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APROPRIAÇÃO DA MEMÓRIA DA GUERRILHA DO ARAGUAIA:

DISPUTAS POR TERRAS E VIOLÊNCIAS1

No domingo, 13 de setembro de 1987, o jornal O Estado de São Paulo amanheceu estampando como matéria de capa, em letras grandes e destacadas: “Sandinistas agem no Araguaia, acusa juiz”. Nas páginas seguintes, como parte de seu caderno “Noticiário Geral”, complementava a bombástica notícia sob o título “Nicarágua age nos conflitos do Pará”. O jornal informava que as autoridades federais já haviam tomado conhecimento da existência de três guerrilheiros da Frente Sandinista nas áreas de floresta do sul do Pará “onde estariam insuflando e treinando posseiros a invadirem terras” de fazendeiros e de grandes empresas agropecuárias. Ricardo Rezende Figueira, padre da Diocese de Conceição do Araguaia e coordenador local da Comissão Pastoral da Terra (CPT), era a pessoa que, segundo o jornal, havia feito os contatos com os Sandinistas em viagem recente à Nicarágua. O jornal anunciava também que o padre era responsável por armar posseiros e incentivar as invasões de terras, num sentido claro de desestabilizar a classe produtora do campo. Segundo o jornal, aquelas acusações teriam partido do Dr. Eronides Souza Primo2, juiz da Comarca de Conceição do Araguaia, e do proprietário da Fazenda Bela Vista, naquele município, Jurandy Siqueira. Essa foi o início de uma série de reportagens nos principais jornais do Sudeste do Brasil, entre 13 e 17 daquele mês.

Essa notícia acionou o Ministro da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD), o diretor-geral da Polícia Federal (PF), a União Democrática Ruralista (UDR), a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (FARSUL), o Ministro da Cultura da Nicarágua, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Comissão Pastoral da Terra. Fato que, no dia seguinte, além de O Estado de São Paulo,

Diário da Tarde, de Minas Gerais, e o Correio do Brasil não deixaram de divulgar os

comentários de Iris Rezende, Ministro da Agricultura, que, na época, respondia também pelo MIRAD; de Ronaldo Caiado, presidente da UDR; e de Romeu Tuma, diretor-geral

1 As matérias jornalísticas pesquisadas para a construção deste capítulo encontram-se nos arquivos da CPT, nas cidades de Marabá (PA), Xinguara (PA) e Belém (PA). Esta entidade normalmente não arquiva jornais inteiros, mas reportagens recortadas e coladas em folhas de papel A4, organizadas por assuntos temáticos em pastas dispostas em armários de aço. Por esta razão, não foi possível analisar cada reportagem no conjunto de seu jornal.

2 Eronides Souza Primo é paraense, nascido em 1939. Assumiu como Pretor do Termo Judiciário de São João do Araguaia, em 19/06/1970. Foi nomeado para o cargo de Juiz de 1ª entrância, com lotação na Comarca de Conceição do Araguaia, assumido em 29/10/1982. Em 13/06/1990, foi promovido a Juiz da Comarca da Capital. Em 15/03/2002, foi nomeado para o cargo de Desembargador. Em 28/01/2009, despediu-se do exercício da magistratura quando se aposentou do serviço público.

da Polícia Federal, sobre a existência dos guerrilheiros no sul do Pará. Naquele dia 14, o

Diário da Tarde3 informava que Ronaldo Caiado teria dito que tais fatos seriam apurados pelo Exército e pela Polícia Federal, porque estava em jogo a soberania nacional, algo confirmado pelo Porta-Voz do Departamento da Polícia Federal, Carlos Marra, afirmando que Romeu Tuma, diretor-geral da Polícia Federal, já havia determinado tais apurações. Ronaldo Caiado aproveitou para levantar suspeita sobre a queda do avião que conduzia o ministro do MIRAD, Marcos Freire, em 08 de setembro daquele ano, em Carajás4: “Se realmente existem na região homens treinados para guerrilhas e sabotagem”, disse Caiado, “já podemos pensar na possibilidade de ter havido sabotagem no desastre em que morreram o ministro Marcos Freire e seus auxiliares, em Carajás, pois ele foi o primeiro ministro da conciliação no Ministério da Reforma Agrária”. Caiado também acusou o padre Ricardo Rezende Figueira de estar incitando “invasões” de fazendas no sul do Pará: “Este padre, que considero um bandido de alta periculosidade”, disse, “está à frente de toda a agitação que ocorre hoje na região, e tem contratado pistoleiros profissionais para as invasões, muitas delas com mortes, como foi o caso do fazendeiro Tarley Andrade5”. No mesmo dia, a UDR divulgou uma nota acusando o padre Ricardo Figueira, a CPT e o INCRA pelos conflitos na Fazenda Bela Vista e em todo o sul do Pará, concluindo nas últimas linhas do texto: “(...) na opinião do fazendeiro (Jurandy Siqueira, da Fazenda Bela Vista), aí está uma das chaves dos conflitos agrários; ‘para a CPT, assim como para alguns do INCRA, a paz no campo não interessa”.6

