacional de Informática, da Secretaria de Educação da

10 O projeto EDUCOM foi criado pelo MEC em 1983 para usar o computador no Ensino Médio. Visava o uso da

linguagem logo. “O projeto Logo na UNICAMP iniciou-se a partir de um estágio da Professora Afira Vianna Ripper no laboratório Logo do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), onde conheceu o trabalho dos professores Seymour Papert e Marvin Minsky, criadores da filosofia Logo” (http://www.nied.unicamp.br/ojs/index.php/memos/article/view/57/56).

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Prefeitura Municipal de Campinas, onde as contribuições sugeridas pelos professores possam ser acolhidas e que vá além, de apenas ensinar técnicas no uso de tecnologias.

Observamos que desde seu início o uso do computador na escola era pensado junto com as questões pedagógicas, educacionais e não apenas técnicas para o seu uso, onde as contribuições dos professores da escola básica e os da universidade se complementavam.

O Projeto “Ciência na Escola” continuou com os mesmos princípios do Eureka em relação à dinâmica de trabalho com os grupos na escola e na Unicamp. Oferecia aos professores da rede pública de Campinas subsídios tecnológicos, financeiros, materiais e espaços para interação entre Escola e Universidade, havia trocas de saberes sobre a prática pedagógica, o processo educativo e estudo de teorias educacionais. Movimento contrário à corrente vigente, em que o saber do professor até hoje nas Faculdades de Educação têm muito pouco valor, salvo raras exceções, em detrimento de grandes produções teóricas, que pouco ou nada contribuem para a educação básica no país. Isso também acontece em outros países, como observa Zeichner12, nos Estados Unidos.

Apesar de a academia não reconhecer a importância de deliberar juntamente com os professores sobre o significado do seu trabalho, alguns pesquisadores universitários estão tentando fazer isso, colocando em risco, inclusive suas reputações (2001, p. 212).

Durante a maior parte de minha carreira como professor universitário, formador de professores, fui responsável pela organização e acompanhamento das experiências de campo em escolas e comunidades de professores em formação, assim como pela pesquisa sobre os processos de aprendizagem docente nos programas de formação inicial de professores. Um dos desafios mais difíceis, para mim, durante esses anos, tem sido o de mobilizar energia intelectual em meu departamento para reforçar as conexões entre o que os nossos estudantes-professores fazem nos seus estágios em escolas e comunidades e o restante da sua formação docente (ZEICHNER, 2010, p. 481).

Esse autor observa ainda, que apesar de seus colegas serem “reconhecidos internacionalmente pelos seus trabalhos sobre igualdade, justiça social e permanência na escola” (ibidem, 2001, p. 215, 216), os professores da escola, que fica a um quarteirão da universidade não recebem “qualquer orientação para trabalhar com estes problemas e para ensinar estes alunos a alcançar melhores resultados nos testes escolares” (ibidem).

12 Kenneth Zeichner é professor titular do Departamento de Currículo e Ensino da Universidade do Estado de

Wisconsin, Madison, E.U.A., onde desenvolve trabalhos de pesquisa e ensino na área de formação docente, desenvolvimento profissional de professores e pesquisa-ação.

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O Projeto Ciência na Escola ao criar condições para o retorno de professores e gestores de escolas públicas à universidade transpõe essa distância entre a universidade e a escola básica, estreita seus laços, possibilita a produção de conhecimento em parceria ao criar alianças na “rotina de estudo que pode levá-los até o Doutorado” (RIPPER, 2010, p. 1), o que realmente aconteceu. Diversos professores participantes desse projeto cursaram o mestrado e doutorado, além de muitos outros que no encontro com autores da educação, professores da escola básica e os da universidade se envolveram na problematização e tomada de decisões sobre questões educacionais no espaço microssocial, buscando “projetos pedagógicos que representem os reais desejos das pessoas envolvidas” (DAMIN, 2004, p. 19). São ações que contribuem para a criação de “vetores de forças na direção do desenvolvimento da criatividade, o exercício da liberdade com responsabilidade, da ética e da produção de saberes com relevância para a comunidade” (ibidem). As relações de poder são diluídas entre todos, alunos e professores envolvidos exercem seus poderes em relações de força a envolver os demais alunos e professores da escola, o que possibilita a invenção de outros modos de educação, vida.

Uma prática incomum, tanto na escola como na universidade, que observei em meu longo exercício no magistério como professora de Matemática, durante vinte e cinco anos, em escolas da rede Estadual de Educação para alunos do Ensino Fundamental e Médio.

