• Nenhum resultado encontrado

A noção de campos intensivos surge a partir da ideia de campos na ciência, como os eletromagnéticos na física, os mórficos na biologia com o plano de imanência em Deleuze & Guattari e posteriormente percebi que tem a ver também com a ideia de intensivo em Spinoza. Os campos da física e da biologia existem e estão por toda parte, mas se intensificam em torno de acontecimentos de forma inteiramente probabilística. Esses campos e o virtual, caos em Deleuze & Guattari podem ser considerados da mesma forma. Os campos são o próprio caos, o plano de imanência e o campo intensivo são porções do caos que comportam multiplicidades e volumes infinitos a explodir e se refazer continuamente à semelhança de um fractal de Mandelbrot, em que cada zoom em uma imagem gera outras ao infinito. O campo intensivo e o plano de imanência comportam volumes que não permanecem e, é diferente do “conceito” em Deleuze e Guattari, que se atualiza e possui volume absoluto.

Na tentativa de mapear o que seria um campo intensivo farei a seguir uma breve explanação sobre o que entendo por campos na física e na biologia, em seguida tento articular os planos de imanência de Deleuze com o que chamo de campo intensivo.

33

Campos eletromagnéticos e mórficos

Tomemos, por exemplo, o campo de gravitação da Terra em que estamos imersos, embora não nos seja visível, nem por isso é menos real. O campo de gravitação permeia o universo e curva a matéria. Segundo Einstein ele não está no espaço e tempo é o próprio espaço-tempo, que não é pura abstração, “possui uma estrutura e molda tudo aquilo que existe e acontece no universo físico” (SHELDRAKE, 1995, p. 143). Existem os campos gravitacional, eletromagnético e os campos de matéria da física quântica. O campo eletromagnético apresenta muitos aspectos e integram a organização de todos os sistemas materiais, desde os átomos até as galáxias.

Estão subjacentes ao funcionamento do nosso cérebro e do nosso organismo. São essenciais à operação de toda a nossa maquinaria elétrica. Podemos ver os objetos que nos rodeiam, incluindo este livro, porque estamos conectados com eles pelo campo eletromagnético no qual se desloca a energia vibratória da luz. E, à nossa volta, há, no campo, inúmeros padrões de atividade vibratórios que escapam aos nossos sentidos (SHELDRAKE, 1995, p. 143 e 144).

Na Física clássica, entidades que têm a propriedade de se propagar são onda e partícula, campo não é uma coisa nem outra. O conceito de campo revoluciona a maneira de tratar as interações entre os corpos.

Na Física Newtoniana, a luz pareceria algo imóvel e sem alteração. Mas isso é absurdo segundo a teoria de Maxwell, pois o que caracteriza a luz é exatamente a alteração contínua dos campos, um pulso de luz estático não poderia existir, segundo Abdalla (2005).

Na era quântica que se inicia com Max Planck21 no ano de 1900 ele decreta que a luz se propaga em pacotes discretos (quantum de energia). O nome quântico vem do fenômeno físico de quantificação.

21 Max Karl Ernst Ludwig Planck (Kiel, 23 de Abril de 1858 — Göttingen, 4 de Outubro de 1947) foi um físico

alemão, considerado o pai da física quântica e um dos físicos mais importantes do século XX. Planck foi agraciado com o Nobel de Física em 1918 (http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Planck).

34

A teoria quântica parte da ideia de que os átomos absorvem e emitem luz sob a forma de quanta, ou unidades, de energia. As ondas de luz devem ser concebidas em termos de ‘pacotes’ e estes quanta conferem à luz um aspecto particular. As partículas de luz chamam-se fotons (SHELDRAKE, 1995, p. 170).

A possibilidade de quantificação da energia de um elétron, orbitando em torno de um núcleo positivo, por exemplo, é totalmente fora dos parâmetros da física clássica. A mecânica quântica pode ser considerada um método de interpretar os fenômenos físicos que ocorrem em escala atômica e subatômica.

Desde a formulação do princípio de incerteza por Heisenberg em 1927 o mundo nunca mais foi o mesmo. O princípio de incerteza de Heisenberg afirma que as flutuações rápidas de energia e momento permeiam todo o universo em escalas microscópicas do espaço-tempo.