3 Diário da Tarde. Ativistas no Araguaia: governo promete apurar. Minas Gerais, 14/09/1987, p. 4. 4 Morreram no mesmo acidente o secretário-geral do ministério Dirceu Pessoa, o presidente do INCRA José Eduardo Vieira Raduan, o secretário particular José Coelho Teixeira Cavalcanti, os assessores Amaury Teixeira Cavalcanti e Ivan Ribeiro, o tenente-coronel aviador Wellington Rezende, o capitão aviador Jorge Shimonura e o 3º sargento Carlos Alberto da Silva.

5 Tarley Andrade era filho do tesoureiro nacional da UDR e amigo de Caiado, Jairo Andrade. Tarley foi morto no dia 19/12/1986 num confronto com os posseiros da Fazenda Agropecus e Forkilha, no município de Santana do Araguaia, hoje localizadas no município de Santa Maria das Barreiras. Na ocasião, diversos policiais militares e civis vestidos como trabalhadores rurais, secundados por pistoleiros, vasculharam casas a procura de posseiros que haviam se escondido devido às ameaças de morte ou de prisão. Seis chegaram a ser presos, sem mandado judicial, e torturados nas delegacias para que confessassem as suas participações na morte do fazendeiro. Outros 15 tiveram prisão preventiva, decretada por Dr. Eronides Primo, inclusive o Sr. Natal Viana, presidente do STR de Santana do Araguaia, que não era posseiro da área. Doze posseiros foram assassinados durante o conflito na área, como Antônio Bispo dos Santos (26/02/1987), enterrado pela PM no cemitério de Redenção com as inscrições: “cachorro”. Cf. CPT Norte II. Relatório de conflitos. Secretariado Regional. Belém, 1988; ANDRADE, Dep. Ademir. Depoimento na 43ª Sessão da Assembleia Constituinte, em 01/04/1987.

Assembléia Nacional Constituinte. Diário nº 38. Brasília, 02/04/1987, p. 10 e 11.

6 UNIÃO DEMOCRÁTICA RURALISTA, Sem Terras são responsabilizados pela tortura e morte de

Somente no dia 15 daquele mês, dois dias após a divulgação da primeira matéria, pressionado pela CNBB e pela CPT, inclusive depois que o Padre Ricardo Figueira havia acionado Luís Eduardo Greenhalgh, advogado de renomada atuação na defesa de presos políticos no tempo da ditadura civil-militar, que O Estado de São

Paulo procurou o padre Figueira para falar sobre o assunto e publicou na página oito de

seu caderno “Noticiário Geral” uma nota da CPT. Contudo, a referida nota aparece inserida à reportagem sob o título “CPT diz que denúncia é campanha contra ela”. Vê- se, assim, que a exposição escrita que a CPT fez não foi publicada à parte, mas introduzida numa matéria que o próprio jornal construiu. Para saber se ali está o texto da CPT, é preciso que o leitor percorra antes seis parágrafos e procure nos seguintes a escrita que está entre aspas. Nos parágrafos que antecedem à nota da CPT, segundo o jornal, Padre Ricardo Figueira havia dito: “Fui de fato à Nicarágua, mas, em 1974, ainda na época de Somoza, e desconheço a presença de qualquer cidadão da Nicarágua no Brasil ou no Pará”.7 Considerou fantasiosa a denúncia do juiz, afirmando que a sua atitude poderia prejudicar as relações do Brasil com a Nicarágua e o acusou de ser parcial em sua atuação enquanto magistrado, favorecendo os latifundiários e permitindo a impunidade de pistoleiros e da polícia.8 Disse ainda que este “em vez de divulgar denúncias infundadas, deveria apurar as dezenas de mortes, violência policial, prisões arbitrárias que foram feitas”.9 Já a nota da CPT acusava a UDR e o Jornal O