Participei do Projeto “Ciência na Escola” durante oito anos desenvolvendo pesquisas junto com alunos em sala de aula, de 1998 a 2003 e, como coordenadora de professores, na EE Professor Aníbal de Freitas e ETE Bento Quirino, de 2001 a 2005, orientando atividades de pesquisa desenvolvidas nesse projeto. Minhas inquietações com o processo educativo me levaram a cursar o Mestrado, nesta Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas analisando um processo educativo via Metodologia da Modelagem Matemática no cotidiano escolar, junto com professores de diversas áreas do conhecimento com uma:

[...] turma de alunos do ensino fundamental, partindo do princípio de que, professores e alunos ensinam e aprendem. Na elaboração dos modelos matemáticos apropria-se de saberes acumulados universalmente, que estão contidos em situações do cotidiano sobre as mais diversas áreas do saber (DAMIN, 2004, p. 7).

[...] trata de educação, ensino e pesquisa atrelados, enfocando um processo pedagógico por meio de pesquisa, tendo como eixo norteador a filosofia do Projeto

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“Ciência na Escola”, que visa despertar vocações para as ciências em alunos do ensino fundamental e médio em escolas públicas de Campinas (ibidem).

Ministrei diversas oficinas e cursos sobre o ensino da matemática para professores das Prefeituras de Campinas e Paulínia. Na Secretaria Municipal de Paulínia para o Ensino Básico (1ª a 4ª séries) em julho de 2007, intitulada “A transversalidade dos saberes a partir de modelos matemáticos”. Utilizei elementos simples do cotidiano como uma fatura mensal de água e de energia elétrica para exercitar possibilidades do aprendizado do currículo escolar de forma transversal a partir desses elementos e, que infinitas conexões se apresentam naturalmente à medida que tomo contato com o material e me deixo levar pelas indagações que surgem. Quaisquer elementos, uma imagem, um gráfico ou situação.

Observei que professores do Ensino Básico quase não se arriscam a se inscrever em cursos de matemática, pois segundo disseram a maioria não gosta de matemática, mas o aprendizado contextualizado se torna mais atraente como escrevem as professoras Ângela e Rosemari em suas avaliações:

Ângela: Foi muito interessante a maneira que ela usou para conversar, instruir e fazer descobrir o que ela desejava foi excelente.

Quando começou a falar da história da Matemática, eu já me preocupei (achei que fosse ser chato), mas depois pedindo que fizéssemos uma atividade com contas de água e luz, foi maravilhoso. Eu não gosto de matemática, até me despertou o interesse para aspectos que não tinha nem imaginado.

Rosimari: O interessante foi perceber, constatar que nossas aulas de matemática podem ser empolgantes, um momento de construção do saber (aquisição de conhecimento).

É preciso ouvir os alunos, deixá-los manipular, refletir sobre o objeto de estudo. Desta forma contribuiremos para o desenvolvimento de habilidades.

Podemos observar que na apresentação de possibilidades de apreender o conhecimento formal, a partir de elementos simples do cotidiano como o número de alunos matriculados numa escola, de alguma forma contribui para o retorno do olhar para o fazer cotidiano e a pensar em outras formas de experimentar algo diferente na sala de aula.

Outro minicurso ministrado em julho 2006, também na Secretaria Municipal de Paulínia para o Ensino Fundamental e Médio “Aulas de Matemática: O que pretendo? Como posso trabalhar a matemática aplicada ao contexto? E a avaliação da aprendizagem?” Um dos objetivos era o de criar um ambiente propício, onde exista experimentação, que se coloque em

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prática algo, que sinta vontade, ou que surja no dia a dia de sua sala de aula e que não apenas reproduza as coisas. Pedi a cada participante que se apresentasse e falasse algo sobre si, ficaram tão espantados que eu quisesse ouvi-los. Disseram que isso nunca havia acontecido antes, apesar de terem participado de tantas oficinas, ninguém quis saber o que elas pensam. Vejamos o que escrevem essas professoras em suas avaliações:

Eu gostei muito deste minicurso, no início a apresentação de cada colega criou um ambiente “agradável”. A professora demonstrou muita humildade e clareza em sua fala, apresentando sua vivência na sala de aula (ANDRÉIA, julho de 2006).

Gostei, nos foi possibilitados momentos de desabafos, de trocas de experiências/angústias o que não ocorreu em outras ocasiões (DANIELA, julho de 2006).

