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Rocha 9 , que trabalha na companhia Mundo Perfeito do encenador e director

5. Projeto “Antes de Começar” de José de Almada Negreiros

5.1. Apresentação e fundamentação do tema

A peça “Antes de Começar” consiste em um único ato e apresenta muitas características do Teatro Sensacionalista Almadiano, do seu conceito de “ingenuidade” ou “esperteza saloia”151. Embora pareçam estar latentes no texto,

podemos encontrar vários elementos que demonstram que a peça é um dos melhores exemplos da indagação estética sensacionalista acerca da função e do sentido das sensações (LUNA, 2015). Juntamente com “Deseja-se Mulher”, “Antes de Começar” apresenta uma das peças de Almada Negreiros levada à cena, ambas com encenação de Fernando Amado (COSTA, 2013). O texto foi escrito por Almada Negreiros em 1919 mas, como explicam Joaquim Vieira (2010) e José-

151 Este conceito deriva do título de uma obra de José de Almada Negreiros (2006) “Elogio da ingenuidade ou as desventuras da esperteza saloia” in “José de Almada Negreiros. Manifestos e Conferências”, Assírio & Alvim, Lisboa.

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Augusto França (1997), foi encenado apenas trinta e sete anos depois, em 1956. A época em que o texto foi escrito é diferente do período em que foi publicado, razão pela qual o seu carácter dramático, pertencente aos anos de sua escrita, representa características que se destacam do drama que pertence aos anos de sua publicação (LUNA, 2015).

As personagens da peça são um boneco e uma boneca, um menino e uma menina, dois bonecos de Teatro de marionetes que dialogam por de trás do pano durante os momentos antes de iniciar um espetáculo para crianças. Os bonecos descobrem que ambos têm a capacidade de falar e começam, pela primeira vez, a conversar. Pela sua relação com os sentidos e pela sua fantasia incomum as personagens parecem surrealistas, mas na verdade não são surrealistas porque não detêm nem agressividade, nem conflito dramático-existencial, verdade que também se encontra no fato de que “os bonecos gostam das crianças o suficiente para deixarem-se serem manipulados por cordões durante o espetáculo e fingirem que não possuem vida para imitarem a vida através do engenho das marionetes” (LUNA, 2015: 7).

A peça inicia-se com um apontamento acerca do cenário em que o autor explica que “depois de subir o pano, ouve-se um tambor que se vai afastando. Quando já mal se ouve o tambor, o Boneco levanta-se, e vai espreitar ao fundo lá fora” (ALMADA NEGREIROS, 1919: 1), indicando o afastamento dos personagens humanos, e termina aludindo a um estímulo auditivo (como no caso inicial) que indica a proximidade de tais figuras, com a abertura do pano num Teatro cheio de crianças e pais (LUNA, 2015). Os dois bonecos, escondidos dos seres humanos, se questionam sobre a vida em busca da verdade, descobrindo-se e partilhando a capacidade de perceber o mundo à sua volta. Através de um jogo de aprendizagem dos sentidos, os dois bonecos desenvolvem um processo de retorno aos conceitos de “ingenuidade” ou à “esperteza saloia” de Almada Negreiros, já referenciados, anteriormente. Como Jairo Nogueira Luna152 (2015)

testemunha, em um determinado momento da conversa, depois terem manifestado uma série de estados de alma, os bonecos, chegam à conclusão de que qualquer compreensão acerca do mundo exterior não é nada mais do que

152 Investigador, poeta, professor brasileiro contemporâneo. Criador do conceito de crítica literária denominado “Neo-estruturalismo Semiótico” e do conceito de poesia chamada de “Metamodernismo”. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jayro_Luna , acedido a 17/01/2018

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uma mediação do autêntico conhecimento, que seria aquele que provém do interior do coração.

Duílio Colombini153 (1978) observa: “Julgamos lícito encarar os bonecos

como valores psíquicos: o Boneco, o animus, e a boneca, a anima, os dois princípios do ser integral. A individualização de ambos os componentes da psique, tratada como o sistema completo do animus e da anima, teria sido o que motivou-o a tratá-los como bonecos, ou seja, corpos, concretizações de vida própria no conjunto igualmente dual de espírito e matéria no Homem.” (COLOMBINI, 1978: 119-120).

Esta metáfora representada pelos bonecos, torna a obra em questão “um exemplo notável de Teatro poético e de idéias” (COLOMBINI, 1978: 122), entendendo uma visão poética do texto. Ou seja, trata-se do entendimento em relaçao à maneira como os dois bonecos investigam sobre as suas capacidades de ver a realidade e entender o mundo à sua volta, e uma visão metafórica, em relação ao que os dois bonecos representam enquanto personificações dos estados de animus e anima.

As reflexões de Jairo Nogueira Luna (2015) sobre a peça Antes de Começar fazem pensar que, possivelmente, o principal motivo que impeliu Almada Negreiros a escrever este texto fosse contido na sua vontade de mostrar que, antes de prosseguir qualquer intenção de revolução através da arte é necessário dar um passo atrás para a transformar, em função da realidade que se quer interpretar, a maneira do ser humano sentir, experimentar, conhecer. Deste modo, Almada Negreiros provava que ver o mundo com a mesma aptidão com que as crianças vêem, pode ser útil para tornar os homens menos cegos perante a verdade. A peça, portanto, apresenta-se como uma reflexão sobre a precariedade da vida, sobre o que acontece quando as pessoas seguem a cabeça e não o coração.

Este espetáculo foi estreado e apresentado ao público ao longo do tempo. Para esta investigação, pareceu importante conhecer casos recentes que servissem de base para pensar um cenário para uma apresentação da peça de Almada Negreiros no Teatro Sá de Miranda de Viana do Castelo. Nos últimos anos destacam-se os figurinos e os adereços de Cátia Barros, em 2015, numa encenação no Teatro Municipal de Bragança e no Palácio do Bolhão, e em 2016,

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no Festival de Teatro infantil “Era uma Vez por Mês”, e as concepção cénicas de Jorge Gomes Ribeiro e Rita Fernandes, em 2017, numa encenação no Teatro da Luz e na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Figura 48 – “Antes de Começar, coprodução do Teatro do Bolhão e do Teatro Municipal de Bragança, encenação de Joana Providência, com espaço cénico, figurinos e adereços de Cátia Barros, encenado no Teatro Municipal de Bragança e no Palácio do Bolhão em 2015, em Sever do

Vouga e no Mosteiro de Tibães, em Braga, no Festival de Teatro infantil “Era uma Vez por Mês” em 2016” Fonte:154

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Figura 49 – “Antes de Começar, produção da Companhia da Esquina, adaptação e dramaturgia de Jorge Gomes Ribeiro, concepção cénica de Jorge Gomes Ribeiro e Rita Fernandes, espetaculo

encenado no Teatro da Luz e na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2017” Fonte:155

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5.2. O Papel do Desenho na Criação de Propostas para