Estado de São Paulo de estarem preparando o assassinato do padre Ricardo Figueira:

O jornal O Estado de S. Paulo toma a si o encargo de criar na opinião pública o clima propício para que a UDR, através de suas milícias armadas, execute o assassinato do padre Ricardo Rezende Figueira, coordenador da CPT Araguaia-Tocantins (...). A Comissão Pastoral da terra - CPT - vem denunciar à opinião pública nacional e internacional que este mesmo clima antecedeu o assassinato do padre Josimo Tavares. Antes e depois do assassinato, o mesmo jornal publicou declarações de outro diretor da UDR, o médico Altari Veloso, que se referia ao padre Josimo como ‘bandido notório, indiciado por incitação a assassinatos’. Hoje, o Padre Josimo está morto e os assassinos e mandantes permanecem impunes (...). A Comissão Pastoral da Terra, responsabiliza a UDR, na pessoa de seu presidente, que responderá na justiça por suas declarações, o Sr. Ministro da Justiça, os proprietários do jornal, O Estado de S. Paulo, por qualquer violência que venha ocorrer ao padre Ricardo Rezende Figueira. Apelamos ainda ao Sr. Presidente da República para tomar as medidas urgentes e indispensáveis de proteção à vida do padre Ricardo, sob pena de conivência criminosa pela sua morte.10

7 O Estado de São Paulo. CPT diz que denúncia é campanha contra ela. São Paulo, 15/09/1987, p. 8. 8 Idem. Ibidem.

9 Idem. Ibidem. 10 Idem. Ibidem.

Logo após a nota da CPT, o jornal, em poucas linhas, tentou se desculpar afirmando que O Estado havia se limitado a divulgar declarações do juiz, do proprietário da fazenda Bela Vista e da coordenadora da CPT no Araguaia. Mas, na mesma página, antes dessa reportagem, o jornal publicou uma pequena matéria destacada num retângulo sob o título: “Tuma manda investigar”, afirmando que o diretor geral da Polícia Federal havia mandado investigar o caso da presença dos sandinistas no Araguaia. Contudo, grande parte do que está ali escrito não se refere à possível investigação determinada por Romeu Tuma, diretor geral da PF, conforme destacado no título. A matéria se limitou em trazer informações do diretor da FARSUL, o proprietário de terras Camilo Cottens, que não deixou de classificar que a presença dos supostos sandinistas no sul do Pará era uma “violação da soberania nacional” que, segundo ele, deveriam “ser levados aos tribunais”, pois estavam praticando “subversão”. O jornal divulgou ainda, na mesma página, uma reportagem de Murilo Murça, enviado especial de O Estado a Conceição do Araguaia, sob o título: “Até trincheira na região do Araguaia”, a qual trazia o que teria sido a fala do empresário Jurandy Gonçalves Siqueira, proprietário da Fazenda Bela Vista: “(...) a tática da Pastoral, tentando jogar areia nos olhos do grande público, para encobrir um dos mais bárbaros crimes cometidos pelos sem-terra na região”. Na sua versão, o padre Ricardo Rezende Figueira havia comandado a emboscada dos posseiros que tinha resultado na morte do pistoleiro Adão Barbosa em sua fazenda, em 28 de abril daquele ano. Murilo Murça informava também que oficiais do Exército haviam constatado na semana que antecedeu o dia 13 de setembro “a existência de trincheiras estrategicamente cavadas em torno da fazenda Bela Vista”. Essas informações teriam saído do comandante da PM de Conceição do Araguaia, major Holanda, que temia “a volta da guerrilha na região devido aos conflitos de terra”.11 Murça informava ainda

que o juiz Eronides Souza Primo e o fazendeiro Jurandy Siqueira acusavam o padre Ricardo Rezende de “ser o organizador e incitador das invasões agora com apoio estrangeiro, que teria sido obtido em sua última ida à Nicarágua a convite do governo e do clero daquele País”.