As falas dessas professoras me chocaram! Eu tive o privilégio de vivenciar algumas experiências muito diferentes, como no Projeto “Ciência na Escola” e nas aulas de Filosofia do professor Silvio Gallo. Atualmente, ministro cursos de Etnomatemática para professores do Município de Campinas e isso se repete, sempre se assustam, como alguém pode querer saber o que eles pensam sobre as coisas.

No Projeto “Ciência na Escola” desde seu início quem decidia os rumos das atividades eram os professores participantes, as duas coordenadoras Afira Vianna Ripper e Maria de Fátima Garcia não mediam esforços, buscando condições para que realizássemos nossos desejos. Uma vez a professora de Ciências, Hermelinda de Macedo, com quem trabalhei na EEPG Professor Aníbal de Freitas, disse que tinha um sonho, o de construir um rio para apresentar na Feira do Projeto “Ciência na Escola”. Esse rio foi uma instalação denominada “Rio Serafim”13 apresentada na Unicamp “CIENTEC 2001”, maior evento de Ciência e Tecnologia da América Latina, que abrigou os resultados das pesquisas de alunos do Ensino Fundamental e Médio. A professora Afira se desdobrou e nos deu condições para a sua construção, que, aliás, foi um sucesso e provocou a afirmação de uma aluna do Instituto de Artes da Unicamp: “Isto é uma verdadeira obra de arte, deveria estar na BIENAl”, uma obra de arte realizada por alunos de um 6º ano, de Escola Pública Estadual de Campinas.

Nas aulas de filosofia do professor Silvio Gallo, a dinâmica das aulas era maravilhosa com conversas entre todos os participantes. Os estudantes em sua maioria eram filósofos, que

13 Os alunos durante suas pesquisas descobriram que esse é o nome do riacho que corre no meio da Avenida

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cursavam mestrado ou doutorado, aprendi tanto nessas aulas, saia de lá em ebulição, querendo saber mais sobre determinados pensadores e assuntos. Geralmente no final da aula ele fazia uma explanação geral do assunto estudado, fazendo conexões com algumas das contribuições trazidas pelos estudantes.

A professora Afira Vianna Ripper e o professor Silvio Gallo em pleno século XXI constituem uma pequena parcela de professores universitários que apostam nessa visão compartilhada no apreender e me reporta as observações de Nietzsche sobre as universidades alemãs do século XIX. Ironicamente diz ele sobre a autonomia dos estudantes nas universidades alemãs: “Uma só boca que fala para muitos ouvidos e metade de mãos que escrevem – eis o aparelho acadêmico externo, eis a máquina cultural universitária posta em funcionamento” (NIETZSCHE, 2003, p.126).

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Problematização

A problematização a ser investigada se refere à potência de um processo pedagógico norteado por estudos de situações, assuntos de escolha de alunos e professores e o problematizar de práticas pedagógicas por professores e gestores. Processo educativo que se mostra caótico por envolver uma diversidade de ações de professores, gestores, alunos, funcionários, onde ao seguir fluxos de desejo como nos “sistemas caóticos” se torna impossível prever o comportamento do sistema complexo com a multiplicidade de variáveis na constante interação entre os espaços liso e estriado. O espaço estriado, do aparelho de Estado opera com as iterações axiomáticas e o espaço nômade com a mobilidade flutuante do inusitado, por tangenciamentos e dribles aos mecanismos de controle. A escola opera entre esses dois grandes agenciamentos, o aparelho de controle institucional e o espaço nômade.

Nessa complexa teia de problematizações, acrescentamos mais algumas, interrogando se existem pistas de uma educação como devir. Se sim, que traçados, enunciados, campos intensivos a apontam? Que formas de saberes se produzem?

O apreender via problematizações do cotidiano favorece o deslizar por esses espaços e possibilita um processo pedagógico criativo e caótico que impulsiona a experimentação de outras maneiras de agir na escola. No problematizar e teorizar de práticas o que está naturalizado como certo fascismo que existe na escola, em nós, podem ser postos a nu e possibilita o pensar de outras formas. Operar nessas conexões e tensões dos mecanismos de controle instituídos exige o desenvolvimento de nossa força pessoal na busca de produção de saberes com relevância para a comunidade.

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Rastros do percurso

Na tentativa de encontrar rastros de possíveis campos intensivos, nessa teia de indagações, deslizo na produção dos dezoito professores e três gestores14, tanto na escrita como em nossos encontros / aulas, buscando enunciados e suas ressonâncias nas aulas desses professores com seus alunos e dos gestores com os demais membros da escola.

