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CAPÍTULO 2. METODOLOGIA DE PESQUISA

2.4. O trabalho de campo: o contato com as comunidades e as ferramentas

2.4.2. Apresentando os participantes da pesquisa

Aqui, faço uma breve descrição sobre o perfil dos participantes da pesquisa, sendo eles alunos, pais de alunos, professoras e estagiárias31.

A pesquisa ocorreu em duas escolas – a da Linha32 Cerejeira e da Linha Pinheiros – que atendem quatro comunidades rurais, formadas por descendentes de ucranianos e poloneses; com isso, os sujeitos da pesquisa (pais e alunos) se declaram descendentes de ucranianos e poloneses, falantes dessas línguas. Segundo os participantes, todos os alunos têm ascendência ucraniana, e alguns têm também ascendência polonesa.

A escola de Linha Cerejeira atende um total de 60 alunos, que frequentam as turmas do pré ao 5º ano; tem o seu funcionamento nos períodos matutino e

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Anotações de diário de campo, dia 02/02/2016.

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Lembrando que os nomes com os quais são apresentados os sujeitos da pesquisa e das Linhas são pseudônimos.

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Muitas localidades rurais de Prudentópolis são reconhecidas como Linhas; esse fato pode ser explicado pelo município ter sido loteado para os imigrantes e os lotes doados foram geograficamente cortados por linhas, as quais mais tarde demarcam as fronteiras de uma comunidade para outra.

vespertino. Nesta escola, foram observadas duas salas de aula com turmas multisseriadas, a turma do pré I e pré II, formada por 21 alunos, sendo 15 alunos do pré I e 6 alunos do pré II, e a turma do 1º e 2º ano, formada por 13 alunos, sendo 8 alunos do 1º ano e 5 alunos do 2º ano. Ainda nesta escola, lecionam duas professoras (Silmara e Marlene), e trabalham uma funcionária dos serviços gerais e uma estagiária, que é estudante do Ensino Médio, moradora da localidade, descendente de ucranianos e falantes das línguas ucranianas e portuguesas.

A escola de Linha Pinheiros é formada por uma turma multisseriada e tem o seu funcionamento no período vespertino; a turma investigada tem um total de 18 alunos, que são estudantes do pré I, pré II, 1º ano, 2º ano e 3º ano. O pré I é formado por 3 alunos, o pré II tem 4 alunos; o 1º ano tem somente 1 aluno; a turma do 2º ano tem 4 alunos e o 3º ano tem 6 alunos. Nesta escola, lecionam duas professoras (Cássia e Gabriele), e trabalha uma estagiária, estudante do Ensino Médio, descendente de ucranianos, falante das línguas ucranianas e portuguesas.

A escola está localizada em contexto multilíngue e os alunos são falantes dessas línguas (ucranianas, polonesas e portuguesas), portanto, tornou-se relevante conhecer a ascendência das professoras, com o objetivo de verificar se tinham a mesma ascendência e se falavam as mesmas línguas dos alunos. Lembrando que como é uma escola situada em área rural e o acesso é dificultado pelas condições das estradas, durante o ano ocorrem trocas de professores.

A professora Silmara, da escola de Linha Cerejeira, diz ser descendente de ucranianos, no entanto, depois comenta que por parte “da mãe é mais o polonês33”.

Desse modo, observamos que a professora Silmara tem ascendência ucraniana e polonesa. Diante da ascendência relatada, tornou-se relevante perguntar sobre qual foi a sua primeira língua. Esta informou que a sua primeira língua foi a ucraniana, o que motivou investigar em que momento a professora Silmara aprendeu a falar a língua portuguesa, ao que ela informou: “aprendi o português na escola34”. A

professora relatou sua experiência mediada pela experiência mais ampla de familiares:

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Entrevista realizada no dia 25/08/2016: pergunta realizada: tem outras ascendências, além da ucraniana na família?

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Pergunta: Em que momento e onde você aprendeu a falar a língua portuguesa? Entrevista realizada no dia 25/08/2016.

[...] foi difícil, eu não lembro assim muita coisa, mas é depois nasceu minha irmã caçula e ela não falava quase nada em ucraniano, tipo ela entende tudo, mas ela não fala quase nada, por causa que, ela não consegue, porque daí meus irmãos mais velhos, eles não queriam ensinar o ucraniano pra ela não sofrer na escola, como todos nós sofremos, porque foi bem difícil, então primeiro a professora teve que ensinar, foi com a professora que a gente aprendeu, com os colegas eu e todos os meus outros irmãos, a minha irmã mais nova não, porque daí é por insistência dos irmãos mais velhos que já sofreram na escola foi ensinado mais o português35. (Entrevista realizada no dia 25/08/2016).

Pela fala da professora Silmara, a professora “sofreu” no processo de aprendizagem da língua portuguesa na escola; não somente ela, mas também os seus irmãos, o que acarretou a insistência por parte dos irmãos mais velhos para que os pais não ensinassem à irmã caçula a língua ucraniana. Sua experiência e a de seus familiares levaram a professora a conceber o uso da língua materna na escola como uma dificuldade. Essa percepção também a leva a compreender que é uma dificuldade e pode gerar sofrimento também para as crianças, pois na escola o espaço é voltado para a língua portuguesa.

A professora Marlene, da escola de Linha Cerejeira, diz ser descendente somente de ucranianos e que sua primeira língua foi a ucraniana; quando questionada sobre onde aprendeu a falar a língua portuguesa, a resposta, assim como a da professora Silmara, é que aprendeu o português na escola. Esse processo, na visão da professora Marlene, foi gradual, o que não impediu que houvesse sofrimento: “eu sofri no começo, mas aprendi rápido o português36”.