A subversão (termo usado pelo jornal) foi confirmada pelo juiz ao jornal três dias depois de divulgada a primeira matéria. O Estado de São Paulo continuou alimentando a suposta presença dos guerrilheiros sandinistas no sul do Pará. Murilo

Murça, enviado especial ao Pará, fez publicar, naquele dia 16 de setembro, sob o título “Juiz confirma subversão no Araguaia” reportagem que trouxe entre aspas trechos que teriam sido a fala do Juiz. Segundo o jornal, Dr. Eronides Souza Primo teria dito: “(...) como não tenho competência para resolver o problema e tendo em vista as invasões constantes de terra e a violência, comuniquei o fato às autoridades competentes, solicitando que fosse apurado, por se tratar de assunto de segurança nacional”. E tecendo mais comentários sobre os conflitos de terra teria dito: “de modo geral, não existem conflitos no sul do Pará. Eles são fabricados por grupos: entidades da Igreja e políticos com interesses eleitoreiros ou financeiros, que exploram de maneira inescrupulosa os trabalhadores rurais”.12 Segundo informou o jornal, embora negasse dizer de onde teriam partido as informações sobre a existência dos guerrilheiros nicaraguenses no sul do Pará, Eronides Souza Primo havia afirmado existir uma interferência estrangeira na região. Que ao expedir uma ordem judicial para que policiais ocupassem uma área em litígio recebeu logo depois oito telegramas de protesto contra a sua atitude, vindos da Alemanha. Informou ainda que a Polícia Militar havia encontrado na Fazenda Bela Vista, de Jurandy Gonçalves Siqueira, dezesseis trincheiras construídas por posseiros. Algumas delas, segundo o jornal, foram construídas com pedras e outras cavadas de forma a impedir o acesso de veículos que, ao cair nelas, teriam os pneus furados.

Naquele dia 16, sob o título “Sandinistas no Pará? Cardenal nega”, O Estado de

São Paulo divulgou também notícias sobre o encontro do Ministro da Cultura da

Nicarágua, o padre Ernesto Cardenal Martinez, com José Sarney para tratar de assunto referente à América Central. Nesse encontro, Cardenal Martinez contestou as denúncias do juiz de Conceição do Araguaia. E, no dia 17, o Jornal Correio do Brasil publicou uma matéria com o título: “juiz desmente denúncias”. Segundo este Jornal, o padre Ermano Allegri, secretário executivo da CPT, em contato com o juiz Eronides Primo, informou que este havia desmentido as notícias de que esta entidade estivesse promovendo guerrilhas com a presença de nicaraguenses no Araguaia. O juiz disse que tudo não passava de “exagero do repórter” de O Estado de São Paulo e que “não tenho nada com o que a imprensa está dizendo”. Contudo, o Correio do Brasil não deixou de publicar, na mesma página, a fala de Ronaldo Caiado, da UDR, e do Tenente Coronel Guerra, da Comissão de Investigações de Acidentes Aeronáuticos (COMSAER).

Segundo o Correio do Brasil, para Caiado, no sul do Pará não ocorria uma simples luta pela posse da terra, tratava-se, na verdade, de “uma luta sofisticada com formação técnica e tecnológica para invadir, matar e agredir a classe rural”13 e, reproduzindo o

que teria sido a fala do chefe da COMSAER sobre a possível sabotagem do avião que transportava Marcos Freire, do MIRAD, afirmava: “se essa hipótese for confirmada o fato ‘deixa de ser um acidente aéreo’ e, consequentemente da Policia Federal”.14

Essas reportagens não estão isoladas do conjunto dos acontecimentos em torno da problemática da posse e do uso da terra no Brasil, naquele período. Pelo contrário, elas são parte das disputas e dos confrontos que se acirraram entre a metade dos anos de 1970, ainda na vigência da ditadura civil-militar, ao final da década de 1980, durante a Nova República, quando as ocupações de terra, por parte dos trabalhadores rurais, e os debates sobre a reforma agrária se intensificaram no cenário nacional. Diversos jornais brasileiros potencializaram o medo do retrocesso econômico e político com a possível realização da reforma agrária, associando-a a uma política “anacrônica”, “atrasada” e expressão do comunismo e da estatização do campo, ao mesmo tempo em que se posicionaram a favor da grande propriedade da terra como modelo de eficácia econômica e produtiva.15