Um percurso um tanto nômade, teorizando aspectos que se apresentam como, os “encontros”, os saberes produzidos e o exercício da escrita. Escrita que foi exercitada cotidianamente, durante dois anos, no dia a dia da disciplina “A Pesquisa Científica como Instrumento Pedagógico, módulos I, II e III” (2008 e 2009) e mais dois anos (2010 e 2011), na elaboração de um livro com algumas das teorizações dos professores e gestores, que compõem com os demais autores, os campos intensivos que se apresentam ao longo desta tese.

Processo semelhante à cartografia como uma paisagem na areia, em que desenhos se mostram e se dissipam num fazer e refazer a acompanhar “o desmanchamento de certos mundos – sua perda de sentido” (ROLNIK, 2006, p. 23) e a formação de outros a mostrar “afetos contemporâneos...” (ibidem). Processo a desenhar rastros de campos intensivos, de fluxos de desejo como forças ativas ao se deixar fecundar pela lembrança do processo vivido, em que intensos fluxos saltam perspectivamente e vão compondo a caótica paisagem textual a convidar os autores professores, gestores e os demais, em uma composição sempre aberta a acolher incertos fluxos...

Estudo que se aproxima de uma cartografia como uma “micropolítica da percepção, da afecção, da conversa, etc” (DELEUZE & GUATTARI, 1996, p. 90) a apontar pistas. Rastros de situações que de alguma forma impulsionaram o processo educativo, em textos, falas, gestos e tento compor possibilidades de educação, vida, não sobre, mas com os professores, gestores, filósofos e de outros autores que vão sendo chamados pelo próprio texto.

14 Principalmente as monografias apresentadas em 2009 como conclusão do curso e o livro com o mesmo nome

do curso “A Pesquisa e a Tecnologia na Formação Docente”, organizado pela professora Afira Vianna Ripper e Maria Aparecida da S. Damin, que contém 21 textos de professores e gestores, lançado pela Secretaria de Educação do Município de Campinas, em agosto de 2014.

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Organização dos campos intensivos

Esta tese está organizada em quatro partes que denominei campos intensivos:

No Campo Intensivo I “A potência do ‘desejo’” trago o referencial teórico para pensar um processo educativo caótico e a constituição dos “campos intensivos”, tendo como referencia Spinoza, Deleuze & Guattari, Teoria do Caos, teorias de campos na física e biologia.

No Campo Intensivo II “Prática Educativa e Teorizações do Cotidiano” mapeio as problematizações, teorizações dos professores e gestores, buscando elementos geradores de campos intensivos em nossos encontros e no cotidiano da escola. Os autores que se apresentam são: Kenneth Zeichner, Michel de Certeau, Silvio Gallo, Deleuze & Guattari, Foucault e Nietzsche, dentre outros.

No Campo Intensivo III “A escrita e o corpo sem órgãos de Artaud” mapeio a produção escrita de professores e gestores, na tentativa de encontrar em que medida o processo de escrita pode ser libertador de nossas amarras e detonador de outras maneiras de experimentar a educação, vida com Antonin Artaud, Deleuze & Guattari, Derrida, Blanchot, dentre outros.

No Campo Intensivo IV “Problematizar, compor afetos, e devir...” Articulo os campos intensivos anteriores e aponto possíveis composições de forças em um processo educativo caótico...

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Campo intensivo 1

A POTÊNCIA DO DESEJO NO PROCESSO

EDUCATIVO

Ao deslizar nos fluxos Realidade imanente Caminho próprio Imanência inapreensível Evidente, mas escapa... ... A estética, a poesia Roçam a imanência dos fluxos Expõem, não explicam ... Maria A. S. Damin

O desejo no processo educativo pode impulsionar o que denominei de processo “Educação Caos” constituído por campos intensivos, que são gerados em “encontros”, misturas de corpos, em afecções, como propõe Spinoza. Para caracterizar a ideia de campos intensivos recorro à ideia de campos na física, biologia e plano de imanência em Deleuze & Guattari.

Desejo, entendido como construtivismo na direção de Deleuze & Guattari (1997) em que desejar é construir um agenciamento, construir um conjunto, campos intensivos, somos

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máquinas desejantes, impulsionados à potência de criação. “Os agenciamentos são passionais, são composições de desejo, que nada tem a ver com uma determinação natural ou espontanea, só há desejo agenciando, agenciado, maquinado” (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p. 78).

