• Nenhum resultado encontrado

Manifestações Clínicas A pertinência em associar a psicologia à endocrinologia e às doenças da tiróide prende-se ao facto de

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

De acordo com a informação recolhida através da realização de uma entrevista semi-estruturada torna-se possível referir uma série de acontecimentos que parecem ter funcionado como predisponentes para a sua condição actual. D., foi aconselhada pela mãe para dirigir-se às consultas de Neuropsicologia do serviço de Neurologia do Hospital Cova da Beira – Covilhã, devido ao seu comportamento actual relacionado com excessivas preocupações quanto à limpeza bem como, o seu estado de humor. Filha única do primeiro casamento da mãe, embora tenha uma irmã mais nova (15 anos) fruto do segundo casamento, alcançando assim um ambiente familiar equilibrado. Torna-se fundamental referir a ausência de informação relativamente ao seu pai, ou seja, este assunto nunca foi abordado pela própria paciente. Na infância, era alvo de exigência e rigor, considerando-se já em criança como “organizada e exigente…com as minhas coisas”; “gostava de ter sempre as coisas no lugar certo”; “tinha o meu quarto sempre organizado…limpava e arrumava tudo”. Sempre teve uma infância normativa, quando comparada com meninas da sua idade, todavia, ao ter tido uma educação rígida e exigente, desenvolveu uma grande responsabilidade e organização com a figura maternal. Face a esta educação, D. habituou-se desde cedo a desenvolver padrões perfeccionistas com tudo o que estivesse ao seu redor. Habituada a práticas rígidas de limpeza e higiene, uma capacidade diminuta de resistência à frustração, padrões elevados de perfeccionismo, expectativas elevadas relativamente ao futuro, aquando dos vários internamentos no Hospital Universitário de Coimbra que culminaram no diagnóstico de Hipertensão Intracraniana Benigna (concomitantemente com Sela Turca Vazia, Bócio Difuso Simples e Hipertiroidismo) a paciente desenvolveu vários esquemas de fracasso e profecias de auto-desvalorização. Ainda relativamente ao seu historial clínico, engravidou

DISSERTAÇÃO CONDUCENTE A GRAU DE MESTRE UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR 2007/2008 63 aos 27 anos, tendo sido considerada uma gravidez de alto risco. Após o nascimento do seu filho, os médicos consideraram que esta apresentava problemas psicológicos, tendo sido encaminhada para um psicólogo onde foi diagnosticada uma Depressão Pós-Parto. A paciente bem como o seu marido referem que após o nascimento do filho (este nasceu com 38 semanas, com hipertrofia das adenóides e com insuficiência respiratória) aumentou a frequência, duração e intensidade dos rituais de limpeza; assim, parece que este acontecimento funcionou como um dos factores precipitantes para a sua condição actual. Quando se desenvolveu a patologia viu-se a passar por um conjunto de obsessões e compulsões recorrentes, suficientemente intensas de modo que lhe provocam mal-estar acentuado, a ocuparem muito tempo e a interferirem significativamente com as suas rotinas diárias, o seu funcionamento ocupacional e com as relações com os outros. As ideias de natureza obsessiva correspondem a pensamentos repetitivos que D. desenvolve face a determinadas situações. Quando em contacto com situações que lhe provocam o medo de contaminação e sujidade, invadem-lhe pensamentos do tipo: “estou toda suja”, “quando chegar a casa tenho que fazer limpeza e tomar banho”, “tenho de limpar o chão com lixívia para matar os bichos”, “não posso estar em sítios com muita gente senão roubam-me o ar”, “tenho que limpar várias vezes o pó por causa dos ácaros”. As obsessões de contaminação caracterizam-se pelo medo de contaminação por micróbios não específicos e pela sujidade. D. afirma sentir necessidade de lavar o chão com lixívia várias vezes ao dia (e.g. “Parece que vejo bichos”); fazer verificações constantes à cama do filho para se certificar que ele lá está; incapacidade de deslocar-se a locais com muita gente ou fechados, nomeadamente hipermercados, restaurantes, cafés (e.g. “parece que me roubam o ar”…”que fico sem ar”); revela que, actualmente, sente dificuldades acentuadas em desempenhar correctamente o seu trabalho, pois é um local (Câmara Municipal da Covilhã, sector dos Transportes Escolares) que exige um contacto permanente com outras pessoas ao qual a paciente tem se demonstrado resistente; aquando do banho do filho, a paciente lava-o duas vezes consecutivas (e.g. “é para ele ficar limpinho”); lava as mãos com álcool; organiza os móveis da sala várias vezes ao dia. Deste modo, D. desenvolve rituais compulsivos de lavagem, envolve-se em múltiplos comportamentos de evitamento, que visam prevenir o perigo (imaginado) da exposição. Este tipo de comportamentos estendem-se a outras situações do seu quotidiano, nomeadamente no contexto laboral a paciente refere que deixa a sua secretária organizada e estruturada e se alguém mexe nas suas coisas apercebe-se e fica irritada. Refere ainda que desempenha as suas tarefas de forma estruturada (antecipadamente faz uma pré- estruturação), e quando ocorre alguma mudança, para a qual não se tinha preparado, revela dificuldades acentuadas em organizar-se, apresentando fisiologicamente tremores, sudorese, choro copioso, verbalizando “não sou capaz”. Revelando assim, disfuncionalidade também a nível laboral e social. De igual modo, D. desenvolveu comportamentos de rituais de verificação, nomeadamente em relação às portas de sua casa, que estão directamente relacionados com o comportamento – problema das verificações frequentes. Ao desempenhar estes rituais, a nível cognitivo, surgem-lhes os seguintes

