• Nenhum resultado encontrado

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

ALERTA! COM ISSO QUEREMOS DIZER QUE É ERRADO CONTINUAR A CULTUAR A IEMANJÁ E A OFERECER-LHE

3 O DANO MORAL DECORRENTE DE OFENSA À LIBERDADE RELIGIOSA

3.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO MARCO REGULADOR DO DANO MORAL A PARTIR DO PRISMA CIVIL-

3.1.3 Aplicação da cláusula geral de tutela da pessoa humana

A proteção da pessoa humana, em substituição à tutela da liberdade individual (rectius, autonomia privada), é o postulado a partir do qual se pode demonstrar toda a gama de transformações ocorridas no interior da ordem civil, na aplicação da lei pelos juízes e, principalmente, na consciência moral da sociedade. 208

Moraes considera necessária a normatização dos direitos das pessoas em prol da concretização do princípio da dignidade humana, do modo de melhor tutelá-la, onde

207 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2006,

p. 103.

quer que se faça presente, não havendo mais que se discutir sobre uma enumeração taxativa ou exemplificativa dos direitos da personalidade, porque se está em presença, a partir do princípio constitucional da dignidade, de uma cláusula geral de tutela da pessoa humana.209

Esta cláusula geral constitui-se modernamente em critério que palmilha a proteção do direito à liberdade religiosa – e de outros direitos – diante de potencial ou concreta violação. E, o direito privado, precisa efetivar esta tutela, atribuindo-lhe a dimensão que comumente se atribui a outras facetas da personalidade, como a imagem, o nome. 210

Portanto, não é suficiente insistir na afirmação da importância dos “interesses da personalidade no direito privado”, sendo preciso predispor-se a reconstruir o Direito Civil não como uma redução ou aumento de tutela das situações patrimoniais, mas com uma tutela qualitativamente diversa 211. Para Perlingieri, a tutela da dignidade da pessoa humana, materializa-se com o advento da cláusula geral de tutela da pessoa humana,

209 idem, p. 117.

210 A título de registro, recentemente uma empresa de confecções, a Comércio de Confecções Pasqualotto

Ltda, da cidade de Xanxerê (SC), foi condenada a pagar R$ 5 mil de indenização a uma funcionária demitida por se recusar a rezar junto com os demais funcionários e com a empregadora. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina. A beneficiada é Armeli Cardoso Sprícigo. O pedido de indenização, que havia sido inicialmente indeferido pela sentença de primeiro grau, foi feito baseado na violação à liberdade de crença religiosa e agressão física promovidas pela sócia da empregadora, que é evangélica. A funcionária, que é católica, alegou que as empregadas do estabelecimento comercial eram obrigadas a participar de orações das 8h às 8h30, todos os dias, sob ameaça de demissão em caso de não-comparecimento no horário determinado. A juíza relatora do processo, Gisele Pereira Alexandrino, decidiu pela reforma da decisão de primeira instância, registrando que a obrigatoriedade de participar de cultos, ainda que apenas de orações, de religião diversa da praticada pela autora, constitui uma violação de um direito constitucionalmente garantido. Apesar de a agressão não ter sido comprovada, por ausência de lesão corporal, a relatora foi convencida de que houve briga pelo depoimento da testemunha, que presenciou o desentendimento entre a autora e a proprietária da loja. Segundo o relato, a sócia teria dado um tapa na boca da empregada. O valor da indenização pelo dano moral e pela violação à liberdade de crença somou R$ 5 mil. A empresa ainda pode recorrer da

decisão ao Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: <http: //

www.cut.org.br/site/start.php?infoid=10877&sid=22>. Acesso em 13 de janeiro de 2008.

que tem “um conteúdo que não se limita a resumir os direitos tipicamente previstos por outros artigos da Constituição, mas permite estender a tutela a situações atípicas”. 212

O empenho hermenêutico do jurista volta-se para a aplicação direta e efetiva dos valores e princípios da Constituição, não somente na relação Estado-indivíduo, mas também, e com bastante vigor, nas relações interindividuais, situadas no âmbito do direito privado. 213

A partir desta ótica, as normas de direito civil devem ser interpretadas como reflexo das normas constitucionais, ou melhor, precisam ser (re)lidas sob o enfoque constitucional. Por conseguinte, o direito civil deixou de regulamentar atividade econômica individual, entre homens livres e iguais, para regulamentar aspectos da vida social: na família, nas associações, nos grupos comunitários, onde quer que a personalidade humana melhor se desenvolva e sua dignidade seja mais amplamente tutelada. 214

A posição e a defesa dos indivíduos e dos grupos no seio da sociedade estatal são agora confiadas a instrumentos que escapam do campo do Direito Privado, pertencendo decididamente ao Direito Público, o que confere unidade ao ordenamento jurídico. 215

Aceitar a construção desta unidade hierarquicamente estruturada significou sustentar que seus princípios superiores, quer dizer, os valores propugnados pela Constituição, estão presentes em todos os espaços da textura normativa, daí ser inaceitável a rígida contraposição entre direito público e direito privado. Os princípios e valores constitucionais devem se estender a todas as normas do ordenamento, sob pena

212 PERLINGIERI, Op. cit.,p. 154; No mesmo sentido: TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito civil. Rio

de janeiro: Renovar, 1999, p. 48.

213 MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional, p. 26-28. 214 MORAES, Op.cit., p. 26-28.

de se admitir uma concepção logicamente incompatível com a idéia de sistema unitário216.

Deve-se salientar que a Constituição Federal ao estabelecer como princípio fundamental, ao lado da soberania e da cidadania, a dignidade humana, acarretou a garantia de tutela especial e privilegiada a toda e qualquer pessoa humana, em suas relações extrapatrimoniais 217 . Moraes assevera que:

A cláusula geral visa proteger a pessoa em suas múltiplas características, naquilo “que lhe é próprio”, aspectos que se recompõem na consubstanciação de sua dignidade, valor reunificador da personalidade a ser tutelada. (...) O que tem relevância é a circunstância de haver um princípio geral estabelecendo a reparabilidade do dano moral, independentemente do prejuízo material. Incidência desse princípio abrange todas as possibilidades de lesão ao livre desenvolvimento da pessoa em suas relações sociais, incluindo aquelas de cunho mais marcadamente patrimonial.218

Esta cláusula deve ser concebida como ponto de referência para todas as situações nas quais algum aspecto ou desdobramento da personalidade esteja em jogo, estabelecendo com decisão a prioridade a ser dada a pessoa humana219.

Neste patamar que se insere a problematização do dano moral por violação da liberdade religiosa. A cláusula geral de tutela da pessoa humana como mecanismo inibidor de práticas lesivas ao direito de personalidade visará a atender ao chamado do primado da dignidade da pessoa humana em detrimento de quaisquer outros princípios.

216 MORAES, Op.cit., p.23. 217 MORAES, Op. cit.,p. 119-120. 218 Idem, p. 128.

219 DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no novo Código Civil. In: Tepedino, Gustavo. A

parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de janeiro: Renovar,

3.2

DANO

MORAL

E

VIOLAÇÃO

DO

DIREITO

DE