• Nenhum resultado encontrado

3.6 Os momentos pedagógicos na construção do currículo no Projeto Inter: o

3.6.3 Aplicação do Conhecimento (AC): a terceira etapa do desenvolvimento

Programa

A terceira e última etapa, a Aplicação do Conhecimento, representava a implementação e avaliação do programa e o planejamento de atividades que demonstrassem as construções do conhecimento. De acordo com Torres, O’Cadiz e Wong, como primeiro passo dessa etapa, os professores decidiam “a forma de avaliar a aquisição por parte dos alunos dos conceitos ensinados” (2002: 148).

Entende-se que a avaliação na perspectiva dialógica e problemati- zadora vai muito além de avaliar a aquisição dos conceitos ensinados. Na perspectiva dos autores dos três momentos pedagógicos, ou seja, de uma abordagem temática38, os conceitos deixam de ter um fim em si, passando a constituírem-se em meios, ferramentas para compreensão de algo mais amplo, isto é, dos temas socialmente relevantes.

Cachapuz (1999) argumenta, de modo semelhante a outros educadores, que numa educação para a cidadania deve-se ir além dos objetivos centrados nos conteúdos. Portanto, a aplicação do conhecimento científico deve ser usada na interpretação de fenômenos naturais, de fatos da vida cotidiana e na capacidade de reflexão crítica frente à realidade contemporânea.

A aplicação do conhecimento, ou seja, o terceiro momento pedagógico, não deve ser confundido com a avaliação. Quando se pensa a avaliação como processo, esta não deve se restringir ao terceiro momento pedagógico e vice-versa. A avaliação processual, não classificatória, deve ser pensada e abordada em todos os momentos.

Segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), a avaliação de acordo com essa abordagem por temas deve estar baseada na capacidade do aluno usar o conceito para compreender tanto as situações iniciais que determinaram seu estudo quanto as situações novas que possam ser compreendidas pelo mesmo conhecimento.

Convém destacar que se torna imprescindível, em uma perspectiva permeada pelo diálogo, analisar se o aluno adquiriu a

38

“Perspectiva curricular cuja lógica de organização é estruturada com base em temas com os quais são selecionados os conteúdos de ensino das disciplinas. Nessa abordagem, a conceituação científica da programação é subordinada ao tema.” (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2002: 189).

capacidade de argumentar e de participar de forma crítica das decisões que envolvem os temas/problemas contemporâneos.

Torres, O’Cadiz e Wong admitem que a Secretaria da Educação de São Paulo pretendia uma “estratégia de avaliação muito mais autêntica e virada para ação do que aquela que em geral se utiliza no sistema escolar” (2002: 148). E ainda enfatizam que as observações nas escolas do Projeto Inter revelavam interessantes atividades de AC, como: a produção de cartazes e murais sobre acontecimentos políticos específicos, a criação de um programa de reciclagem, o envio de cartas para donos de fábricas, entre outros39.

Conforme abordado anteriormente, a construção geral do programa envolve, portanto, um processo contínuo de ação e reflexão, baseado nos três momentos pedagógicos (ER – OC – AC). O Projeto Inter começava com a fase inicial de problematização da realidade, seguia com a organização da informação registrada na fase inicial e finalmente esta era sintetizada na fase de aplicação do conhecimento, com a realização de atividades concretas que visassem demonstrar a aquisição de conhecimentos por parte dos educandos. Enfim, pode-se afirmar que os momentos pedagógicos constituíram a base pedagógica do Projeto Inter na transformação do currículo.

É importante salientar que a organização curricular e a prática de sala de aula têm uma relação dinâmica. Além da utilização para guiar a estruturação do currículo, os três momentos pedagógicos representam também um ponto de referência metodológico para os educadores na implementação do currículo interdisciplinar, ou seja, no trabalho de sala de aula.

Destaca-se, portanto, que a disseminação do uso dos 3MP, ocorrida com a implantação do Projeto “Interdisciplinaridade via Tema Gerador” por educadores da rede municipal de educação de São Paulo, através da circulação intercoletiva originada de processos formativos planejados, possibilitou uma extrapolação diferenciada do seu uso inicial, proposto e usado nos dois projetos anteriores. Durante o projeto desenvolvido em São Paulo, os 3MP estruturaram tanto o processo de investigação temática e redução temática (FREIRE, 1987) quanto passaram a ser usados na dinâmica didático-pedagógica das aulas de

39

Talvez a utilização da palavra conceitos na frase destacada “como primeiro passo dessa etapa os professores decidiam a forma de avaliar a aquisição por parte dos alunos dos conceitos ensinados” pudesse ser substituída por conhecimentos. Assim, se evitariam confusões e não se deixaria margem para críticas ao processo de construção curricular do município de São Paulo, que tão exemplarmente foi planejado e implementado de forma reflexiva e dialógica.

outras disciplinas escolares, além da de Ciências, como originalmente ocorreu.

A circulação intercoletiva de ideias, conhecimentos e práticas propiciada pelas ações da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo contribuiu, assim como o projeto do Rio Grande do Norte, para uma ampliação das ideias do grupo, em um movimento articulado de teoria e prática, no qual também a construção geral do programa envolveu um processo contínuo de ação e reflexão, baseado nos três momentos pedagógicos (ER – OC – AC).

Podemos, portanto, considerar que as discussões do grupo, ainda no IFUSP, sobre a transposição da concepção freiriana para a educação escolar, estavam se constituindo num círculo esotérico (FLECK, 1986) através de circulação intracoletiva de ideias, mediada pelo estudo e interpretação de obras de Paulo Freire. Sua concepção de educação e de conhecimento, associada à formulação de problemas de pesquisa (DELIZOICOV, 2008) relacionados às principais categorias que o educador emprega, propiciou a mediação das interlocuções no interior do grupo e a busca de estratégias para o enfrentamento dos desafios.

A transposição da proposta freiriana como alicerce para o ensino de Física/Ciências constituía uma concepção e prática educacional que rompia com as práticas tradicionais de ensino. Assim, tornou-se imperativa a construção e implementação de um programa de pesquisa cuja trajetória está se procurando caracterizar em suas principais dimensões. Aspectos envolvidos numa determinada produção coletiva de conhecimento, na estruturação do grupo de especialistas que a realiza em torno de pressupostos, procedimentos e de uma linguagem específica, caracterizam o “primeiro núcleo de identidade do coletivo de pensamento”, segundo argumentam Schäfer e Schnelle (1986: 32). Ou seja, um círculo esotérico, como é o caso do grupo de pesquisadores em Ensino de Ciências, conforme assumido nas considerações realizadas.

Por outro lado, a participação de dois dos componentes desse círculo esotérico, Angotti e Delizoicov, em outro projeto educativo relacionado à produção dos livros Metodologia do Ensino de Ciências (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994) e Física (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992), permitiu a proposição do emprego dos 3MP em contexto bastante diferente daqueles em que foram construídos e fundamentados durante os três projetos objetos de análise neste capítulo. Os próximos itens destinam-se a caracterizar como ocorreu essa proposição para um âmbito distinto daquele no qual os 3MP inicialmente se destinaram.

3.7 Circulação intercoletiva e transformações na edição de livros