O desejo opera em fluxos que se conjugam e está em toda parte, não é interior a um sujeito, mas imanente a um plano, que é preciso construir. Só existe desejo quando se cria um campo de propagação desses fluxos, emissão de partículas. “Longe de supor um sujeito, o desejo só pode ser atingido no ponto onde alguém é despojado do poder de dizer Eu” (DELEUZE e PARNET, 2004, p. 112).

O campo intensivo do desejo emerge na composição de forças como a alegria, a tristeza, a violência, em que seu efeito na mistura e mobilização é produtor, produz o real à semelhança do agir sem agir dos chineses, como propõe Jullien (1998), não forço as coisas, mas acompanho o fluxo do real, não permaneço inativo, sou parceiro do real em seu desenrolar.

O mundo não é apenas um objeto para a ação, mas sou parte integrante de seu devir. Sua eficácia advém do potencial da situação e da maneira como se apropria do acontecimento, em que a potência da situação está no processo e na incerteza e seu efeito se dissipa na composição de forças e não na ação espetacular nomeada por um eu. Composição de forças geradas no encontro com pessoas, metodologias, livros, processo de escritura, ideias, em que no pensar com, emergem forças a impulsionar a ação no processo de experimentação no cotidiano da escola, vida. “Organizar bons encontros, compor os relacionamentos vivenciados, formar as potências, experimentar” (DELEUZE, 2002, p.124), encontros que aumentem a nossa potência de ação e não a tristeza que nos faz perder o gosto pelas coisas, à maneira de Spinoza.

Spinoza quer dizer algo muito simples, que a tristeza não nos torna inteligentes. Na tristeza estamos arruinados. É por isso que os poderes têm a necessidade de que os sujeitos sejam tristes. A angústia jamais foi um jogo de cultivo da inteligência ou da vivacidade. Quando vocês têm um afeto triste, é que um corpo atua sobre o seu, uma alma atua sobre a sua em condições tais e sob uma relação que não convêm a de vocês(DELEUZE, 2009, p. 53).

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Para pensarmos a potência da ação, tomemos as aulas de Deleuze15 sobre Spinoza no Cours Vincennes em 1978 ao explicar a seus alunos o cuidado que se deve ter no emprego das palavras affectio e affectus, respectivamente afecção e afeto, que são traduzidas do latim para o francês por alguns tradutores, ambas por afecção.

Eu começo pelas advertências terminológicas. No livro principal de Spinoza, que se chama ‘Ética’ e está escrito em latim, encontram-se duas palavras: affectio e affectus. Alguns tradutores, muito estranhamente, traduzem-nas da mesma maneira. O que é uma catástrofe. Traduzem os dois termos, affectio e affectus, por afecção. Eu digo que é uma catástrofe, porque, quando um filósofo emprega duas palavras é que, por princípio, ele tem uma razão; ainda mais quando o francês nos dá facilmente as duas palavras que correspondem rigorosamente a affectio e affectus, que são: afecção para

affectio e afeto para affectus. Alguns tradutores traduzem affectio por afecção e affectus por sentimento; é melhor do que traduzi-las com a mesma palavra, mas eu

não vejo necessidade de recorrer à palavra sentimento quando o francês dispõe da palavra afeto.

Então, quando emprego a palavra afeto isso remete ao affectus de Spinoza; quando digo a palavra "afecção", ela remete a affectio (DELEUZE, 2009, p. 25, 26).

Para compreender Spinoza é necessário distinguir ideia de afeto e Deleuze começa interrogando o que é uma ideia para que possamos compreender suas mais simples proposições. A ideia se caracteriza por um modo de pensamento representativo e afeto (affectus) por sua intensidade e não representa nada. A ideia como pensamento representativo pressupõe uma realidade objetiva.

Sobre esse ponto Spinoza não é original; ele toma a palavra ideia no sentido em que todo o mundo sempre a tomou. O que chamamos ideia, no sentido em que todo o mundo sempre a tomou na História da Filosofia, é um modo de pensamento que representa alguma coisa. Um modo de pensamento representativo.

[...] do ponto de vista da terminologia, é muito útil saber que desde a Idade Média este aspecto da ideia é denominado “realidade objetiva”. Em um texto do século XVII ou anterior, quando vocês encontram a realidade objetiva da ideia, quer dizer sempre a ideia considerada como representação de alguma coisa (ibidem, p. 26, 27).

