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Aprendizagem Organizacional e relação com Competência

Apesar da existência de uma grande quantidade de obras, tais como os estudos de Fleury e Fleury (2000) e de Bitencourt (2001), sobre aprendizagem organizacional e competências,

parece ainda não revelar uma condição efetiva de aplicação prática nas organizações públicas brasileiras.

A noção de competência tem atraído o interesse das organizações, tanto pela perspectiva da estratégia como relacionada às práticas de gestão de pessoas, sendo estes os focos principais na produção científica em administração. (RUAS et al., 2005; DIAS et al., 2008).

Há inúmeras interpretações para o termo competência. A partir de várias concepções, Carbone et al. (2009) sintetizam e definem as competências humanas ou profissionais

como “combinações sinérgicas de conhecimentos, habilidades e atitudes, expressas pelo

desempenho profissional em determinado contexto organizacional, que agregam valor a

pessoas e organizações”.

O conceito de competência é utilizado para alinhar as ações das pessoas com as demandas organizacionais estratégicas. Essa noção surge na área de RH para buscar conceitos e métodos que auxiliem nessa relação e, apesar dos seus limites, promove coerência entre as práticas sem se fechar em tecnicismos (THEVENENT, 2008).

Na nova economia sua construção surge a partir das mudanças nas relações de trabalho, quando a qualificação do profissional se torna insuficiente para atender a novas demandas. Para alguns autores, como por exemplo, Boyatzis, o conceito permanece ligado à noção de qualificação, porém associado ao desempenho. De acordo com esse conceito considera-se que, estabelecer uma forma de qualificar a pessoa é suficiente para um desempenho superior e nessa perspectiva são necessários, então, apenas conhecimentos e habilidades para se exercer determinada função (FLEURY & FLEURY, 2001).

Porém, o fato da pessoa ter qualificação para um determinado trabalho, não assegura o seu desempenho. A definição de competência tradicionalmente reconhecida como CHA (conhecimentos, habilidades e atitudes) é criticada por alguns autores, como, por exemplo, Sandberg, pois aspectos essenciais da competência humana não podem ser reduzidos a uma lista de atributos relacionados a tarefas do trabalho (BITENCOURT, 2001).

A competência não é uma lista de atributos, mas existe quando associada à ação. A pessoa reconhecida como competente é aquela que sabe agir com competência. O saber agir é distinto do saber-fazer. A ação depende da capacidade e da possibilidade da pessoa mobilizar recursos, os já a ela incorporados (conhecimentos, habilidades, qualidades,

experiências, capacidades cognitivas, recursos emocionais, etc.), assim como os do seu meio (banco de dados, redes de especialistas, redes documentares, etc.) (LE BOTERF, 2003).

Portanto, aqui se reconhece a importância da disponibilização e acesso aos recursos para que a competência seja expressa. As competências produzidas dependem dos recursos mobilizados na ação e são possíveis em um contexto específico (LE BOTERF, 2003). Está ligada à capacidade de lidar com o evento (ZARIFIAN, 2001), o que significa que a competência está relacionada ao imprevisto, às respostas a novos problemas, que mobilizam recursos e possibilitam novos aprendizados diante da situação enfrentada. Portanto, pode-se afirmar que competência não é resultado de treinamento ou educação formal.

A ideia de qualificação ainda tem norteado alguns modelos de treinamento nas empresas, que procuram aperfeiçoar, em seus empregados, habilidades para o exercício de determinada função e, nesse caso, o sujeito é considerado como um operador cuja competência se limita a executar o que está prescrito (LE BOTERF, 2003). Ao contrário das grades de treinamento, a formação de competências vai além dos limites de um cargo, voltando-se para o desenvolvimento contínuo e integral da pessoa (FREITAS e BRANDÃO, 2005). As empresas, ainda, procuram aperfeiçoar, em seus empregados, habilidades para o exercício de determinada função (PIRES et al., 2005).

