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RECURSOS DA DENÚNCIA DE PLÁGIO NA UFMG

1.4. Apontamentos Finais

Em uma aula da disciplina “Ciência e Sociedade”44, ministrada pelo sociólogo

Yurij Castelfranchi, ele afirmou, com convicção: “a produção da ciência é proprietária”. Sem querer [de imediato] problematizar a historiografia da ciência ocidental, a minha inquietação vinha de um muro que eu, ingenuamente, construí no passado – e que estava, subitamente, sendo derrubado ali. Se, para o sociólogo Robert K. Merton (1974), uma “boa ciência” deveria, dentre alguns critérios, ser pública, além de ter suas produções divulgadas e compartilhadas, como compreender uma Ciência onde direitos de propriedade eram seus pilares estruturais?

Para Merton, a produção científica é parte do domínio público:

“O comunismo do "ethos" científico é incompatível com a definição da tecnologia como "propriedade privada" numa economia capitalista. Obras recentes sobre a "frustração da ciência" refletem este conflito. As patentes registram direitos exclusivos de uso e, muitas vezes, de não uso. A supressão da invenção nega a explicação racional da produção e da difusão científicas, como se deduz da sentença de um tribunal no caso do Estados Unidos contra a American Bell Telephone Co. "O inventor é um indivíduo que descobriu algo de valor. É sua propriedade absoluta. Pode subtrair do público seu conhecimento... " As reações a essa situação conflitante tem sido diversas. Como medida defensiva, alguns cientistas chegaram a patentear sua obra para garantir que seria posta à disposição do uso público. (1974:659)”

44 A disciplina “Ciência e Sociedade” foi ministrada no segundo semestre de 2017 e faz parte da

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Se relembro essa aula, é como um exercício etnográfico. Os artefatos, os códigos técnicos e os algoritmos, assim como a própria ciência pronta: todos incorporam formas muito específicas de propriedade, de política e de autoridade. A posição mertoniana sobre a produção de ciência não deixa de ser interessante, afinal, é sempre “agradável” pensar em uma pesquisa científica onde a propriedade intelectual pode ser coletivizada, ou ao menos, minimizada – e a ciência, enfim, “democrática”.

Ao mesmo tempo, se os tijolos de uma ciência pública, almejada por tantos “nós” era parte de uma produção proprietária, pensar a autoria não parte de um pressuposto muito diferente. Nesse sentido, a exclusividade, assim como a originalidade de um texto científico, obedece a uma prática que, como vimos, vem sendo fabricada ao longo do tempo. Compreender o plágio, em um sentido mais amplo, é compreender a própria construção do conhecimento – e suas potencialidades em subverter suas diversas autorias.

Ao invés de estudar a Ciência pronta, Bruno Latour (2000) propõe que devemos estudar a ciência em construção, como as duas faces do deus romano Jano45: uma

face representada pela tez severa, onde a Ciência é uma caixa preta inquestionável, enquanto a outra face, vivaz, é a ciência inacabada, repleta de incertezas. O que muitas vezes esquecemos de considerar é que a própria Ciência pronta foi, um dia, uma ciência em construção. É a partir da prática científica, ou seja, da ciência em ação, que podemos ver como incertezas, decisões e controvérsias são encerradas e fechadas em caixas-pretas.

A autoria, encerrada em caixas-pretas ora jurídicas, ora morais, também deve ser aberta. Abrir a caixa de Pandora é, certamente, um risco que assumimos. Mas, tal como a ciência, a autoria – e sua autoridade, no sentido mais amplo do termo – funciona como as duas faces de Jano, duas vozes contraditórias que falam ao mesmo tempo sobre uma autoria padronizada, onde a autora é o sujeito de direito e de deveres, e outra voz que diz, ao fundo, sobre uma autoria que ainda não foi encerrada, que não foi unificada, e que se questiona enquanto plágio, enquanto contexto, enquanto subversão.

45 “A figura de Jano é associada a portas (entrada e saída), bem como a transições. A sua face dupla

também simboliza o passado e o futuro. Jano é o deus dos inícios, das decisões e escolhas”. Wikipédia, verbete Jano. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jano

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Figura 7 - Busto de Jano no Museu Vaticano. Foto: Fubar Obfusco. Domínio público.