A ideia que representa alguma coisa tem uma realidade objetiva, que é a relação da ideia com o objeto que ela representa. A ideia possui também uma realidade formal, que Spinoza diz ter certo grau de realidade ou de perfeição, “que está ligado ao objeto que ela representa, mas não se confunde com ele” (ibidem, p. 29). Esse grau de realidade ou de perfeição da ideia é seu caráter intrínseco e, a sua relação com o objeto que ela representa é seu caráter extrínseco, “pode ser que o caráter extrínseco e caráter intrínseco estejam

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fundamentalmente ligados, mas não são a mesma coisa” (ibidem). Existe uma realidade formal da ideia, seu caráter intrínseco, que é alguma coisa em si mesma com seu grau de realidade ou de perfeição, que ela envolve em si mesma. “Toda ideia é alguma coisa, não somente ideia de alguma coisa; isto é, tem um certo grau de realidade ou de perfeição que lhe é próprio” (ibidem, p. 30).

Deleuze nos diz que é necessário descobrir a “diferença fundamental entre ideia e afeto” (ibidem). A ideia de afeto é a que indica ou exprime o estado de um corpo ou de alguma de suas partes. Estado do próprio corpo ou alguma de suas partes em relação a sua potência de agir ou sua força de existir, se ela é diminuída ou aumentada, estimulada ou refreada e ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções. “Quando podemos ser a causa adequada de algumas dessas afecções, por afeto compreendo, então, uma ação; em caso contrário uma paixão” (SPINOZA, 2010, p. 163).

O afeto, que diz pathema [paixão] do ânimo, é uma ideia confusa, pela qual a mente afirma a força de existir, maior ou menor do que antes, de seu corpo ou de uma parte dele, ideia pela qual, se presente, a própria mente é determinada a pensar uma coisa em vez de outra (SPINOZA, 2010, p. 257).

Com Deleuze (2009) podemos afirmar que há uma variação continua a aumentar e diminuir a nossa potencia de agir ou força de existir, dependendo das ideias que se sucedem em nós, cada uma variando o seu grau de perfeição ou de realidade, essa variação se dá em nós, como autômatos espirituais. Há o tempo todo ideias que se sucedem em nós, aumentando ou diminuindo nossa potência de agir ou força de existir, de maneira contínua, sobre uma linha contínua. A isso chamamos afeto affectus, chamamos existir.

Através deste exercício penoso, sintam como aflora a beleza. Já não é mal esta representação da existência, realmente é a existência na rua – é necessário imaginar Spinoza passeando -, e ele vive a existência realmente como esta variação contínua: a medida que uma ideia substitui a outra, eu não cesso de passar de um grau de perfeição a outro, mesmo minúsculo; e é esta espécie de linha melódica da variação contínua que vai definir o afeto (affectus), ao mesmo tempo, em sua correlação com as ideias e sua diferença de natureza com as ideias (DELEUZE, 2009, p. 32). O affectus é então a variação contínua da força de existir de alguém, enquanto esta variação é determinada pelas ideias que ele tem (ibidem, p.34).

A variação é “determinada” pelas ideias que se tem do afeto, affectus, mas não se reduz às ideias que se tem dele, “só dá conta de sua consequência; a saber, que ela aumenta minha potência de agir ou ao contrário, a diminui em relação à ideia que tinha até o instante”

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(ibidem, p. 35). Trata-se da variação contínua na força de agir ou existir e Spinoza nos alerta de que não diz respeito a uma comparação entre o estado anterior e o atual, mas de variação na potência de agir, de existir.

Agora vejamos a ideia de affectio, afecção. A afecção seria o efeito ou ação que um corpo produz sobre o outro, uma mistura de corpos, em que um vai agir sobre o outro, “e o outro que vai acolher a marca do primeiro. Toda mistura de corpos será chamada afecção” (DELEUZE, 2009, p. 36). Uma mistura de corpos indica a natureza do corpo modificado, a natureza do corpo afetado; a afecção indica a natureza do corpo modificado muito mais do que a natureza do corpo modificante e envolve a natureza do corpo modificante. A ideia de afecção será a marca de um corpo sobre o outro.

A afecção de um corpo por outro exterior é percebida pela ideia que se faz dela, à medida que um corpo é afetado por outro, a mente o percebe, a mente será capaz de perceber mais coisas dos outros corpos, quanto mais propriedade em comum tiver com os seus próprios corpos. Corpos de grandezas iguais ou diferentes, quando estão justapostos, eles se movem com graus iguais ou diferentes de velocidade, transmitindo o seu “movimento uns aos outros segundo uma proporção definida, diremos que esses corpos estão unidos entre si, e que, juntos, compõem um só corpo ou indivíduo, que se distingue dos outros por essa união de corpos” (SPINOZA, 2010, p.101).