Segundo Le Boterf (2003, p. 69), “A educação, a formação e a experiência agem sobre as

possibilidades. Disso pode resultar um aumento do potencial. A educação permanente remonta à entropia.” Assim, competência não significa estabelecer uma lista de conhecimentos e habilidades e nem investimentos em programas de treinamento são suficientes para o seu desenvolvimento.

Para Baroni e Oliveira (2006), o modelo de competências, em sua versão francesa, não associa a possibilidade de sua aquisição por meio de capacitação, porém, poderia se pensar como a lógica da competência reorienta as bases da educação profissional.

O conceito vai além ao da qualificação e conforme Zarifian (2001) não está vinculado às definições de cargos e tarefas, mas apresenta-se como de que maneira o individuo mobiliza seus recursos diante de novas situações. O autor segue afirmando que competências não

estão restritas a aplicação de instruções, na produção de cópias conformes, mas são identificadas na reação.

Nas organizações tradicionais, as estruturas e procedimentos emperram os processos de aprendizagem e para se enfrentar novas situações e mudanças o desenvolvimento das competências relacionais e comportamentais é determinante (MADUREIRA E RODRIGUES, 2006). O controle á base de gerenciamento nesses sistemas. Espera-se que se faça o que está prescrito e o gerenciamento é orientado para que tudo ocorra dentro da normalidade (LE BOTERF, 2003).

Nos sistemas há uma tendência à correção de erros e “encaixe” novamente no conforme, com pouca flexibilidade para ação. Em geral as organizações esperam que as pessoas tenham talento e estejam altamente motivadas, muito embora, elas mesmas se baseiem em pressupostos ultrapassados e em práticas contraproducentes (BOLMAN e DEAL, 2008). O controle é para garantir que o sistema volte a funcionar de forma adequada. Conforme Le Boterf (2003), nesse ambiente, mesmo que se conferisse poder ao empregado sobre a tarefa, dificilmente seria usado, pois haveria recriminação pela iniciativa tomada. E, ainda, afirma que mudar esse modo de trabalho, requer mudar a maneira de conduzir toda hierarquia.

Na transição dos modelos, o autor apresenta o quadro a seguir: Quadro 3 - transição para o modelo de competências

Modelo “A” Modelo “B”

(concepção taylorista e fordista) (perspectiva da economia do saber)

Operador Ator

Executar o prescrito Ir além do prescrito

Executar operações Executar ações e reagir a acontecimentos Saber-fazer Saber agir

Adotar um comportamento Escolher uma conduta

Malha estreita para identificar a competência Malha larga para identificar a competência Gerenciamento para controle Gerenciamento pela condução

Finalização sobre o emprego Finalização sobre a empregabilidade

O gerenciamento da competência se dá pela sua condução. Nesse sentido, age-se mais em função da busca por um contexto favorável à emergência da competência e menos sobre a mesma.

Nos processos proativos para aquisição e desenvolvimento de competências estão incluídas as possibilidades de experimentação e a inovação (FLEURY e OLIVEIRA JR., 2002), sendo que a criação de novos produtos ou serviços se dá com a oportunidade de expandir horizontes, requer aplicação prática de novos temas, que possam impactar a realidade, em situações não rotineiras (FLEURY e OLIVEIRA JR., 2002; QUINN, ANDERSON e FINKELSTEIN, 2009). O ambiente organizacional pode possibilitar, facilitar, ou não, esse processo.

A possibilidade de desenvolver competências requer oportunidade de aprendizagem e desenvolvimento constantes, além de maior liberdade e autonomia na execução de tarefas. Apesar do entendimento de que programas educacionais não são por si só garantidores do desenvolvimento de competências, eles representam importantes atividades de aprendizagem que contribuem para o aprendizado organizacional. Esses programas, segundo Dutra (2002), podem ser divididos em:

 ações formais: cursos, palestras, seminários, programas de cultura, etc;

 ações informais: visitas técnicas, estágios, trabalhos voluntários, job rotation,

coaching, etc.

