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CAPÍTULO II – OPINIÃO CRÍTICA/SUGESTÕES

3. Proposta da Comissão para a Reforma do IRS

3.3 Apreciação crítica

O novo regime que a Comissão para a reforma do IRS apresenta não foi aprovado, pelo que as alterações ao imposto, em vigor desde Janeiro de 2015, não incorporam as sugestões propostas.

Na elaboração do relatório, nomeadamente no que respeita a manifestações de fortuna, o grupo de trabalho considerou a opinião e sugestões de diversas entidades, nomeadamente a AT, que se apresenta como uma das principais interessadas a que os regimes se apresentem simples e objetivos para uma boa aplicação. Neste sentido, parece ser uma boa solução produzir normas de acordo com a experiência daqueles que intervêm repetidamente na sua aplicação, sendo que a opinião de juristas também é relevante, uma vez que se apresentam como intervenientes na defesa do contribuinte.

O relatório conclui que o regime de manifestações de fortuna se encontra desatualizado, não havendo possibilidade de o melhorar verdadeiramente, uma vez que sofre de um vício de forma, nomeadamente “a excessiva tipificação se opõe à finalidade anti evasiva

deste tipo de normas” (Comissão para a reforma do IRS, 2014). O fato de a lei ser

95 existem sempre situações que não estão previstas. Neste sentido, o legislador deve produzir uma redação mais abstrata, semelhante ao que se encontra no regime de outros acréscimos patrimoniais não justificados, evitando descrever exaustivamente as formas de que se podem revestir os sinais exteriores de riqueza. Por outro lado, o excesso de legislação nesta vertente, nomeadamente através da sobreposição de dois regimes, obsta a que a aplicação seja simples, sendo que o legislador deve conseguir congregar num único normativo todas as soluções para tributar rendimentos presumivelmente ocultos.

Em relação ao normativo que a Comissão sugere que seja aplicado, saliento o fato de, pese embora esta conclua que o excesso de tipificação de manifestações de fortuna seja uma desvantagem, encontra novamente como solução a sua manutenção no novo regime, ainda que sob outra forma. Este fato, na minha opinião, representa uma desvantagem. O legislador não deve procurar tipificar os sinais exteriores de riqueza, uma vez que não os consegue prever na totalidade. Neste sentido, penso que deve ser eliminada qualquer tipificação normativa no que respeita a manifestações de fortuna, sendo que o legislador deve apenas, como acontece no regime de outros acréscimos patrimoniais não justificados, relevar o montante do sinal exterior de riqueza. Se a Comissão conclui que a tipificação em excesso prejudica o alcance dos objetivos do regime, não deve, no normativo proposto, apresentar novamente o vício de forma.

Por outro lado, as alterações propostas ao art. 87.º da LGT, nomeadamente a revogação de alguns itens e aditamento de outros, provocam dificuldades de interpretação, uma vez que tanto neste normativo, como no novo art. 89.º-B da LGT, o legislador repete critérios de sujeição que, à semelhança dos regimes atualmente em vigor, obstam a que a interpretação seja simples e intuitiva. Neste sentido, parece vantajosa a eliminação do regime de manifestações de fortuna mas a tentativa de manutenção da norma através de uma outra redação, parece ser um dos pontos fracos da proposta apresentada.

De entre os dois regimes, nomeadamente as manifestações de fortuna presentes na tabela do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT e a tipificação proposta para o n.º 3 e 4 do art. 87.º da LGT, o legislador apenas propõe a eliminação do conceito de rendimento padrão. Esta solução parece demasiado redutora, particularmente quando o relatório pretende a eliminação de uma solução normativa para, posteriormente, sugerir que se preserve através de uma diferente redação.

Noutro sentido, a Comissão procura revestir o art. 89.º-B da LGT dos mesmos princípios de sujeição presentes no regime de outros acréscimos patrimoniais não justificados, nomeadamente através do desfasamento entre acréscimo patrimonial, ou despesa, e

96 rendimento líquido. A solução legislativa encontrada procura introduzir algumas alterações pertinentes ao nível do diferente cálculo do desfasamento, introdução de limite mínimo para sujeição, apresentação de contraprova e alteração do espetro temporal de aplicação. Nesta medida, a maior relevância deve ser dada ao montante mínimo para que seja desencadeada a avaliação indireta. O legislador propõe que o desfasamento entre o acréscimo patrimonial, ou despesa, e o rendimento deve ser superior a dez mil euros, sendo que, no regime de outros acréscimos patrimoniais não justificados, não é explícita esta interpretação. A alteração introduz melhorias no que concerne à clarificação do espírito do legislador, ao delimitar a partir de que montante de desproporção se deve proceder à fixação da matéria coletável por métodos indiretos.

Em relação ao espetro temporal de aplicação, a Comissão sugere que o regime apenas deve ser aplicado num único período fiscal em relação a um mesmo fato-base, nomeadamente quando verificados a titularidade ou ostentados os sinais exteriores de riqueza, ou no caso das despesas, quando estas sejam verificadas. Neste sentido, a proposta mantém as correções fiscais para apenas um período, ao contrário do que sugere o regime de manifestações de fortuna que pretende tributar, no limite, quatro períodos fiscais, através de uma mesma presunção.

Noutro sentido, a Comissão sugere que a apresentação de contraprova, que suscite fundadas dúvidas quanto à verificação dos pressupostos, deve conduzir à anulação do processo fiscal. Esta interpretação é inovadora, uma vez que tendencialmente beneficia o contribuinte quando este se apresenta numa posição desvantajosa perante a AT, após a fixação da matéria coletável através de presunções. Pese embora os meios de defesa à disposição do contribuinte sejam o bastante para que possa proceder à sua defesa, após invertido o ónus da prova, este é obrigado a demonstrar que correspondem à verdade os rendimentos declarados e que é outra a fonte que justifica a capacidade aquisitiva demonstrada. A explicação apresentada deve ser reveladora da fonte, tão-só a apresentação dos dados bancários que sustentam a compra são aceites, pelo que se pretende a proveniência do rendimento subjacente aos depósitos. Com esta nova redação, a posição do contribuinte fica mais protegida, uma vez que basta criar fundadas dúvidas da verificação dos pressupostos, tanto relativamente à ocorrência dos fatos, como à posse ou usufruto dos sinais exteriores de riqueza e respetivos montantes apurados em relação ao valor de aquisição. Neste sentido, a eficácia do regime pode ser diminuída, sendo que a argumentação da AT quando desencadear este tipo de processos deve ser superiormente sustentada, sob pena do contribuinte conseguir provocar dúvida através da contraprova apresentada.

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