A ideia de afecção se constitui na mistura de um corpo com outro, a marca de um corpo sobre o meu e remete ao encontro, a minha percepção dessa marca, que segundo Deleuze (2009), Spinoza a utiliza uma única vez, em latim occursus, que é literalmente o “encontro” e que vivemos ao acaso dos encontros à medida que tenho ideias-afecções. “Eu diria que a primeira espécie de ideias para Spinoza é todo modo de pensamento que represente uma afecção do corpo...” (DELEUZE, 2009, p. 37), a marca de um corpo sobre outro, este é o primeiro tipo de ideias, que “corresponde ao que Spinoza chama primeiro gênero de conhecimento. É o mais baixo, porque as ideias de afecção conhecem as coisas por seus efeitos” (ibidem). Um conhecimento dos efeitos sem considerar as causas; o completo desconhecimento dos corpos que afetam e que são afetados e, aí se encontra a indagação central da filosofia de Spinoza, segundo Deleuze (2009): O que é um corpo?

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Para Spinoza, a individualidade de um corpo define-se assim: é quando uma certa relação composta (eu insisto nisso, muito composta, muito complexa) ou complexa de movimento e de repouso se mantém através de todas as mudanças que afetam as partes desse corpo. É a permanência de uma relação de movimento e repouso através de todas as mudanças que afetam ao infinito todas as partes do corpo considerado (ibidem, p.39).

O que poderá se dar em um encontro de corpos atravessados por essa teia extremamente complexa de relações de movimento e repouso a afetar ao infinito suas partes? Seria possível escapar das ideias-afecção: “Como poderíamos nos elevar ao conhecimento das causas?” (ibidem, p. 41), ou seja, um saber sobre os corpos afetados, não apenas o saber das ideias-afecções, ideias de misturas de corpos. Para isso, Deleuze diz que seria necessário um curso inteiro para pensar a potência de um corpo.

Em relação às ideias-afecções existem dois tipos, a do efeito que “concilia ou que favorece minha própria relação característica” (ibidem, p. 43) e a do “efeito que compromete ou destrói minha própria relação característica” (ibidem), que correspondem aos movimentos de variação; um que aumenta a potência de agir e se experimenta um affectus de alegria e o outro em que a potência de agir é diminuída e se experimenta um affectus de tristeza.

Como nós poderíamos sair das ideias afecções, como nós poderíamos sair dos afetos passivos que consistem no aumento ou diminuição de nossa potência de agir, como poderíamos sair do mundo das ideias inadequadas, uma vez dito que nossa condição parece condenar-nos estritamente a esse mundo (DELEUZE, 2009, p. 48).

Por isto é que é preciso ler a Ética como preparando uma espécie de cena inesperada. Ela vai nos falar de afetos ativos nos quais já não há paixões, nos quais a potência de agir é conquistada em vez de passar por todas as variações contínuas.

Este é um ponto muito estrito. Há uma diferença fundamental entre ética e moral. Spinoza não faz moral, por uma razão muito simples: ele nunca se pergunta o que nós devemos, ele se pergunta todo o tempo, do que nós somos capazes, o que está em nossa potência; a ética é um problema de potência, e jamais um problema de dever. Nesse sentido, Spinoza é profundamente imoral (ibidem, p. 48, 49).

Spinoza não se importa com o que deve ser feito, mas com o que pode ser feito. Ele pensa em termos de bons encontros e maus encontros, nos aumentos e diminuições de potência. Ele produz uma ética e não uma moral. O poder de ser afetado se realiza continuamente, variando a potência de agir, dependendo da ideia-afecção que se tenha nos possíveis encontros. “[...] eu não sou a causa de meus próprios afetos, eles são produzidos em mim por outra coisa: eu sou, portanto passivo, eu estou no mundo da paixão” (ibidem, p. 49).