Talvez a percepção de que aprendeu rápido tenha minimizado a dimensão do sofrimento.

Diante da resposta das duas professoras, nota-se que parte significativa do processo de aprendizagem da língua portuguesa nas comunidades multilíngues de Prudentópolis muitas vezes ocorreu na escola. A experiência escolar, para algumas pessoas, marcada por sofrimento, as leva a “renunciar” ao uso da língua materna ucraniana.

Os relatos dessas duas professoras indicam que é importante comentar que elas, no ano letivo de 2016, no período de participação na pesquisa, não usaram o ucraniano em contexto escolar, nem nas interações entre si, nem nas interações com os alunos.

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Pergunta realizada: Como foi esse processo de aprendizado da língua portuguesa?

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Pergunta: Como foi esse processo de aprender o português na escola? Entrevista realizada no dia 25/08/2016.

A professora Cássia, da escola da Linha Pinheiros, também se declara descendente de ucraniano; ela ainda diz que a sua primeira língua foi a ucraniana, “primeiro aprendi o ucraniano e depois o português, na verdade o português eu aprendi quando fui pra escola37”. O processo de aprendizagem da língua portuguesa, segundo a professora, não foi difícil, já que

[...] a professora falava mais o ucraniano com nós, só quando não dava pra usar o ucraniano é que ela usava o português, e assim ela ensinou nós falar em português, mas não deixou de falar o ucraniano, mesmo depois que aprendemos o português, a gente falava quase só o ucraniano na escola. (Entrevista realizada dia 27/07/2016).

Entendemos que é importante assinalar que essa professora, no decorrer da pesquisa, usava a língua ucraniana na escola. Esse uso parece estar marcado pela sua experiência pessoal como estudante. Enquanto as professoras que relataram sua escolarização e aprendizagem da língua portuguesa marcadas por sofrimento não usam a língua ucraniana na escola, a professora que a usava na escola quando era aluna também a usa agora, na condição de professora com seus alunos. Um aspecto interessante de se destacar é que, quando a professora usava a língua ucraniana, tinha algo de diferente, era diferente ouvi-la falar em sua língua materna e na língua portuguesa. Por isso, certo dia, a questionei sobre o porquê desse tom diferente que ela usava ao falar na língua ucraniana, e ela afirmou:

Essa é a minha língua, eu amo ela, falando o ucraniano posso sentir minhas raízes, coisa que não consigo ao falar o português e as crianças percebem isso, sabem que eu sou igual a eles, por isso eles não têm vergonha de falar o ucraniano comigo. (Entrevista realizada dia 20/08/2016)

Na resposta da professora Cássia, observamos que a língua materna (ucraniana) é carregada de “valor”. Essa valoração atribuída pela professora provavelmente é partilhada por outros falantes que a relacionam com as “raízes” que, nesse caso, refere-se ao processo de imigração e ao pertencimento ucraniano.

A professora Gabriele, da escola de Linha Pinheiros, afirma ser descendente de ucranianos e diz que aprendeu o português na escola. Ela comenta: “eu, de certo, até o quarto ano falava malemar [o português], porque eu sei que fui estudar pra cidade no ginásio, eu não sabia muito bem o português, depois que eu fui

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aprender mais lá na cidade38”. Diante da resposta da professora Gabriele, nota-se que nas comunidades rurais em algumas escolas usa-se o ucraniano nas interações dentro da sala de aula; no entanto, na área urbana do município, a língua falada era a língua portuguesa. Este uso pode estar relacionado ao fato de, na cidade, a escola estar sob ação mais intensa da ideologia do monolinguismo. Nas escolas rurais, em alguns contextos e com alguns falantes, parece que essa ideologia parece que era confrontada ou enfraquecida.

Diante das respostas das professoras da escola de Linha Pinheiros, é interessante comentar que, no decorrer da pesquisa, a professora Cássia falava em língua ucraniana com os alunos e com a estagiária em diversos momentos em sala de aula; já a professora Gabriele usava só a língua portuguesa nas interações dentro do espaço escolar.

As estagiárias que trabalhavam nas escolas no período da investigação eram moradoras da comunidade e descendentes de ucranianos. A estagiária da escola de Linha Cerejeira usava somente a língua portuguesa em contexto escolar, e a estagiária da escola de Linha Pinheiros usava tanto esta língua quanto a língua ucraniana em diversos momentos na escola.

Professora Silmara Professora Marlene Professora Cássia Professora Gabriele

Idade 24 anos 41 anos 37 anos 53 anos

Local de

nascimento

Prudentópolis Prudentópolis Prudentópolis Prudentópolis

Ascendência Ucraniana e polonesa

Ucraniana Ucraniana Ucraniana

Línguas faladas Portuguesas/ brasileiras39 e ucranianas Portuguesas/ brasileiras e ucranianas Portuguesas/ brasileiras e ucranianas Portuguesas/ brasileiras e ucranianas Escola ensino primário

Rural Rural Rural Rural

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Entrevista realizada no dia 20/08/2016.

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Rural ou urbana Ano de formação 2012 2014 2003 (Magistério) 2010 (Pedagogia) 1978 (Magistério) 2010 (Pedagogia) Local de formação

Unicentro Unicentro Unicentro/ Distância Unicentro/ Distância Curso em que tem formação

Pedagogia Pedagogia Magistério / Pedagogia

Magistério / Pedagogia

2.4.3. O Primeiro contato com as comunidades, com a escola e com