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CAPÍTULO 3: ANÁLISE DAS FONTES

3.1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA

Esta dissertação analisa comparativamente como a temática da Raça foi discutida por José Ingenieros e por Manoel Bomfim nas duas primeiras décadas do século XX. A hipótese desta pesquisa é que ambos os autores buscaram definir qual seria o legítimo “povo” de seus respectivos países a partir de um critério racial. É relevante pensar sobre a questão racial nos escritos de Ingenieros e de Bomfim para compreender as ideias e os sonhos dos homens do século passado, e refletir também, sobre questões significativas ao campo de estudo dos historiadores americanistas, pois este trabalho busca esclarecer duas concepções de mundo que deliberavam sobre “qual” seria o genuíno povo argentino e o autêntico povo brasileiro.

Antes de ponderar sobre esta problemática, é importante fazer uma sucinta discussão sobre História Comparada, afinal, este método de estudo é o alicerce desta dissertação. Segundo José Barros (2007), a História Comparada é uma modalidade historiográfica marcada pela complexidade, “já que se refere tanto a um ‘modo específico de observar a história’, como à escolha de um ‘campo de observação’ específico” (BARROS, 2007, p. 9). Ela é um duplo ou até mesmo um múltiplo campo de observação que exige sempre duas indagações simultâneas “o que observar?” e “como observar?”. Estas duas perguntas também foram feitas ao longo da execução desta dissertação, que optou por examinar as concepções de mundo de José Ingenieros e de Manoel Bomfim nas duas primeiras décadas do século XX. Estes autores foram elencados como “objeto” de observação porque seus escritos projetam para as mulheres e os homens do século XXI uma imagem de mundo incrivelmente complexa e contraditória, que revela os sonhos e os medos da geração a qual eles pertenciam. Em relação ao questionamento “como observar?”, este estudo decidiu analisar como fonte apenas um livro de cada autor –

Manoel Bomfim - que são escritos que revelam como estes intelectuais pensaram sobre a formação de uma identidade racial dos povos de seus respectivos países.

As obras A simulação na luta pela vida e Crônicas de Viagem – de Ingenieros – também poderiam ser utilizadas como fonte deste estudo. Contudo, nenhuma delas foi eleita porque não satisfaziam completamente às necessidades da temática que esta pesquisa decidiu abordar. A primeira é uma obra perfeita para pensar o cientificismo no pensamento ingenieriano, mas faz uma discussão pequena sobre o tema da raça. A segunda é ideal para refletir sobre a postura “racista” e elitista do ítalo-argentino, todavia, não faz nenhuma discussão sobre “quem” seria o povo argentino. Também, os livros O Brasil na América, O Brasil Nação e O Brasil na

História – de Bomfim – não puderam ser utilizados como fonte principal por uma

questão de recorte temporal, pois eles foram publicados após a morte de José Ingenieros, e usá-los seria fugir da proposta deste trabalho, que é realizar um estudo comparativo entre homens contemporâneos.

Também, Barros afirma que a História Comparada consiste na possibilidade de examinar sistematicamente como um mesmo problema pode atravessar: duas ou mais realidades históricas distintas; duas estruturas situadas no espaço e no tempo; duas mentalidades; dois repertórios de representação etc. A História Comparada pode ser utilizada para compreender vidas humanas individuais confrontadas em análises paralelas, e também permite ao historiador fazer a própria escolha de um problema histórico muito específico que ele queira examinar. Além disto, a História Comparada é uma modalidade historiográfica que atua de forma integradora e simultânea sobre os campos de observação diferenciados e delimitados que ela mesma constitui e delineia, colocando em confronto duas realidades diferenciadas. Nesta perspectiva, esta dissertação examina como o mesmo problema - Raça - foi pensado, em um determinado momento, na sociedade argentina e na brasileira tomando como referencial o pensamento de Ingenieros e de Bomfim. Este estudo contrapõe paralelamente dois imaginários sobre como o tema da raça e o espaço dos indivíduos na sociedade (de acordo com a sua origem racial) foi discutido pelos homens do começo do século XX. É interessante ponderar que o estudo comparativo entre as ideias de Ingenieros e de Bomfim poderia ser feito a partir da eleição de outro eixo temático. Seria possível analisar como estes intelectuais

pensaram a questão do Imperialismo; seria viável fazer um estudo sobre como eles refletiram o tema do Parasitismo Social; analisar o posicionamento deles sobre a valorização das instituições educacionais; etc. Contudo, esta dissertação escolheu refletir acerca da problemática Raça porque este tema ainda permanece atual e relevante para a historiografia latino-americana.

Por fim, pode-se afirmar que, sem analogias e diferenças, não é possível falar de uma autêntica História Comparada. O método de estudo comparativo ilumina um objeto ou uma situação a partir do outro, de modo tal que a prática comparativa necessita fazer analogias e identificar diferenças e semelhanças entre duas realidades a ponto de perceber variações de um mesmo modelo. Além disto, Barros afirma que:

“Comparar”, “elencar semelhanças e diferenças” e “estabelecer analogias” são naturalmente ações tão familiares ao historiador como contextualizar os acontecimentos ou dialogar com as suas fontes. Mas para falarmos em um “método comparativo” é preciso ultrapassar aquele uso mais próximo da intuição e da utilização cotidiana da comparação para alcançar um nível de observação e análise mais profundo e sistematizado, para o qual “o que se pode comparar” e “como se compara” tornam-se questões relevantes, fundadoras de um gesto metodológico (BARROS, 2007, p. 12).

É importante ponderar que, ao longo de toda dissertação, houve a preocupação de elencar as semelhanças e as diferenças entre o pensamento de Ingenieros e de Bomfim a partir do confrontamento paralelo da vida e obra destes autores. O presente capítulo deste trabalho busca fazer uma análise sistematizada do tema específico – Raça – e relacioná-lo à como estes intelectuais pensaram sobre a questão da identidade racial do povo de seus respectivos países.