Energia e momento são incertos: flutuam em escalas muito pequenas e isso é válido para todos os fenômenos da natureza: criação e aniquilação de partículas, fortes oscilações de campos eletromagnéticos flutuações de campos das forças (ABDALLA, 2005, p. 39 e 40).

Em escala atômica e subatômica o universo se comporta de forma extremamente frenética e caótica. Para pensar o funcionamento dos campos no terreno da biologia alguns biólogos criaram a ideia de campos mórficos.

Os campos mórficos como os campos gravitacional, eletromagnético e de matéria quântica conhecidos dos físicos, que estão intimamente ligados à matéria e são regiões não materiais de influência. O biólogo Rupert Sheldrake22 na década de 80 generaliza essa ideia elaborando um conceito amplo de campos mórficos que abrange os sistemas naturais e não apenas os entes biológicos. Propôs também a existência do processo de ressonância mórfica, como princípio capaz de explicar o surgimento e a transformação dos campos mórficos.

Existe uma espécie de memória integrada nos campos mórficos de cada coisa que já foi organizada e podem ser consideradas como hábitos, por exemplo, as regularidades da natureza são governadas por hábitos, mais que por coisas governadas por leis matemáticas eternas, que existem de algum modo fora da natureza. A organização das sociedades, ideias, cristais e moléculas dependem do modo como tipos semelhantes se organizaram no passado. “A ressonância mórfica de inúmeros organismos passados dá origem a um campo mórfico que é

22Graduado em Filosofia em Harvard, Doutor em biologia pela tradicional Universidade de Cambridge,

35

composto ou uma média, das formas precedentes: não pode, pois, ser definido claramente, é uma estrutura de probabilidade” (SHELDRAKE, 1995, p. 174).

Essa estrutura de probabilidade não é puramente aleatória existe uma influência de informações contidas no campo mórfico como uma memória cumulativa que modificam a probabilidade de eventos puramente aleatórios em que algumas coisas acontecem em vez de outras.

Os campos mórficos e suas ressonâncias não são algum tipo de energia, mas, se comportam de forma semelhante aos campos energéticos e suas ressonâncias. Esses princípios agem sobre a matéria, mas não fazem parte dela. São fenômenos que escapam às leis que governam a dinâmica das partículas, dos corpos e das ondas.

A principal característica dos campos mórficos e suas ressonâncias é a de que não diminui de intensidade em nenhuma espécie de separação no espaço e no tempo, a ligação existente possibilita o transporte da informação desses campos no espaço e no tempo.

O campo gravitacional, eletromagnético, campos de matéria da física quântica e os mórficos constituem o próprio caos. Os campos intensivos seriam campos perspectivos como o pensamento para Nietzsche, em que alguns se mostram, talvez por intensificações de ressonâncias mórficas, acionadas por afecções provocadas em possíveis encontros, uma vez que vivemos ao acaso dos encontros teremos campos intensivos a surgir e desaparecer continuamente. O acontecimento parece ter a ver com intensificações de ressonância mórfica, portanto campo intensivo e acontecimento em Deleuze & Guattari são da mesma natureza.

Vejamos a seguir o plano de imanência em Deleuze, que segundo Bento Prado júnior, remete a um campo de produção parecido com uma superfície fractal, um sistema dinâmico caótico.

36

Campo intensivo e plano de imanência

Em Deleuze um plano de imanência, segundo Prado Júnior (2000) remete a um campo em que se produzem, racham e vibram conceitos, semelhante à uma superfície fractal “como horizonte e reservatório, como um meio indivisível ou impartilhável. Mas um campo infinito (ou horizonte infinito) e virtual” (ibidem p. 308). Uma superfície fractal pressupõe um plano de referência da ciência, que é diferente do plano de imanência, o plano de referência é limitado por coordenadas que se cruzam e a porção de caos é freada, nos pontos de cruzamento de abscissa e ordenada:

E certamente o plano de referência opera já uma pré-seleção que emparelha as formas aos limites, ou mesmo às regiões de abscissas consideradas. Mas as formas não deixam de construir variáveis independentes daquelas que se deslocam na abscissa (DELEUZE & GUATTARI, 1992, p. 157).

São essas bordas que dão ao plano suas referências; quanto aos sistemas de coordenadas, eles povoam ou mobíliam o próprio plano de referência (ibidem, p. 155).