DISSERTAÇÃO CONDUCENTE A GRAU DE MESTRE UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR 2007/2008 64 pensamentos: “tenho que vir sempre verificar se a porta está bem fechada senão pode ficar aberta e entra alguém”, “tenho que ir sempre verificar a porta até ir para a cama para ter a certeza que está fechada”, “tenho que fechar a porta com duas voltas senão pode entrar alguém”, “se não fechar com duas voltas a porta pode entrar alguém e eu não dou conta”. Dada a experiência anterior, a experiência real e percepção de aprendizagem específica de códigos de comportamento e responsabilidade, D. formou crenças disfuncionais – transcritas ao longo do trabalho – que face a um incidente crítico ocorre a activação das crenças: as suas obsessões tornam-se o foco da responsabilidade, pensamentos automáticos negativos e o desenvolvimento extensivo de “neutralização/correcção”. Face a isto, D. processa todos os comportamentos motores, cognitivos, emocionais e fisiológicos. De acordo com o marido, os comportamentos da paciente relacionam-se com características da sua própria personalidade, pois sempre a conheceu assim (e.g. “sempre foi assim, desde quando ela tinha 10 anos”), embora considere que se agravou desde o nascimento do filho e a consequente Depressão Pós-parto. Por sua vez, a paciente apresenta determinados traços personalísticos (e.g. “sou teimosa, as coisas têm que ser à minha maneira, como eu quero, à hora que quero”…”se eu àquela hora – 22:00 – tinha forças para fazer limpeza, o meu marido também tinha, qualquer pessoa tinha, eu acho”) que contribuem para a sua atitude face ao processo terapêutico. É de considerar ainda, o comportamento alimentar da paciente na medida em que, frequentemente esquece-se de comer e depois quando o faz ingere uma quantidade exagerada de alimentos provocando-lhe consequentemente vómitos e mau-estar. Este facto encontra-se directamente relacionado com fortes flutuações de Humor. A paciente refere apresentar ainda perturbação do Sono, na medida em que ocorre permanecer três noites sem dormir, o que consequentemente lhe provoca acentuadas dificuldades de focalização da atenção e baixo rendimento laboral.

Concomitantemente com as dificuldades já apresentadas, a paciente apresenta episódios convulsivos de grande espectro (tónico-clónicas), embora esta condição médica esteja ainda em avaliação. Todavia, a paciente caracteriza esses episódios que têm ocorrido com maior regularidade, como tendo dores no peito, dificuldades de respiração, espasmos tónico-clónicas, “enrolar” a língua, movimentos rítmicos das pálpebras, perda de consciência. De igual modo, a paciente refere que a estes episódios antecedem períodos de elevada ansiedade e ruminação de pensamentos “que não consegue afastar” (cit.). Sendo esta informação confirmada pelo próprio marido em sessões posteriores. Embora a paciente enumere uma série de queixas, esta revela acentuada resistência na toma de medicação na medida em que, não mantém contínuo a prescrição médica pois interrompe o tratamento. Relativamente às repercussões que esta problemática parece despoletar e ser sustentada pelo relacionamento conjugal seria importante darmos aqui alguma atenção. Enquanto casal, a paciente juntamente com o marido referem algumas situações que decorrem e que, por sua vez, prejudicam o relacionamento, nomeadamente a perda de libido da paciente (e.g. “desde que nasceu o Alexandre perdi o interesse em relações sexuais”…”não percebo a necessidade disso”…”não acho uma coisa

DISSERTAÇÃO CONDUCENTE A GRAU DE MESTRE UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR 2007/2008 65

importante”); as sucessivas compulsões relacionadas com a limpeza (e.g. o marido refere: “não me sinto com forças, quer a nível físico quer psicológico, para conseguir dirigir as coisas que ela faz, para suportar as mesquinhices…limpar tudo várias vezes ao dia”); a tentativa de incutir determinados padrões de higiene e comportamentos de responsabilidade no filho de 2 anos (e.g. “acho bonito quando vejo o meu filho com a esfregona e o detergente para desinfectar”…”é tão pequeno e já sabe que tem que limpar”, “ele já sabe me ajuda a guardar as almofadas dentro do armário”); a resistência da paciente face à medicação na medida em que, mesmo com prescrição médica não mantém o tratamento contínuo provocando ansiedade e desespero do marido pois sente-se incapaz de ajudar a esposa. Neste sentido, verifica-se que o relacionamento entre casal encontra-se directamente influenciado e “desgastado” por todo este conjunto de obsessões, sintomatologia depressiva e padrão de impulsividade apresentando pela paciente.

HISTÓRIA CLÍNICA

A paciente D. P. tem 29 anos de idade, reside no Concelho da Covilhã, é casada e reside com o marido e filho (2 anos). Licenciou-se em Ciências da Comunicação, bem como fez várias formações profissionais, e actualmente encontra-se desempregada (antes funcionária da Câmara Municipal da Covilhã no sector dos transportes escolares). É referida pela mãe à consulta de Neuropsicologia (já que esta era acompanhada juntamente com o seu pai neste serviço) após queixas sucessivas relativamente ao seu estado de humor. Apresenta historial de vários internamentos no Hospital Universitário de Coimbra que culminaram com o diagnóstico de Hipertensão intracraniana benigna (aos 18 anos); de Sela Turca Vazia; de Bócio Difuso Simples e Hipertiroidismo. Ainda relativamente ao seu historial clínico, engravidou aos 27 anos, tendo sido considerada uma gravidez de alto risco. Após o nascimento do seu filho, os médicos consideraram que esta apresentava um quadro clínico concernente com Depressão Pós-Parto, tendo sido encaminhada para um psicólogo.

Outline

Documentos relacionados