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Para sair desse estado passivo Spinoza, segundo Deleuze (2009), propõe as ideias-noções e as ideias-essências como modos de pensar adequado, pois compreende a causa. A ideia-noção não diz respeito ao efeito de um corpo sobre outro, “é uma ideia que concerne e que tem por objeto a conveniência e a desconveniência das relações características entre dois corpos” (ibidem, p. 50). Essa ideia não representa o efeito da mistura de dois corpos, mas a conveniência ou a desconvenência interna das relações características desses dois corpos, a ideia-noção é adequada, porque compreende a causa. Existem “noções comuns que designam alguma coisa de comum a todos os corpos” (ibidem, p. 52) e noções que caracterizam alguma coisa comum a dois corpos. “O movimento e o repouso são objetos de noções ditas comuns a todos os corpos” (ibidem).

É necessário criar encontros que nos convenham, compondo suas relações e escapar do viver ao acaso dos encontros, ou seja, deixar os encontros tristes, que diminuem nossa potencia de agir, de existir. “O mais belo é viver sobre as bordas, no limite do seu próprio poder de ser afetado com a condição de que esse seja o limite alegre” (ibidem, p. 55). Formar a noção comum das coisas que nos alegram é um exercício de uma vida inteira, em que quando estamos seguros das noções comuns que remetem as relações de conveniência, podemos “diminuir a porção respectiva das tristezas em relação à porção respectiva da alegria” (DELEUZE, 2009, p. 57). “As noções comuns são o segundo gênero do conhecimento” (ibidem, p. 59).

As noções comuns são coletivas, não abstratas e remetem sempre à multiplicidade, embora sejam também individuais.

Em que tal e tal outro corpo convém, em que limite todos os corpos convêm; mas nesse momento o mundo inteiro é uma individualidade. Então as noções comuns são sempre individuais.

Além ainda das composições de relações, das conveniências anteriores que definem noções comuns, estão as essências singulares.

As noções comuns ou as relações que me caracterizam concernem as partes extensivas de meu corpo. Meu corpo é composto de uma infinidade de partes extensas ao infinito, e essas partes entram sob tais e tais relações que correspondem a minha essência (ibidem, p.60).

A essência singular é um grau de potência, que são meus limites de intensidade como a diferença entre nascimento e morte, uma quantidade intensiva; como uma forma de

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intensidade. Quando formamos as ideias como pura intensidade, em que a minha “intensidade vai convir com a intensidade das coisas exteriores” (ibidem, p. 62), chega-se ao terceiro gênero de conhecimento, no momento em que todos os corpos convêm uns aos outros, que “é um mundo de intensidades puras” (ibidem).

Os corpos se encontram em constante relação uns com os outros, compondo-se e criando agenciamentos possíveis, que marcam o existir, onde a potência e ação podem ser aumentadas por uma vontade, a partir da escolha de encontros que nos componham e nos alegrem e, não dos que diminuam a nossa força de existir.

Um mundo de intensidades puras em que corpos possam convir uns aos outros e que aumentem a nossa potência de agir ou força de existir como efeito das afecções nos encontros de corpos. Os encontros quanto mais alegres forem, mais acionam a nossa “força de existir” nas atividades cotidianas, que se espalham como potência de pensar, de sentir e de se lançar em virtualizações, compondo nos encontros campos intensivos, um processo de experimentação em constante devir. Devir como elemento próprio do desejo, em que:

[...] desejar é passar por devires. Convém, para compreendê-lo bem, considerar sua lógica: todo devir forma um ‘bloco’, em outras palavras, o encontro ou a relação de dois termos heterogêneos que se ‘desterritorializam’ mutuamente. Não se abandona o que se é para devir outra coisa (imitação, identificação), mas uma outra forma de viver e de sentir assombra ou se envolve na nossa e a ‘faz fugir’ (ZOURABICHVILI, 2004, p. 48, 49).

“Desejar é passar por devires” em blocos disparados por afecções em encontros, experimentações a mobilizar tudo e todos, em processos de produções caóticas imanentes a seus domínios, formando agenciamentos na potência afirmativa da própria vida. Desejo, multiplicidade, campos intensivos a mobilizar fluxos que se agenciam na incerta contingência cotidiana a refazer-se indefinidamente. Intensidades a habitar o virtual, o caos como potência sempre em curso de atualização em acontecimentos.

Deleuze & Guattari modificam a concepção vigente de desejo para a psicanálise a de um negócio secreto ou vergonhoso como a psicologia e moral dominantes pretendem por uma que se refere a “todas as formas de vontade de viver, de vontade de criar, de vontade de amar, de vontade de inventar outra sociedade, outra percepção do mundo, outros sistemas de valores” (GUATARI & ROLNIK, 2005, p. 261). Essa concepção de desejo é considerada

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