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Leis, Tratados, Convenções: acionando a “proteção” do conhecimento A propriedade intelectual, em sua atual legislação brasileira, envolve um

conjunto de direitos privados que abarcam três extensões: os direitos de propriedade industrial, o direito autoral e a proteção sui generis.

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O Direito Autoral são os direitos concedidos aos autores de obras intelectuais, que incluem obras literárias, artísticas, científicas, interpretações, execuções, composições musicais, fonogramas e programas de computador. A Propriedade Industrial abarca os direitos que visam “promover a criatividade pela proteção, disseminação e aplicação industrial” (OMPI/INPI, 2016) enquanto os Direitos Sui Generis são as proteções não abarcadas nem pelo direito autoral, nem pela propriedade intelectual. Neles estão, em especial, os conhecimentos tradicionais e as manifestações folclóricas, alvo de intensas controvérsias nas lutas indígenas sobre produção de conhecimento coletivo e biopirataria.

O primeiro acordo internacional relativo à propriedade intelectual de que o Brasil participou foi a Convenção de Paris - CUP, assinado em 1883 na cidade de Paris. A CUP foi uma tentativa de conformar internacionalmente as diferentes leis e sistemas jurídicos dos países participantes. Sua contrapartida no ramo do direito autoral é Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas, de

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1886. Como o próprio nome diz, a Convenção de Berna trata apenas dos direitos da autora, sem contemplar todos os tipos de proteção intelectual que o sistema jurídico mundial contempla.

A partir do momento em que o Brasil se torna signatário do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS- Trade-Related Aspects of Intelectual Property Right), todos os tipos de propriedade intelectual são colocados em seu escopo de proteção legal. Tanto a CUP (e sua última revisão, ocorrida em Estocolmo, 1967) e a Convenção de Berna (revisada em 1971 em Paris) continuam vigorando a partir do acordo TRIPS.

Segundo Fachel Leal e Vergara de Sousa (2010):

“O termo propriedade intelectual designa um amplo conjunto de direitos privado e monopolistas (...). Nas últimas décadas, a noção de propriedade intelectual está intrinsecamente vinculada a um regime jurídico global que a institui, regulamenta e dimensiona de forma globalizada: O TRIPS, umbilicalmentevinculado à Organização Mundial de Comércio.” (2010: 14)

Antes do advento do TRIPS, as discussões sobre propriedade intelectual como forma de institucionalizar um regime jurídico global ganharam força com a criação do Banco Mundial e do FMI em 1974, onde foi assinado o GATT - Acordo de Tarifas e Comércios. O GATT foi estabelecido como forma de harmonizar as políticas aduaneiras entre os estados signatários; o Banco Mundial foi criado com a intenção de regular os aspectos financeiros e monetários, enquanto o FMI se ocupava de regular o âmbito comercial entre os países participantes.

A partir da Rodada do Uruguai (a primeira, ocorrida em 1986, e a segunda, em 1994), são criados a Organização Mundial de Comércio, enquanto uma agência especializada das Nações Unidas, e o TRIPS. O TRIPS foi negociado ao fim da Rodada do Uruguai, e assinado pelo Brasil em 1994. Segundo Wikipédia (2019):

“Depois da Rodada de Uruguai, o GATT se tornou a base para o estabelecimento da Organização Mundial do Comércio. Devido ao fato de que ratificações do TRIPS sejam um requerimento compulsório para filiação à Organização Mundial do Comércio, qualquer país buscando obter acesso fácil aos inúmeros mercados internacionais abertos pela Organização Mundial do Comércio devem decretar as rigorosas leis estipuladas pela

36 TRIPS. Por essa razão, a TRIPS é o mais importante instrumento multilateral para a globalização das leis de propriedade intelectual”.9

Outro processo também importante para a instituição da propriedade intelectual como um regime global foi a constituição da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) em 1967, como uma agência regulatória multilateral da ONU. A OMPI é a responsável por gerenciar os acordos e tratados referentes à propriedade intelectual – inclusive o TRIPS - visando garantir a segurança jurídica e uso estratégico por todos os países partícipes. Atualmente, administra 27 tratados internacionais e é composta por 187 países10.

Embora os países gozem de certa liberdade para a implementação de tratados e acordos multilaterais, a adesão do Brasil ao acordo TRIPS foi emblemática. Além da legitimação de uma estrutura dominante por parte dos Estados Unidos, Japão e União Europeia, muitos medicamentos essenciais e insumos agrícolas tiverem seu custo intensificado (Fachel Leal e Vergara de Souza, 2010). O Brasil, que não dispunha de proteção patentárias para remédios, acabou promovendo a competição entre laboratórios e preços, além de restringir o acesso à medicação consideravelmente. Sugerimos que não é por um acaso que a TRIPS esteja vinculada à OMC, visto que, além de garantir a eficácia dos tratados sobre propriedade intelectual, a OMC tem o poder de “retaliação comercial em escala mundial” (Fachel Leal e Vergara de Souza, 2010).

Em âmbito nacional, o Brasil tem um conjunto de leis que abrangem a proteção aos direitos de propriedade intelectual. As duas leis que fazem parte do universo de discussão dessa tese é a Lei n˚ 9610/1998, conhecida como a Lei de Direitos Autorais; e a Lei n˚ 9.279/1996, que regula as patentes, marcas, desenho industrial e as indicações geográficas. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, é o órgão responsável pela análise dos pedidos de patente, enquanto o registro dos direitos autorais pode ser feitos em órgãos específicos como a Biblioteca Nacional ou na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por exemplo.

9 Fonte: Wikipédia, verbete Acordo TRIPs. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_TRIPs

Acesso em 07/04/2019.

10 Fonte: Wikipédia, verbete OMPI. Disponível em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Organiza%C3%A7%C3%A3o_Mundial_da_Propriedade_Intelectual. Acesso 07/04/2019

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Atualmente, o arcabouço legal e teórico que dá conta da autoria é fruto de diversas controvérsias que versam sobre seus limites, reproduções e formas de compartilhamento. Nos estudos antropológicos, a discussão também se mostra tímida, e se faz indispensável. Se o conhecimento antropológico é imediatamente uma relação social, circunscrever as relações sociais que convergem sobre a autoria vem responder a uma série de debates que levantamos na tese, e que são, certamente, formas de compor o mundo em que vivemos.

De forma geral, não se trata de formular uma nova teoria ou um modelo sobre as implicações dos direitos autorais na contemporaneidade, nem sugerir um mundo sem patentes e sem autores. Como nos lembra Tarin e Belisário (2012:75), trata-se de “experimentar e trazer à tona outras formas de percepção e ação sobre a realidade social”.