Isso significa dizer que o plágio também assume duas faces. Na primeira face, ele ocupa o lugar exato, o lugar onde tecnicamente as linhas do texto foram analisadas e julgadas enquanto plágio. Nessa face, o plágio é acabado: está encerrado pelas sindicâncias, pelos tribunais e pela voz dos vencedores. Na segunda face, o plágio está em construção. Ainda não foi compreendido, mas, assim como a segunda face de Jano, a cada nova análise técnica fica mais convencido de que talvez o plágio seja uma grande fraude. Nessa face, por sua vez, as “desrazões” do plagiário são ouvidas, para que não se encerre a controvérsia sem que sua voz seja escutada, mesmo que – tanto para o plagiário, tanto para o acusador – relações de força também impulsionem seu fechamento nas caixas-pretas: má-fé, produtivismo científico, falta de compreensão da norma técnica, perdão e órgãos de pesquisa, por exemplo. Todos arregimentam elementos suficientes para fechar (ou não) a caixa-preta do plágio.

Quando pensamos nos casos de plágio aqui mapeados, não esqueçamos de levar em consideração não apenas a autoria enquanto algo acabado, mas também a agência do leitor e do próprio texto. Como já disse Humberto Eco (2012), toda obra é uma obra aberta, em algum sentido. Além disso, é o autor que nos chama atenção para a intenção que surge do texto:

“Poder-se-ia dizer que um texto, depois de separado de seu autor (assim como da intenção do autor) e das circunstâncias concretas de sua criação (e,

90 consequentemente, de seu referente intencionado), flutua (por assim dizer) no vácuo de um leque potencialmente infinito de interpretações possíveis” (2012:48)

O papel ativo do intérprete é bastante diferente da intencionalidade da(o) autora ao escrever aquela obra. Considerar a agência do próprio texto é fazer uma análise simétrica, afinal, depois de escrito e fixado, o texto diz por si próprio. E, nessa intenção do texto, onde o tempo é irreversível – Eco diz que o que foi escrito, em certa medida, jamais poderá ser apagado – o plágio funciona como um instrumento de subversão das palavras fixadas. A própria agência da palavra, depois de escrita pela(o) autora original, é dotada de outro sentido, ao ser copiada e recontextualizada no texto do plagiário.

Eduardo Viveiros de Castro (2008), por sua vez, acredita que devemos repensar o próprio conceito de criação. Chegou a hora, segundo ele, de inventar outras maneiras de discurso que não partam da criação como algo autoral, mas como algo que precisa da cópia. O modelo romântico do criador, assim como aquele de gênio, não coloca em questão que todas as criações fazem parte de um dispositivo que só funciona se a cópia for acionada. Segundo ele:

“ Não há criação absoluta, a criação não é teológica, ex nihilo, você sempre cria a partir de algo que já existe. Como a famosa frase do Chacrinha: “nada se cria, tudo se copia”. E como se sabe, nada se copia igualzinho, ao se copiar sempre se cria (...)” (2008: 183)

“O criar e o copiar são dois extremos de um processo, quer dizer, o criador é aquele que precisamente tira de si tudo o que precisa, e o plagiário é aquele que tira dos outros.” (2008:183)

O plágio enquanto subtração, o plagiário enquanto diluidor. Vemos que o plágio funciona como uma categoria de acusação. Se a criação precisa mesmo da cópia, provavelmente nossos regimes de propriedade intelectual não conseguiram perceber que nem toda a cópia é plágio. E nem todo plágio é, afinal, cópia.

Se o plágio é amplamente recriminado, a autoria múltipla, enquanto escolha no combate às fraudes científicas, também apresenta seus problemas. Como responsabilizar as(os) autoras(es) e suas contribuições? Se todos são igualmente responsáveis pelo texto, porque tantas editoras têm se empenhado em elaborar

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normas que consigam mapear exatamente qual autora é a(o) responsável exata(o) pela contribuição do trabalho? Aceitar a autoria múltipla, nesse sentido, é também assumir que ela pensa a autora tal como a autoria individual: a autora-indivíduo, indivisível?

Quando a autora é desvinculado de posse, o plágio não faz sentido. Se a autora é possuidora de (e por) direito, o plágio é contrafação. Se, no primeiro momento, a autora desaparece para dar vazão a outra coisa, no segundo momento ela se fortalece e denuncia a fraude. Ao mesmo tempo, vemos surgir a autoria múltipla, que questiona o lugar da autora individual sem, contudo, problematizar a noção de propriedade. Pois, se os autores são múltiplos na ciência, todos eles carregam sua assinatura.

