• Nenhum resultado encontrado

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.3 ECOCARDIOGRAFIA DOPPLER TECIDUAL

2.3.5 Aplicações do Doppler Tecidual

As aplicações clínicas do Doppler tecidual na medicina humana estão bem estabelecidas (YAMATO, 2008) e incluem: avaliação das funções sistólica e diastólica; diferenciação do padrão normal do pseudonormal de preenchimento de ventrículo esquerdo; diagnóstico diferencial de cardiopatias de caráter restritivo e constritivo; estimativa de pressões de enchimento ventricular esquerdo (OMMEN et al., 2000; EFTHIMIADIS et al., 2007); diagnóstico de isquemia miocárdica; e valor prognóstico na insuficiência cardíaca congestiva (ACIL et al., 2005).

Os índices Doppler que investigam a diástole incluem as medidas do fluxo mitral e do fluxo venoso pulmonar. Porém, as velocidades espectrais do Doppler são determinadas não apenas pelas propriedades diastólicas intrínsecas do miocárdio, mas também por condições de carga, frequência cardíaca, função ventricular sistólica, intervalo de condução atrioventricular, restrição pericárdica, e outras variáveis hemodinâmicas (SCHÖBER, 2003). Em contraste, a avaliação da velocidade miocárdica na fase de enchimento ventricular rápido (onda Em), por meio de Doppler tecidual pulsado, sofre mínima influência da pré-carga, em condições de relaxamento miocárdico anormal (FIRSTENBERG et al., 2001; SCHÖBER et al., 2003). Além disso, a relação entre a velocidade do fluxo de enchimento ventricular rápido (onda E) e Em (E/Em) pode ser utilizada como estimativa da pressão capilar pulmonar e da pressão de enchimento de ventrículo esquerdo (OMMEN et al., 2000).

O Doppler tecidual, além de auxiliar na detecção de alteração no relaxamento e na distensibilidade ventricular complementado a análise do Doppler convencional, também é útil na diferenciação do padrão normal de padrão pseudonormal que ocorre na disfunção diastólica. Nas situações de pseudonormalização do fluxo transmitral, com onda E>A e tempo de desaceleração normal, verifica-se uma redução na movimentação do anel mitral, traduzindo-se numa diminuição da Em, com inversão de ondas Em e Am do Doppler tecidual (PINTO, 2007).

Estudos clínicos sugerem que a Em é menos dependente da pré-carga que os parâmetros do fluxo transmitral (NAGUEH et al., 2001b). Porém, há necessidade de avaliações mais rigorosas, principalmente em pacientes com função sistólica normal e sobrecarga de volume causada por regurgitação mitral ou aórtica.

A identificação de afecções em fase assintomática, possibilitando a intervenção precoce, representa um dos principais objetivos de qualquer método diagnóstico; e o Doppler tecidual tem sido utilizado com esta finalidade em diferentes situações (NAGUEH et al., 2003; GHIO et al., 2009; GANDJBAKHCH et al., 2010).

A identificação de hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo por meio de ecocardiografia tradicional é a principal base para o diagnóstico de CMH (GHIO et al., 2009). Porém, a ecocardiografia Doppler tecidual pode ser útil na identificação de anormalidades sistólicas ou diastólicas precocemente, antes do desenvolvimento de hipertrofia, em humanos, gatos e outros modelos experimentais (KOFFAS et al., 2006; PARASKEVAIDIS et al., 2008). É uma ferramenta promissora que pode auxiliar na detecção de anormalidades em indivíduos geneticamente afetados para a cardiomiopatia, antes do aparecimento de manifestações clínicas (CARDIM et al., 2003; NUNEZ et al., 2004; ABECASIS et al., 2008).

A função diastólica é principalmente avaliada na mensuração da velocidade de enchimento ventricular rápido na região do anel mitral (Em). Gatos com CMH apresentam menores valores de Em quando comparados com gatos normais (MCDONALD et al., 2006b; MCDONALD et al., 2007).

De acordo com Sousa (2007), o Doppler tecidual pode ser utilizado para diferenciar indivíduos normais de pacientes com disfunção diastólica do VE. Em seu estudo, verificou-se que as velocidades miocárdicas da onda Em foi significativamente maior nos normais em comparação aos pacientes com alteração no relaxamento, com enchimento pseudonormal e com padrão restritivo. A velocidade da onda Em foi o melhor discriminador entre indivíduos normais e

pacientes com disfunção diastólica; e permanece reduzida mesmo nos estágios de disfunção lusitrópica, caracterizados por aumento compensatório da pré-carga.

Recentemente, um estudo mostrou que velocidades miocárdicas sistólicas e diastólicas, medidas por Doppler tecidual, encontram-se reduzidas em pessoas que têm mutação causadora de cardiomiopatia hipertrófica, mas que não têm hipertrofia ventricular, quando comparado a pacientes sadios (NAGUEH et al., 2001a; GANDJBAKHCH et al., 2010). Estas mesmas pessoas, avaliadas cerca de dois anos depois, já apresentavam hipertrofia ventricular esquerda (NAGUEH et al., 2003). Estes achados mostram a utilidade clínica do Doppler tecidual na detecção precoce da CMH (NAGUEH et al., 2001b). Evidencia-se, portanto, ser o Doppler tecidual uma ferramenta importante em futuros estudos envolvendo prevenção e terapia das cardiomiopatias, inclusive em seus estágios precoces (GHIO et al., 2009).

