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PARTE I – ENFERMAGEM, PRÁTICAS CLÍNICAS E FORMAÇÃO

2. ENFERMAGEM, CONTEXTOS E PRÁTICAS

2.4. APRENDIZAGEM EM CONTEXTO CLÍNICO

Abreu (2003), fazendo alusão a Ferry (1987) e a Hart e Rotem (1995), fala na aprendizagem em contexto clínico como um caminho para o conhecimento de si que se caracteriza por factores como a autonomia e reconhecimento, a clareza do papel a

desempenhar, a satisfação profissional, o suporte dos pares, as oportunidades de aprendizagem e a qualidade da supervisão.

Na realidade, podemos dizer que a natureza dos processos formativos se relacionam intimamente e se podem descrever de acordo com o contexto clínico em questão.

Sendo a enfermagem uma profissão com uma forte componente prática, torna-se necessário, para que exista uma melhor definição do seu foco de atenção, das estratégias e meios a utilizar e para uma gestão e organização mais eficazes das práticas, que se adopte um determinado modelo conceptual. É neste sentido que falamos no processo de enfermagem que, ao contrário do que acontece muitas vezes na prática, não pode ser olhado como uma dificuldade no exercício profissional. Tal como considera Hesbeen (2001), o processo de enfermagem permite aos enfermeiros a definição e implementação das intervenções de acordo com uma metodologia científica e à enfermagem o acompanhamento do progresso e da evolução de meios e de outros saberes.

A rapidez com que se produzem alguns conhecimentos no âmbito da enfermagem exige uma preocupação crescente com o desenvolvimento de estratégias capazes de promover a actualização dos profissionais. Contudo, a relação entre os percursos de formação dos enfermeiros e as suas práticas clínicas deve ser sempre uma constante onde um não se sobrepõe ao outro (Hesbeen, 2001). Esta é uma relação por vezes difícil face a algumas condicionantes da prática, inerentes não só a fenómenos de desenvolvimento organizacional e legal e de reconhecimento social dentro e fora da profissão, mas também devido à falta de apoio emocional e de estratégias de incentivo à reflexão das práticas.

O carácter científico da enfermagem exige não só o domínio de um conjunto de saberes teóricos mas também da sua mobilização para a prática clínica. A este respeito Abreu (2001, p. 304), considera “imprescindível, para a mobilização dos diversos saberes

da prática, o domínio de saberes processuais que permitam concretizar a síntese entre os saberes formais e informais, legitimar os últimos nos contextos de trabalho e integrá-los na constelação de saberes em uso”. Esta é, realmente, uma dinâmica necessária para o

desenvolvimento do profissional e da profissão, onde se valoriza a formação e o contexto sócio-cultural onde ela ocorre. A pertinência dada ao meio e à formação que lá ocorre é justificada, pelo mesmo autor, pelo facto de ser aí que se “desenham os principais quadros

de inteligibilidade que estão na base do processo de construção social da profissão”

No domínio da aprendizagem, Canário (2001) faz alusão a algumas investigações que enfatizam importância das aprendizagens em contexto clínico, nomeadamente aquelas que ocorrem entre pares. Neste sentido, preconiza-se um modelo de formação centrado no indivíduo, que promova a integração vivencial das influências exercidas pelo contexto onde ele se move, reflectindo o seu percurso experiencial. Pretende-se, assim, que o profissional se forme e se desenvolva num clima de valorização dos múltiplos factores de mediação do trabalho e das experiências, potenciador dos saberes experienciais (estes, muitas vezes, não reconhecidos pelos que os produzem e/ou que os detêm).

A este respeito, Colliére (1989) admite que o serviço/unidade de cuidados é o local privilegiado para se conjugarem a reflexão e a acção, para se mobilizarem e repensarem os conhecimentos. É aí que, perante a incerteza, a imprevisibilidade e a mutabilidade dos contextos, que se formam e renovam competências e, consequentemente, se promove o desenvolvimento pessoal e profissional. Face a isto, a formação deve ser orientada para uma atitude crítica e reflexiva sobre todos os sistemas que compõe as situações, onde a supervisão clínica assume um papel importante.

Schön (1992), tal como tivemos oportunidade de referir anteriormente, fala-nos na formação reflexiva dos profissionais. No encalço desta abordagem, nos domínios das intervenções em enfermagem, valoriza-se a reflexão na, para e sobre a acção como instrumento para uma construção do conhecimento baseada na epistemologia da prática; construção essa, que, de acordo com Alarcão e Tavares (2003, p. 35), assenta na “consciência da imprevisibilidade [de grande parte] dos contextos de acção profissional e

na compreensão da actividade profissional como actuação inteligente e flexível, situada e reactiva”. Portanto, face às complexidades dos contextos clínicos (onde se inclui a forte

componente relacional da profissão), a formação dos enfermeiros deve ser orientada (daí a importância da supervisão), não deve ser baseada na “racionalidade técnica,

exclusivamente objectiva e formalista” (op. cit), pois pode existir um forte risco dela se

tornar infrutuosa. Será de valorizar a reflexão entre o observado e o experienciado e o “aprender fazendo”.

Também Daley (2001), baseando-se em autores como Dewey, Kolb, Jarvis, Schön e Mezirow, considera que existe uma relação entre a aprendizagem dos enfermeiros e a prática clínica, que pode ser determinada através da compreensão da forma como os adultos aprendem pela experiência e pela reflexão e como é que esta reflexão conduz a

uma mudança do seu pensamento e das suas perspectivas. Concluiu que a aprendizagem advém essencialmente da experiência relacional entre enfermeiro/cliente tendo, portanto, uma forte componente humanista. Refere-se à importância da formação contínua e aos formadores como facilitadores do processo de aprendizagem, reflexão, crescimento e mudança. Considera que a reflexão sobre as experiências clínicas potencia um desenvolvimento pessoal e profissional dos enfermeiros, já que facilita a compreensão dos aspectos e conceitos de âmbito relacional, como a auto-estima, a esperança, o controlo, a vulnerabilidade, a aceitação, a perda e a persistência, que diferenciam a enfermagem das outras profissões.

A aprendizagem em contexto clínico passa, então, por considerar a experiência promotora do conhecimento pela acção e de todo o ambiente ecológico onde ela ocorre. A prática reflexiva assume aqui um papel de relevo, promovendo a relação entre a teoria e a prática, efectivando a (re)construção do corpo de conhecimentos da enfermagem.

Já Florence Nightingale dizia que “a maior parte das vezes, os maus cuidados de

enfermagem eram muito mais o resultado de uma falta de reflexão, do que uma falta de atenção aos outros”.