Porém, a mobilização de recursos para a ação se dá em função de um projeto que faça sentido para pessoa (Le BOTERF, 2003), que além de desenvolver habilidades, possam favorecer a percepção de poder influenciar seu futuro e o de sua organização. O contexto organizacional pode impor limites a possibilidades de desenvolvimento e aperfeiçoamento. A competência é única, do individuo, não existindo uma única forma de atuação, existem várias combinações possíveis. Há várias condutas possíveis, não existindo apenas um único comportamento correto ou uma única maneira de ser competente, o processo de combinar recursos não é visível e não responde a uma programação (LE BOTERF, 2003). Sendo assim, a competência é construída a partir dos recursos disponíveis.

Para promovê-las não basta disponibilização dos conhecimentos, mas, vários fatores, relacionados às condições de trabalho, influenciam na sua operacionalização: organização do trabalho, relações interpessoais, equipamentos e instalações, contexto socioeconômico,

critérios de gestão, regras de funcionamento, relações interserviços ou entre departamentos, procedimentos, gestão de recursos humanos e etc. (LE BOTERF, 2003).

De acordo com Le Boterf (2003, p.127) “A qualidade das competências dependerá, em

parte, da qualidade do ajuste entre os recursos incorporados mobilizados e os recursos do meio utilizados e, nesse sentido, pode-se falar em “cognição distribuída” (grifo no

original).” O profissional depende dos conhecimentos disponibilizados para que possa ele

possa acessar e articular seus saberes, com os dados externos, e agir de forma competente. O acesso às redes de saberes se torna crucial para essa ação. Nesse sentido a gestão do conhecimento torna-se central para garantir a disponibilização e o acesso aos saberes da organização. Vale ressaltar que garantir o acesso não significa apenas a disponibilização de informações, mas garantir o compartilhamento do conhecimento aumentando o potencial das organizações para que se construam novas possibilidades de ação.

Competência é conexão e não parcelas de comportamentos passíveis de observação (LE BOTERF, 2003), que se repetem como padrão, pois depende da capacidade de mobilizar recursos em função de novas situações enfrentadas. No entanto, essa mobilização depende de aspectos individuais e organizacionais. No nível individual a escolha de recursos e suas articulações dependem de um processo de decisão.

No mesmo sentido, Perrenoud (2000) afirma que a competência é mais do que uma simples soma de ações e saberes. Para esse autor a competência é definida como a capacidade de atuar de maneira eficaz numa determinada situação, refletida em ações concretas. Esta capacidade se apoia em conhecimentos, mas não está reduzida aos mesmos. De acordo com essa visão, competência, além da utilização dos conhecimentos, corresponde a uma combinação, que envolve a mobilização de habilidades cognitivas e práticas, motivações, valores, crenças, expectativas, experiências e emoções.

O conhecimento diz respeito ao saber e porque fazer e se dá por um processo de entendimento, ou melhor, de como as informações são assimiladas pelo indivíduo, gerando impacto sobre sua percepção ou comportamento.

Novos insights influenciam a ação, que reflete normas, estratégias e suposições ou visões de mundo (ARGYRIS SCHÖN, 1978). Por meio da aquisição de conhecimentos, a aprendizagem individual cria uma fundação para aprendizagem organizacional (SLATER e NARVER, 1995).

Vale ressaltar que a disponibilização dos recursos e a criação de ambiente que possibilite essa construção também dependem das competências para essa gestão. Oitenta por cento dos dirigentes franceses consideram que a gestão dos conhecimentos constitui um projeto global importante para a empresa, mas dois terços delas não contam com responsáveis por essa gestão (LE BOTERF, 2003).

A gestão das redes torna-se crucial para a possibilidade da utilização dos recursos na ação competente.