Apesar da grande expectativa em relação ao uso do Doppler tecidual para a identificação precoce de indivíduos portadores da CMH, ainda há necessidade de estudos mais extensos e com maior número de indivíduos (PINTO, 2007). Em outro estudo de Bayrak et al. (2008), pacientes com CMH que apresentaram velocidades miocárdicas sistólicas em anel mitral da parede livre de ventrículo esquerdo inferiores a 4 cm/s (mensuração por meio do Doppler tecidual colorido) apresentaram pior prognóstico e maior risco de deterioração ou morte súbita.

Cardim et al. (2003) demonstraram, por meio de Doppler tecidual pulsado, haver uma heterogeneidade fisiológica nas velocidades de deslocamento miocárdico em diversos pontos do coração, assim como uma assincronia em diferentes segmentos, a qual tende a modificar-se com a idade.

Procura-se utilizar o Doppler tecidual para a identificação precoce de alterações da função ventricular, ou com o objetivo de fazer o diagnóstico diferencial entre a variação normal e a alteração patológica, como efeito do envelhecimento na função cardíaca (coração do idoso), coração de atleta, efeito de fármacos na função ventricular, entre outras aplicações (CHEJTMAN et al., 2010; TESKE et al., 2010).

A análise do movimento da parede ventricular esquerda, por meio de Doppler tecidual, permite diferenciar indivíduos com função ventricular esquerda normal daqueles com pericardite constritiva ou cardiomiopatia restritiva, o que frequentemente é difícil de realizar na clínica cotidiana (SOUSA, 2007). Humanos com cardiomiopatia restritiva apresentam picos de velocidades da onda Em do anel

mitral menores que pacientes com pericardite constritiva (e relaxamento ventricular normal).

Segundo McMahon et al. (2004), humanos com CMH apresentam correlação entre valores de onda Em e da relação E/Em e o perigo de morte súbita. No grupo doente com pior prognóstico, a onda Em era menor e a relação E/Em maior que nos grupos normais ou nos pacientes com melhor prognóstico. De acordo Pinto (2007), em pacientes humanos com insuficiência cardíaca diastólica a relação E/Em> 11 identifica aqueles com pressão capilar pulmonar > 15 mmHg (sensibilidade de 94% e especificidade de 90%). Já nos indivíduos com insuficiência cardíaca sistólica, a relação E/Em> 14 também discrimina indivíduos com pressão capilar pulmonar > 15 mmHg (sensibilidade de 71% e especificidade de 100%). Desta forma, a relação E/Em≥ 15 é altamente específica para pressão de enchimento de ventrículo esquerdo (PEVE) elevada; enquanto que quando for ≤ 8, é muito específica para PEVE normal ou baixa. Portanto, a relação E/Em é um índice confiável e de grande utilidade clínica para descartar outras causas de dispnéia (doença pulmonar, obesidade, etc.) em pacientes com função sistólica preservada e E/Em normal.

De acordo com Efthimiadis et al. (2007), além de informações a respeito de pressões de enchimento ventricular, a relação E/Em apresenta valor prognóstico em diferentes situações clínicas, como infarto agudo do miocárdio; e também funciona como preditor de eventos futuros em pacientes com insuficiência cardíaca.

Porém, apesar das vantagens descritas, segundo Pinto (2007), em estudo com voluntários humanos normais jovens, observou-se dependência da pré-carga quando se analisaram as ondas diastólicas Em e Am separadamente. Além disso, os autores constataram que a relação Em/Am sofre menos influência de pressões de enchimento ventricular pois a redução no retorno venoso promove diminuição balanceada em ambas as ondas de velocidade diastólica.

Segundo Sampedrano et al. (2006), a disfunção diastólica observada em gatos com CMH e em gatos com hipertensão arterial não pôde ser diferenciada por meio do Doppler tecidual. Porém, o Doppler tecidual foi capaz de detectar anormalidades sistólicas e diastólicas nos segmentos de parede ventricular esquerda antes mesmo do desenvolvimento de hipertrofia, em ambos os grupos. Já no estudo de Kato et al. (2004), a diferenciação entre CMH humana de hipertrofia ventricular secundária à hipertensão arterial foi possível por meio do SR, que reflete alterações na contratilidade miocárdica e na propriedade lusitrópica.

Segundo Wess et al. (2010a), a modalidade strain pode ser empregada para quantificar precocemente o grau de disfunção sistólica em determinadas fases da CMH felina. Em estudo realizado com gatos normais e gatos em diferentes estágios da CMH, apesar da ecocardiografia convencional demonstrar estado normal ou aumentado de contratilidade (com base na fração de ejeção e fração de encurtamento), o strain foi significativamente menor em todos os animais com hipertrofia, quando comparados com os gatos normais.

De acordo com o estudo de Simpson et al. (2008), gatos com CMH apresentaram menores velocidades de Em em diversas regiões do miocárdio. Por outro lado, gatos com hipertireoidismo apresentaram aumento nas velocidades de Sm. Também se pôde observar correlação positiva entre a frequência cardíaca e a magnitude das velocidades de Em, Am e Sm no movimento radial e das velocidades de Am e Sm no movimento longitudinal. A idade não apresentou relação com as alterações miocárdicas observadas.

O Doppler tecidual também tem sido utilizado na identificação, monitorização e acompanhamento de doentes humanos com potencial indicação de ressincronização ventricular (PINTO, 2007).