O problema aqui se volta para outra esfera, ligado à fraude. Se a autoria múltipla visa o aumento de produção sem a ampla contribuição de todos os seus autores, ela é questionável. Mas se ampliarmos a noção de autoria – já em outros termos – não como uma posse singular, mas como a posse coletiva e desigual, aí a autoria coletiva parece fazer sentido. Se todos escrevem em retalhos maiores ou menores, o que importa é a colcha final e sua funcionalidade: todos escrevem em relação. Pensar o plágio é circunscrever relações: relações de autoria e de propriedade intelectual. Marylin Strathern (2015) diz que:

“Tal mundo é conhecido de acordo com pontos de vista não apenas distintos mas sobretudo divergentes – isto é, relacionados. Quaisquer divergências (e haverá outras) produzem “ a relação”. (2015:22)

Como vimos, a autoria, o plágio, a fraude, a propriedade intelectual: todos estão em relação, e nenhuma das relações é estável. As mudanças são constantes, se a autoria múltipla é aceita embora questionável, pode ser que futuramente ela seja sobretudo consentida. Se o plágio é diferente para o plagiador e o plagiado, as fronteiras ainda incertas sugerem que novas associações surgirão. Devemos pensar no plágio enquanto uma maneira de organizar a experiência da autoria e, consequentemente, problematizar a própria noção de autora.

Ao mesmo tempo, o plágio desconsidera o reconhecimento da criação e da responsabilidade da autora original, e, como vimos, é o cenário onde circulam diversas vozes contraditórias:

92 “Há diferenças nas vozes em circulação. A voz do autor ofendido é ativa e acusatória; a do plagiador, tímida e defensiva.(...) Por que o silêncio sobre o plágio? Uma resposta é a arrogância acadêmica (...) outra resposta para o silêncio é que o plágio envergonha” (Diniz, Munhoz, 2014, pag.130/131)

Os porta-vozes que participam, ora do plágio, ora da autoria múltipla, compõem associações que definem um mundo comum. É nesse mundo comum, onde a autora foi colocado no sistema de propriedade e creditado enquanto uma “instância profunda, um poder criador e um lugar originário na escrita” (Foucault 2009, p.276) que as controvérsias surgem. É preciso alargar o conceito, sem, contudo, abandonar a autoria. Será possível?

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Contar histórias, escrever plágios: abrindo caixas-pretas

Escrever é jogar com o texto. A escrita de artigos, versos e sinfonias contam histórias. Algumas histórias, a partir de diferentes pontos de vista, construíram o que conhecemos hoje como a “história do plágio”. Porém, vimos que o plágio não é uma história única: talvez a história dos vencidos, talvez a história dos vencedores.

Chimamanda Adichie (2009), em palestra46 realizada a partir do ciclo de

conferências do grupo TED (Technology, Entertainment, Design), chamou atenção para como tornamos invisíveis diversos acontecimentos, relatos e contextos quando insistimos na certeza de uma história singular.

Em sua exposição, a autora conta que nasceu em uma família nigeriana de classe média. Aos oito anos, ao entrar em contato com Fide, um menino também criança, sua mãe lhe alertou que ele era bastante pobre. Sua imagem de Fide era sempre permeada de pobreza, e assim foi até que um dia Chimamanda foi visitar a família de Fide e viu, na casa dele, um cesto com um padrão refinado, feito de ráfia seca. Ela diz que:

“Eu fiquei atônita! Nunca havia pensado que alguém em sua família pudesse realmente criar alguma coisa. Tudo que eu tinha ouvido sobre eles era como eram pobres, assim havia se tornado impossível pra mim vê-los como alguma coisa além de pobres. Sua pobreza era minha história única sobre eles”.

Ao final de sua palestra, Chimamanda Adichie diz que as histórias únicas nos dizem sobre poder. “Como são contadas, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende do poder. Poder é a habilidade não só de contar a história de outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa”.