Os saberes e as informações formalizados e estocados são inúmeros. São até mesmo excedentes e acarretam risco de saturação. O que falta é a capacidade de utilização desses saberes para incorporá-los a competências que serão operacionalizadas e inseridas em combinatórias, que são as respostas pertinentes aos problemas profissionais que deverão ser tratados. (LE BOTERF, 2003, p. 130).

Os recursos objetivos podem ser disponibilizados, mas na sua utilização sempre há um processo de seleção. O grau de pertinência das informações depende do individuo, pois todo processo de escolha é marcado por percepções diferentes. O processo de interpretação do sujeito é marcado por suas concepções, visões de mundo e emoções. As pessoas agem e tomam decisões de acordo com suas estruturas cognitivas e de suas construções da realidade.

O desenvolvimento de competências dependerá da criação de um ambiente propício ao aprendizado. Manter ou desenvolver competências depende, ainda, de gerenciar um meio favorável. O aprendizado não pode ser forçado, o que se faz é criar condições para que ele aconteça e haja possibilidade de novas interpretações. A cada nova interpretação surge uma nova representação. Trata-se de passo no crescimento, por meio de um processo combinatório não correspondente a uma programação sequencial. Portanto, é, em grande parte, incontrolável.

O coletivo está amplamente presente nas abordagens de aprendizagem organizacional. Pensar sobre a aprendizagem organizacional é considerar que competências individuais não são suficientes para o desenvolvimento organizacional. No entanto, as competências coletivas não são a soma das competências individuais, mas o resultado da coordenação. Além disso, no coletivo pressupõe-se um ambiente mais colaborativo. Para Halling (2010), nos novos serviços públicos, a governança horizontal convive com relações verticais e hierarquias. A necessidade é de desenvolver uma cultura que apoie a colaboração como

principal elemento. A colaboração é a lógica do setor público e não a competição. Nesse sentido como, por exemplo, desenvolver uma cultura que apoie a colaboração num ambiente marcado por relacionamentos verticais e hierarquizados?

A competência de uma organização ou de suas unidades, não equivale à soma das competências de seus membros. O valor depende menos de seus elementos constitutivos e mais da qualidade de sua combinação ou articulação, assim sendo, a competência coletiva é a resultante que emerge da cooperação e da sinergia das competências individuais (LE BOTERF, 2003).

De acordo com Le Boterf (2003), o desenvolvimento da competência coletiva não é espontâneo e precisa ser gerenciado de forma integrada, garantindo a capacidade de:

 conduzir redes ou projetos transversais;

 conduzir reuniões de síntese e de retorno de experiências;

 valorizar e correlacionar as especificidades e o potencial de cada um dos

colaboradores;

 formalizar e de capitalizar as práticas profissionais;

 desempenhar um papel de mediador entre as diversas ocupações ou áreas de

especificidades dos colaboradores;

 reunir as condições favoráveis à cooperação e ao trabalho interdisciplinar;  aplicar os dispositivos de memória coletiva;

 elaborar e de seguir indicadores de eficácia coletiva;

 apreciar a contribuição individual ao desempenho coletivo.

Autores como Sveiby (1998) e Prahalad e Hamel (1990) enfocam a questão da competência como uma vantagem competitiva, essencial que permite a organização sobreviver em ambiente dinâmico e imprevisível.

De uma maneira geral, alguns desafios apresentam-se às organizações públicas brasileiras. O desenvolvimento de competências individuais, que são pré-requisitos para as competências coletivas, pode encontrar barreiras no que diz respeito às restrições impostas

pelos modelos tradicionais de trabalho, de pouca autonomia e de acesso a recursos para ação.

Dificilmente, apenas com investimento em capacitação, se provoca renovação e mudanças administrativas substanciais. Apesar da importância dessa ação, elas não causam impacto significativo quanto à redução e ao controle dos custos administrativos, bem como, em relação à eficiência, ou mesmo no que diz respeito a transformações na estrutura de controle burocrático.

3 METODOLOGIA

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