O plano de imanência pode ser comparado com uma superfície fractal de Mandelbrot, apenas em relação à superfície que se transforma continuamente, porém em espaço aberto multivetorial sem as referências e limites, a que está subordinado um objeto fractal de Mandelbrot. O plano de imanência se aproxima da ideia de campo intensivo, se tomado como porção perspectiva do caos. Perspectiva no sentido do pensamento para Nietzsche, de que não existe simplicidade no pensamento, “cada ato do pensamento já é uma pluralidade de pensamentos, de sentimentos, de inclinações, de aversões, etc., e cada um deles exige o seu próprio ponto de vista” (GIACÓIA JUNIOR apud DAMIN, 2004, p. 31).

O plano de imanência é, entre outras coisas, uma espécie de solo intuitivo, cujos ‘movimentos infinitos’ são fixados pelas ‘coordenadas’ construídas pelo movimento finito do conceito. O plano de imanência, despovoado de conceito, é cego (no limite é o caos); o conceito, extraído de seu “elemento” intuitivo (no sentido de atmosfera), é vazio.

Mas esse campo – que é o lugar onde se constroem e circulam os conceitos – não é pensável por si mesmo. Sua definição e seu mapeamento só são possíveis pela definição correlata dos conceitos que o povoam e nele circulam como as tribos nômades no deserto, ou como as ilhas que fazem arquipélago no oceano.

37

[...] não há conceito sem plano, não há plano sem conceito que inscrevam, nesse elemento fluido e virtual, superfícies e volumes, que o marquem como acontecimentos, que o recubram como ladrilhos inumeráveis e distendam, assim, esse meio impartilhável (PRADO JÚNIOR, 2000, p. 309).

O plano de imanência como solo intuitivo pode ser considerado cego sem os conceitos que o povoam e pressupõe uma finalidade, que em alguma medida é diagramado de antemão. Os campos intensivos seriam mais caóticos ao emergir sempre em encontros, o que pressupõe sempre a multidão sem conter o movimento finito do conceito, seria um território a explodir constantemente, impulsionando “acontecimentos”, criando rizomas com ínfimas probabilidades de sua captura e compreensão, temos a sensação de que algo ocorreu em torno de determinado “acontecimento”, mas esse algo sempre escapa.

Na ação na contingência, no seguir o fluxo das coisas, no fluir com os campos intensivos, somos impulsionados por ressonâncias de tudo a que estamos imersos, detonados por afecções, em imensas relações de forças, que são postas em movimento, onde algumas emergem com suas próprias perspectivas na multiplicidade a provocar “acontecimentos”.

O campo intensivo e o plano de imanência são recortes do caos e podem ser comparados às superfícies fractais no sentido de possibilidades infinitas “o plano é o absoluto ilimitado, informe, nem superfície nem volume, mas sempre fractal” (DELEUZE & GUATTARI, 1992, p. 52). “Nem superfície nem volume, mas sempre fractal” remete à noção de campos na física e biologia, sempre porções do “caos”. O plano de imanência contém multiplicidades e volumes, que se fazem e explodem continuamente, mas não são volumes e nem planos como os campos intensivos. Os planos de imanência são “direções absolutas de natureza fractal, ao passo que os conceitos são dimensões absolutas, superfícies ou volumes sempre fragmentários, definidos intensivamente” (ibidem, p. 56).

Os campos intensivos seriam forças perspectivas, que podem ser de natureza fractal, emergem em afecções, contem volumes e superfícies, mas não produz algo palpável como o conceito. São territórios que lançam seus habitantes a outros territórios infinitamente como a chuva do Deus Shiva dos Indus, ou dança das partículas atômicas, essa dança é a própria vida, a criação e destruição, que são dinâmicas em que tudo se interage e recria. “[...] é ao mesmo tempo o que deve ser pensado, e o que não pode ser pensado. Ele seria o não pensado no

38

pensamento. É a base de todos os planos, imanente a cada plano pensável que não chega a pensá-lo. É o mais intimo do pensamento e, todavia o fora absoluto” (DELEUZE & GUATTARI, 1992, p. 78).

Seguir os fluxos de desejo no contingente cotidiano pode ser uma maneira de se atuar na educação, vida, que certamente estarão impregnados de ressonâncias de tantas coisas a gerar campos intensivos, que se compõem caoticamente e se esvanecem continuamente.

39