De forma menos poética, Bruno Latour (2000) também aponta o risco de se acreditar em uma única história, que é, geralmente, a história dos vencedores. Ao acionar a importância de se abrir as caixas-pretas, ou seja, investigar aquilo que é tido como as certezas indubitáveis da “História”, Latour nos mostra que aquelas histórias 46 ADICHIE, Chimamanda. “O perigo de uma única história”. TED Global 2009, disponível em:

https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story/details?language=pt- br. Traduzido por Erika Rodrigues. Acesso 03/03/2019.

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encerradas são, de diversas maneiras, incertezas, concorrências e indecisões. Segundo ele, devemos partir nosso estudo sempre pela ciência em construção, e não pela ciência acabada.

A ciência acabada é aquela da história única. A história única não tem sentido quando não é embasada por outras pequenas histórias, teorias, escritas. Quase sempre não nos permitimos retornar ao lugar de partida daquilo que tomamos como caixa-preta, aceitando a “História” que nos é contada como a única forma de fazer história. Latour diz que:

“Por si só, uma sentença não é nem fato nem ficção; torna-se um ou outra mais tarde graças a outras sentenças. Ela será tornada mais fato se for inserida numa premissa fechada, óbvia, consistente e amarrada, que leve a alguma outra consequência menos fechada, menos óbvia, menos consistente e menos unificada” (2000, pag.45).

Interessante é lembrar do artigo47 de Zoe Todd que, em 2015, assinalava sua

decepção ao assistir, em Edimburgo (Escócia) a palestra de Bruno Latour que abordava [parcialmente] o perigo das histórias únicas. Todd diz que, apesar de uma fala bastante sensível de Latour, ela esperou durante a palestra inteira que ele desse os créditos aos pensadores indígenas dos quais tanto apropriava em seus argumentos. Qual não foi seu espanto “e uma sensação de vazio no peito” quando viu que ele não daria créditos a nenhum pensador indígena:

“Ele não mencionou Inuit. Ou Anishinaabe. Ou Nehiyawak. Ou quaisquer pensadores indígenas. Na verdade, ele passou um bom tempo dialogando com um pensador escocês, morto há muito tempo. E com Gaia”. (2015: sem página)

A crítica de Todd parte da mesma crítica de Latour: ao se falar pelos outros, se perde a construção das agências. Na prática, porém, Todd acusa Latour de fazer exatamente o contrário: os discursos inaugurais cosmopolíticos dos pensadores europeus são, há muito tempo, temas comuns nos pensamentos indígenas. Mais uma

47 TODD, Zoe. “Uma interpelação feminista indígena à Virada Ontológica”: “ontologia” é só outro nome

para colonialismo”, 2015. Publicado pelo coletivo independente GEAC e disponível em sua página virtual: https://maquinacrisica.org/2015/12/22/uma-interpelacao-feminista-indigena-a-virada- ontologica-ontologia-e-so-outro-nome-para-colonialismo/. Acesso em 01/05/2019.

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vez, tanto a autoria, quando o conhecimento indígena, é subtraído por pesquisadores, antropólogos, filósofos, etc. que podem, tranquilamente, se ocupar [segundo Todd] da interminável exploração colonial. Todd termina dizendo:

“Então, a cada vez que você quiser citar um Grande Pensador que está em voga nos circuitos públicos de fala atualmente, considere garimpar um pouco em busca de outros autores que estão discutindo os mesmos temas de formas diferentes”. (2015:sem página)

Se existe algo em comum entre esses pensadores, é o alerta cuidadoso para que, ao contar histórias, não silenciemos vozes. É também um alerta para não acreditarmos que a história é apenas diacrônica, amalgamada nos discursos dos vencedores.

Escrever sobre o plágio é um resgate de histórias perdidas, algumas que se intitulam histórias únicas. Se hoje o plágio se encerra em caixas pretas que dizem sobre cópias ilegais, piratarias e contrafação, sabemos que não muito distante o plágio não era nem recriminado, nem moralmente censurado. O plágio, nesse sentido, era até preferido, homenageado.

Basta lembrar das palavras de Michel Schneider, ao dizer que o plágio tem uma história complexa e contraditória, onde a representação moral do plágio é socialmente condicionada (Schneider, 1990). Se no Renascimento a construção de algo original era feita ao se aprofundar numa tradição, ou melhor, uma construção a partir do plágio -mas, de certa maneira, atualizada – hoje o plágio é um interdito e um grande problema frente as autorias herdadas do individualismo. Não sem um certo humor, Schneider lembra de um outro estranho argumento usado pelos plagiadores “referente ao mecanismo psicológico do rancor (...), só se plagia o que se ama, de um amor devorante e frustrado” (Schneider, 1990: 54).

