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Aplicação do direito autoral à obra psicografada

4 O JUDICIÁRIO E A PSICOGRAFIA

4.1 AUTOR E AUTORIA DE OBRA PSICOGRAFADA

4.1.4 Aplicação do direito autoral à obra psicografada

Como já exposto, o direito autoral é destinado à pessoa física, sendo o médium, então, a pessoa física responsável pela criação da obra; não se entrando no âmbito doutrinado acerca da discussão sobre a quem pertence de fato a criação intelectualé certo que o médium é a única pessoa física envolvida no cenário da criação da obra.

Dessa forma, mesmo sendo considerado o instrumento que materializa a criação de um ser metafísico, pela teoria espírita, o médium é o responsável pela

sua elaboração, edição, publicação e divulgação da obra, pelas regras do Direito autoral. E o ser metafísico, aquele que não possui corpo físico, não pode ser considerado o criador da obra intelectual e de seus ensinamentos, pois não é dotado de racionalidade e sentimentos, pois não existe fisicamente, para satisfazer os requisitos previstos no artigo 11, da Lei nº 9.610/1998, quer seja: “Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.”

4.1.5 Posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre autoria de obra psicografada

Antes de se expor o posicionamento jurisprudencial acerca da autoria de obra psicografada, nesse tópico, contextualiza-se a situação que pode se apresentar no judiciário, da seguinte forma: Herdeiros ingressando com uma ação contra um médium, pedindo que se destine direito a uma pessoa que já faleceu, e que o dinheiro arrecadado com a venda seja destinado a eles. Da mesma forma, pode ocorrer que o médium, na contestação, afirme que os herdeiros estão corretos ao entender que o espírito é o criador da obra, ou, diversamente, o medium negue a autoria do espírito e defenda a sua, contrariando, a doutrina espírita. E por fim, tem- se a situação do juiz a julgar as situações desse cenário, que, mesmo parecendo confusas, já há julgados nesse sentido.

Nesses casos, o poder judiciário tem julgado os pedidos, comumente, através da utilização das cartas psicografadas, como prova judicial; tendo sido o caso de Humberto campos, o mais famoso no Brasil, em que a família moveu o Estado para buscar os direitos autorais da obra; essa situação será discutida com mais profundidade, no tópico seguinte (4.1.6). Além desse, outro caso, conhecido como Cummins V. Bond, famoso em âmbito mundial, ocorreu na Inglaterra, em que a decisão proferidareconheceu que a autoria da obra pertencia à medium, detentora de dom da escrita extremamente veloz combinado com a peculiar habilidade de reproduzir em inglês arcaico, capaz de transmitir algo que lhe foi comunicado em alguma língua desconhecida, sob o argumento de que, apesar de entender que o indivíduo que morreu e que foi enterrado há mais de 1.900 anos e a médium deviam ser consideradosos coautores e cotitulares dos direitos autorais, o julgador admitia não ser competente para fazer qualquer declaração a favor do espírito e reconhecê-

lo, assim como, por não possuir jurisdição sobre a esfera na qual ele se move, limitando-se, assim, à previsão de que somente o indivíduo vivo pode ser autor, como expõe Leite (2011, p. 427 - 430), como segue:

A autora e sua testemunha, assim como o Réu, são todos da opinião – e eu não duvido de que seja uma opinião honesta – que o verdadeiro criador de tudo o que pode ser encontrado nesses documentos é um ser que não mais habita esse mundo e que teria o deixado há tanto tempo que podemos justificar a esperança e presumir que não possui qualquer vontade de retornar. De acordo com o caso que me é colocado por aqueles cuja opinião tenho referido, o indivíduo em questão demonstra interesse em ajudar em descobertas adicionais referentes à antiga Abadia de Glastonbury e escolheu a Estrada de Brompton como sendo a localidade na qual transmitiria seus textos e a Autora como sendo a médium através de quem seriam comunicadas às pessoas encarregadas dos trabalhos de escavação, as suas visões sobre trabalhos adicionais a serem empreendidos no local da Abadia. Ele considera pertinente não fazer a transmissão de suas mensagens em um idioma muito antigo que não possa ser entendido pelos escavadores e outras pessoas que venham a se ocupar das operações, mas sim, opta por selecionar um médium que seja capaz de traduzir as suas mensagens para um idioma que considera apropriado e que era utilizado em um período dezesseis ou dezessete séculos depois de sua morte, de modo a não parecer muito moderno. (...) Eu não questiono a honestidade das pessoas que acreditam e das partes nessa ação ao dizerem que acreditam que esse ser que há muito daqui partiu é a verdadeira fonte de onde o conteúdo dos textos emanou; porém... os escritos não teriam nos alcançado na forma escrita sem a cooperação ativa de um agente competente para traduzi-los da língua na qual foram comunicadas à agente para algo mais inteligível para as pessoas de nossos dias... A partir disso, pode parecer que o indivíduo que morreu e foi enterrado há mais de 1.900 anos e a Autora deveriam ser considerados como co-autores e cotitulares dos direitos autorais, mas como eu não me sinto competente para fazer qualquer declaração a favor do Espírito e reconhecê-lo, assim como, por não possuir jurisdição sobre a esfera na qual ele se move, devo limitar o questionamento de quem é o autor aos indivíduos que estavam vivos quando a obra passou a existir como tal e às condições que a legislação de 1911 razoavelmente desejou contemplar. Então, resta claro que a autoria pertence à Autora, a quem o dom da escrita extremamente veloz combinado com a peculiar habilidade de reproduzir em inglês arcaico algo que lhe foi comunicado em alguma língua desconhecida... ... A conclusão que o Réu deseja me levar envolve um ponto que não estou preparado para seguir; que a autoria e titularidade dos direitos autorais competem a alguém que é domiciliado do outro lado do rio inevitável. Essa é uma questão que eu devo deixar para os outros que sejam mais competentes do que eu para decidir. Eu somente posso analisar a questão sob a ótica terrestre, da terra terráquea, e minha proposta é nesse sentido. Na minha opinião, a Autora comprovou as suas alegações e a autoria da obra e titularidade dos direitos autorais sobre a mesma com ela repousam.

A presente ação teve origem, quando o Sr. Frederick Blinght Bond assistia as seções mediúnicas feitas pela médium e ficava com as matérias por ela psicografadas; referida pessoa entendia que a autoria daquele material não pertencia à médium, visto que tinha sido escrito por um espírito. Dessa forma, viu-se no direito de pegar o material para si, organizar e publicá-lo, destinando a criação da obra ao espírito; a coautoria a ele mesmo, como, responsável pela organização e

publicação do material; e à médium, nenhuma espécie de direito, pois para ele, a médium é meramente um instrumento.Discordando da situação, a médium acionou o judiciário para pedir que a autoria do material publicado fosse destinada a ela, uma vez que, ditado por um espírito que faleceu há 1.900 anos, foi responsável pela tradução e a conversão do material para o linguajar mais apropriado para a atualidade.

O juiz em sua decisão deixou claro que não cabe ao judiciário julgar a existência ou não de um espírito, que ao espírito não pode ser destinada a autoria ou titularidade por não ser um sujeito de direito ou pessoa física. Logo era certo que a pessoa que escreveu o material foi a médium, independente da existência do espírito, o material foi escrito pelas mãos dela, a quem deveria ser destinado os direitos acerca do material publicado.

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