No sul e sudeste do Pará, as ações dos trabalhadores rurais pela posse da terra, com apoio e assessoria de membros da Igreja Católica, além de serem entendidas pelos proprietários rurais e pelas autoridades civis e militares como subversões e ações comunistas, eram percebidas como possível “volta da guerrilha no Araguaia”. Tratou- se da produção de um discurso que associava os conflitos de terra às ações guerrilheiras no campo como estratégia de desmobilização política dos trabalhadores rurais que lutavam pela terra. Esse discurso se intensificou com o lançamento do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), no IV Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), no dia 26 de maio de 1985. A retórica anticomunista que se fazia presente, no sul e sudeste do Pará, desde meados da década de 1970, tomou amplitude ante a inquietação dos empresários e proprietários rurais por todo o País, perante a crescente onda de ocupações de terra, a possibilidade de implantação do PNRA que previa, inicialmente, assentar 300 mil famílias por ano,

13 Correio do Brasil. A UDR continua acusando. Brasília, 17/ 09/1987, p. 2.

14 Correio do Brasil. Relatório da FAB não chega a conclusões. Brasília, 17/ 09/1987, p. 2.

15 BRUNO, Regina Ângela Landim. Nova República: a violência patronal rural como prática de classe.

durante 10 anos, e a articulação dos trabalhadores rurais e entidades de mediação em torno do debate sobre a reforma agrária na constituinte.16

As reclamações, as reivindicações e a resistência dos posseiros eram explicadas como provável ressurgimento de guerrilhas armadas no campo. Nesse sentido, a tendência das autoridades tanto civis quanto militares acabou sendo de secundar os grandes proprietários, partindo da concepção de que estes seriam os guardiões da ordem social e política vigente. Quase sempre procuravam associar o trabalho pastoral da Igreja e a atuação dos posseiros com a guerrilha ou com a subversão no campo. O episódio ocorrido entre o juiz de Conceição do Araguaia, a CPT, o proprietário e os posseiros da Fazenda Bela Vista, em 1987, é uma ponta do iceberg. Em um documento sob o título “Guerrilha Rural - documento básico”,17 de 1976, provavelmente produzido por Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, o Centro de Informações do Exército (CIE) comunicava, por exemplo, que o PC do B não tinha deixado morrer a ideia de continuar a luta armada no Araguaia e apontava que as “incitações à ocupação de terras” que existiam, no sul e sudeste do Pará, com o apoio do “clero progressista”, estavam sendo, naquele momento, umas das principais ações desse partido.

Para sustentar essas afirmações, o CIE recorreu ao que os militares entendiam ser “as diretrizes para o trabalho de massa, utilizando as questões de terras”18 que o PC do B havia produzido, afirmando se tratar de um documento sob o título “Instruções sobre a campanha de luta pelas reivindicações e direitos básicos do povo”. Segundo o CIE, o PC do B pregava que a principal causa de seu fracasso no Araguaia teria sido “o insuficiente trabalho de massa realizado e que, sem as ‘bases’ de apoio, seria impossível se passar ao novo estágio da luta”.19 Apontava também que as suas “Organizações de

Bases - OB”, no Araguaia, a ser previamente construídas pelo “trabalho de organização e conscientização de massa”,20 pesquisariam as reivindicações mais sentidas do povo da

área, realizariam reuniões para debatê-las e juntos buscariam formas de resolvê-las. Ou seja, primeiramente, desenvolveriam apenas lutas políticas e econômicas para,

16 MEDEIROS, Leonilde Servólo de. História dos Movimentos Sociais no campo. Rio de Janeiro: FASE, 1989; Da mesma autora. Reforma Agrária: concepções, controvérsias e questões. Caderno Temático nº1, Rio de Janeiro, janeiro de 1994; PALMEIRA, Moacir & LEITE, Sergio. Debates econômicos, processos sociais e lutas políticas. In: COSTA, Luiz Flavio Carvalho & SANTOS, Raimundo (Orgs.). Política e

Reforma Agrária. Rio de Janeiro: Mauad, 1998, p. 92-165.

17 Centro de Inteligência do Exército-CIE. Guerrilha Rural - documento básico, 1976. 14f. (datilografado) – Arquivo da CPT de Marabá.

18 Idem., Ibidem., p. 5. 19 Idem., Ibidem., p. 1. 20 Idem., Ibidem.

posteriormente, formar grupos armados “permanentemente mobilizados”, mas dentro da faixa de legalidade, “dedicando à produção e à vida normal” para, em seguida, fazer “a luta contra a ditatura a um novo nível”.21

Para o CIE, os trabalhos que os membros da Igreja Católica estavam desenvolvendo no campo eram ações direcionadas pelo PC do B, conforme havia percebido nas diretrizes desse partido. Para este órgão, os trabalhos dos “cleros