Sendo assim, o plágio constitui histórias múltiplas, multissituadas, e dessa forma sugerimos ver o plágio situado em seu contexto. Pensando nos estudos acadêmicos como um “conjunto especial de interesses sociais” (2014d, pag. 204), Marilyn Strathern insiste nos contextos. Circunscrever contextos de análises – ou seja, o plágio nem sempre foi plágio – faz com que escapemos de um “novo etnocentrismo” que “consiste em construir as obras passadas com jogos literários quase intencionais (2014d, pag.208)”.

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Nessas escalas, partimos de plágios para outros plágios. Se eles são muitos, nos cabe cartografá-los. Schneider diz que:

“Do mesmo modo que dizer coisas falsas pode ser tanto um erro quanto uma mentira, dizer as ideias de um outro pode decorrer tanto da influência quanto do plágio” (Schneider, 1990: 47)

É nesse sentido que, então, resolvemos abordar o plágio musical. Mas não o plágio que participa do mesmo domínio do plágio acadêmico, mas aquele que tem a intenção de ser plágio, apenas influência, ou não. Assim, pelas sinuosas curvas, encontramos – parcialmente – o plágio criativo. E suas histórias variadas.

Figura 8 – “Cabeça de Música”. Desenho de Bernardo. Reprodução livre com controle parental.

Figura 5 – “Cabeça de Música”, Desenho de Bernardo. Reprodução livre com controle parental.

97 Rafael: Deixa eu falar uma frase do Guinga: “O medíocre copia, o gênio

rouba”.

Flora: Foi ele que falou isso? Rafael: Ah não sei!

Flora: Ou ele roubou!

Rafael: Deixa eu ver aqui. (Olha no celular). Olha, veio em espanhol! Olha

aqui, está vendo ó: “el artista medíocre copia, el gênio roba”, Picasso.

Flora: E vai ver que talvez nem tenha sido ele (o Picasso).

Rafael: (Olhando novamente no celular).“Esta cita se impugna a Picasso,

pero no es dele. Esta baseada em uma de Oscar Wilde que dice así: “El talentoso toma prestado, pero el gênio roba.”

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Inicialmente, tentei fazer uma apresentação que chegasse próximo de uma [pretensa] simetria, mas vendo que meu discurso beirava a purificação, no sentido de evitar o híbrido e o afeto, tratando pessoas amigas como nativos distantes, resolvi abraçar como tal afetividade me chegava. Ciente de que a antropologia canônica [a saber, aquela baseada na autoridade etnográfica] poderia ver com desconfiança tal opção, lançando meu intenso trabalho ao escrutínio da ficção, logo após escrever essa pequena apresentação sobre os participantes eu perguntei para eles como eles gostariam de ser apresentados. Sendo assim, fiz a seguinte pergunta para todos: “Como vocês se definiriam profissionalmente, em poucas palavras (?)”. Luiz Gabriel não entendeu, depois disse: “uai, artista”. Rafael foi breve, Makely Ka disse para eu ver a definição da enciclopédia Itaú Cultural, Zélu escreveu prontamente, Yuri nunca respondeu, exatamente, minha pergunta. Aqui segue, então, nossos pontos-de-vista:

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Figura 9 - - José Luiz Braga e Gael, em show da banda Graveola. Ao fundo, o baterista Bruce. Foto: Rachel Dolabella

José Luís Braga (Zélu): Zélu é compositor e músico. Amigo desde a graduação, quando cursamos Ciências Sociais nos idos de 2004, ele é dono de uma voz doce e terna, do tipo que acolhe aquele que o escuta. É cantautor e integrante da banda Graveola e o Lixo Polifônico, pertencente à(s) cena(s) independente(s) de Belo Horizonte. Sua carreira solo, intimista e bastante refinada, deu origem ao seu último disco, chamado Nossa Casa. Segundo Zélu:

“Não separo a minha definição profissional da minha definição de vida. Me defino como alguém que segue seu destino, seu contrato da alma, defende e experimenta seus valores no dia a dia e busca servir às pessoas e o mundo