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Em abril de 2012, fui até o museu Theo Brandão na cidade de Maceió, assistir a um seminário promovido pela UFAL intitulado Abril Indígena, no dia foram travadas discussões sobre etnias locais com a participação de pesquisadores e comunidades indígenas.

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Chegando lá, tive contato com algumas lideranças Xucuru-Kariri, momento em que apresentei minha proposta de pesquisa. Durante a conversa, expus a minha vontade em visitar os sítios arqueológicos e criar um mapa para a comunidade, visto que durante muito tempo esses lugares foram relegados ao esquecimento e muitos estavam expostos a destruição.

Após esse evento, fui convidada para participar de uma reunião com os Xucuru- Kariri na área de Retomada29, que ocorreu no dia 6 de junho de 2012. Durante a assembleia, aconteceram várias deliberações do grupo, referentes a assuntos diversos quais sejam: organização do comitê gestor, planejamento da ida de alguns membros a Brasília para tratar assuntos sobre a demarcação de terras, e os últimos acertos da comitiva que foi representando os Xucuru-Kariri na Rio+2030. Após a discussão desses temas, apresentei a pauta de minha pesquisa de mestrado, daí lancei a proposta de mapeamento participativo, que incluía a visita aos sítios arqueológicos escolhidos pela comunidade com o acompanhamento de uma comitiva indígena. Durante a reunião, várias lideranças, membros da comunidade e o Missionário Sebastião (representante regional do CIMI em Alagoas) se pronunciaram sobre a temática. Ao final das discussões, aceitaram a proposta e foi escolhida uma comitiva indígena com representantes de diversas aldeias31.

O mapeamento de sítios arqueológicos foi pensado como uma iniciativa de aproximação dos Xucuru-Kariri com os espaços representativos para o grupo. Desde o início do processo de visibilidade, há menção desses lugares feita pelos indígenas, como marcas deixadas pelos antepassados (OLIVEIRA C., 1943; ANTUNES, 1973; PINTO, 2006; TEIXEIRA, 2012). As visitas realizadas na região por pesquisadores e demais entidades, que auxiliaram no processo de retomada das terras indígenas, sempre se depararam com a grande riqueza do patrimônio arqueológico existente no município. No entanto, o que se observa nos depoimentos dos Xucuru-Kariri é que pela sociedade civil em geral nunca houve uma preocupação em preservá-los. Muitos sítios foram destruídos em favor do progresso. Na reunião, vários relatos foram marcantes denunciando essa prática.

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Área que no momento estava em processo de aquisição e foi denominada pelos Xucuru-Kariri como área de Retomada em Palmeira dos Índios.

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Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), realizada entre os dias 13 e 22 de junho de 2012 na cidade do Rio de Janeiro com o objetivo de discutir a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável.

Disponível em: <www.http://www.rio20.gov.br/sobre_a_rio_mais_20.html>. Acesso em: 25 nov. 2012.

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“Em Palmeira mesmo, na construção daquele São Bernardo Hotel32

, quando estavam construindo aquilo ali, cavando e fazendo terraplanagem, esbagaçaram muitas igaçabas completas de osso”. (Entrevista na Reunião para deliberação da pesquisa: fala de Gecivaldo Ferreira de Queiroz – Junho, 2012). O depoimento de Gecivaldo Queiroz expôs a depredação de sítios arqueológicos no município e a falta de cuidado por parte do poder público para conservar esses lugares.

Antônio Celestino, um dos membros mais velhos da comunidade, também denunciou a falta de respeito da sociedade civil quanto à história ancestral de seu povo. “Porque na cidade eu tenho conhecimento, a máquina passa e explora.” (Reunião para deliberação da pesquisa: fala de Antonio Celestino – junho, 2012). A passagem das máquinas de construção civil não é novidade na cidade, é uma prática naturalizada em prol do desenvolvimento do município. Raquel Xucuru-Kariri, em sua fala, deixou expresso que esse procedimento é comum. “(...) e hoje é comum arrancar em Palmeira dos Índios. Até mesmo quando tão calçando uma rua, arrancam e passam por cima, né?” (Reunião para deliberação da pesquisa: fala de Raquel sobre a arrancada de urnas funerárias – junho, 2012).

Celso Celestino, durante a reunião, lembrou um episódio conhecido, a construção do Cristo do Goiti, uma imagem de Cristo semelhante ao Corcovado construída na Serra do mesmo nome na década de 1970. Durante as obras da via de acesso ao Cristo, foram retiradas várias urnas pela construção civil sem a participação de especialistas, nem de membros da comunidade indígena.

“(...) que a realidade hoje é acabaram os cemitérios indígenas dos nossos antepassados, né? Como foi colocado ali, subindo ali o Cristo, teve uma época que foi arrancada várias ali né? Na construção daquele calçamento que sobre o Cristo, quebrou várias. Ali subindo no Candará, também foi tirada na construção daquela estrada. Então isso era bom que se tivesse também leis encima disso, pra que não acabasse mais.” (Reunião para deliberação da pesquisa: fala de Celso Celestino – junho, 2012).

Os depoimentos referentes à falta de cuidado com o patrimônio arqueológico local não são de agora. Muitas vezes, durante visitas anteriores a Palmeira dos Índios e em conversas com pessoas que trabalharam na região, haviam denunciam que os sítios arqueológicos eram destruídos para construção de estradas, prédios, residências.

Mediante os relatos, percebemos que ao longo dos anos os signos representativos do grupo foram expropriados pelo universo não-índio. Nessas práticas legitimadas em várias

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esferas da sociedade, fica clara a imposição do discurso colonialista e o processo de violência epistêmica ao qual a comunidade foi exposta (GNECCO, 2009; HABER, 2011). No campo científico, com a apropriação do material arqueológico para procura de respostas sobre antigos povoamentos; e na esfera social e econômica, com a construção de casas, do Hotel São Bernardo, e da via de acesso ao Cristo do Goiti.

Foto 04: Reunião na área de retomada Xucuru-Kariri. Foto 05: Reunião na área de retomada Xucuru-Kariri.