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Associado ao regime de manifestações de fortuna, o legislador criou o conceito de acréscimo patrimonial não justificado para tributar, com similares objetivos, outro tipo de sinais exteriores de riqueza sem qualificação expressa, considerados desfasados com o rendimento declarado pelo contribuinte. A solução normativa aplicada neste regime é diferente em relação às manifestações de fortuna, ao privilegiar uma norma aberta e geral com critérios baseados nos montantes envolvidos, ao invés da natureza das capacidades aquisitivas e valores associados.

Este regime surge, assim, como “sequência do redobrado esforço legislativo de combate

à evasão fiscal, permitindo que as autoridades tributárias alcancem sinais de fortuna que no regime originário não permitiam a exigibilidade de imposto, face ao numerus clausus instituído pelo Principio da Legalidade Fiscal” (Falcão, Pedro Marinho;, 2013).

Inicialmente, a redação da lei n.º 55-B/2004, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2005, determinava a existência de acréscimo patrimonial quando se provava a existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciado pelo contribuinte no mesmo período de tributação. Assim, o valor considerado como acréscimo patrimonial era calculado pela comparação entre o valor de rendimento declarado líquido pelo contribuinte e a despesa efetuada, sendo que poderia haver uma conjugação que podia conduzir o contribuinte a não estar sujeito a tributação pelo regime das manifestações de fortuna e a estar neste regime acessório.

Nesta primeira redação não havia alusão a qualquer valor a partir do qual se aplicava o regime, pelo que, mais tarde, foi necessário alterar a lei para que ficasse mais clara a que tipo de situações se destinava, nomeadamente possíveis rendimentos ocultos de elevado montante.

Desta forma, ambos os regimes em estudo possuem critérios de englobamento muito semelhantes, sendo que se diferenciam pelo fato do regime de manifestações de fortuna tipificar os sinais exteriores de riqueza, enquanto neste normativo acessório fica sujeito qualquer contribuinte que num ano fiscal apresente uma divergência superior em um terço entre os seus rendimentos e o acréscimo patrimonial.

34 Após a alteração da redação promovida pela Lei n.º 94/20094, o regime passou a prever um critério em valor absoluto em vez do rácio entre o valor declarado e a despesa, como existia anteriormente. Porém, a nova interpretação gera mais dúvidas que a anterior por não ser completamente clara quanto aos conceitos que sugere.

O fato de não ficar desde logo prevista a divergência a partir da qual se desencadeia o processo, conduz a que a entidade fiscalizadora tenha arbitrariedade e possa tratar de forma diferente, casos semelhantes. Porém, na interpretação atualmente aceite, a AT considera em primeiro lugar as despesas ou acréscimos patrimoniais superiores a cem mil euros e, mais tarde, compara com a declaração de rendimentos do contribuinte, para verificar se existe divergência injustificada. Posteriormente, o critério da AT determina a partir de que desproporção desencadeia o processo ou, noutra medida, tributa todos os casos em que a diferença resultante do acréscimo patrimonial e rendimento declarado seja superior a cem mil euros.

Nos casos em que exista uma combinação que conduza a que o mesmo contribuinte, com base no mesmo fato-base, fique sujeito ao regime de manifestações de fortuna e tenha acréscimos patrimoniais não justificados, o art. 87.º n.º 2 em conjugação com o art. 89.º-A n.º 3 da LGT, prevê que este fica sujeito a tributação apenas no segundo regime, pelo que a correção a ser feita em sede de Categoria G de IRS é dada pela diferença entre o acréscimo de património ou despesa efetuada e os rendimentos declarados, como explicado no art. 89.º-A n.º 5 da LGT. Como consequência, o legislador opta por enquadrar no regime de outros acréscimos patrimoniais não justificados o contribuinte que possa estar sujeito aos dois regimes, pelo que elege a solução mais penalizadora fiscalmente.

O rendimento presumido por este regime, em sede de categoria G, fica sujeito a uma tributação a uma taxa especial de 60%, conforme o estipula o art. 72.º n.º 11 do CIRS.

No âmbito de aplicação do regime ressalvar os critérios que devem ser cumpridos para que, na mesma medida do regime de manifestações de fortuna, o contribuinte seja englobado. Neste sentido, a aplicação do regime é desencadeada pela falência do princípio da verdade declarativa, sendo que a AT, por considerar que o acréscimo patrimonial não está justificado pelo rendimento declarado, presume que houve montantes ocultados. Os acréscimos patrimoniais considerados apenas respeitam ao ano

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Desde a entrada em vigor, a 1 de Setembro de 2009, da Lei n.º 94/2009, a redação do art. 87.º n.º1 – f) da LGT prevê: “Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.”

35 fiscal em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa efetuada, pelo que não existe alargamento do período temporal de aplicação do regime em anos posteriores. Assim sendo, a correção fiscal a desencadear apenas pode ser realizada no ano em que se verifiquem os pressupostos, como salienta o n.º 5 - b) do art. 89.º-A da LGT.

O valor de aquisição considerado deve corresponder ao montante apurado de acordo com a prova à disposição da AT ou, caso não se consiga, deve ser considerado o valor de mercado do elemento patrimonial ou despesa, como prevê o art. 89.º-A n.º 6 - b) da LGT.

Em relação aos procedimentos que conduzem à correção fiscal, os trâmites processuais são semelhantes aos revelados em relação à tributação de manifestações de fortuna, nomeadamente a competência de decisão de avaliação por métodos indiretos, meios de defesa do contribuinte, cumprimento de prazos e deveres de informação para com o Ministério Público.

A maior diferença no que concerne à prova está presente no n.º 11 do art. 89.º-A da LGT, em que o legislador obriga a entidade fiscalizadora a ter acesso aos dados bancários do contribuinte, em sentido inverso do que acontece no regime de manifestações de fortuna, em que este procedimento não é obrigatório. Na mesma norma, o legislador oferece ao contribuinte a possibilidade de regularizar a sua situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respetivos períodos. Esta preocupação normativa demonstra a colaboração que a AT pretende manter com o contribuinte, mesmo após presumir que as declarações prestadas se encontram afastadas da realidade. Igualmente, ressalvar as situações em que o contribuinte justifica através desta oportunidade os rendimentos previamente não declarados ou, noutro sentido, usa esta norma para apresentar rendimentos sem correspondência legal com a fonte.

Relativamente a outros acréscimos patrimoniais não justificados, o regime espanhol coloca a questão deste regime representar uma base para um processo-crime fiscal. Diante do exposto, uma vez que fica provado que foram ocultados rendimentos, ainda que não se conheça a origem e o montante real, é colocada a hipótese do contribuinte responder criminalmente pela presunção que não consegue ilidir. Na verdade, atualmente, o legislador espanhol não aceita esta solução, porém pode, no futuro, ser uma questão em aberto a possibilidade de responsabilização criminal ao nível da falta de veracidade da declaração de rendimentos. Em Portugal, “os pressupostos da realização

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prática de crimes tributários ou de outra natureza a justificar a instauração de um inquérito penal” (da Silva, Germano Marques;, 2011) pelo que, no mesmo sentido, o

legislador português não desencadeia automaticamente processos nesta vertente, salientando apenas, no art. 89.º-A n.º 10 da LGT, o dever de comunicação ao Ministério Público da decisão de avaliação por métodos indiretos.