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As análises mais decisivas que marcaram a discussão acerca da questão agrária no Brasil, a partir da década de 70 do século XX, apresentam a expulsão e a expropriação de posseiros por empresas e proprietários rurais do Centro-Sul do País, especialmente na região amazônica, como o principal fator dos conflitos e das violências que ocorreram em razão dos confrontos e das disputas por terras. Vários autores sustentam que os posseiros eram migrantes de longa data, sobreviviam das lavouras de subsistência (arroz, feijão, fava, mandioca, milho etc.) combinadas com criações de animais, produção extrativista e o uso da pesca e da caça e não possuíam nenhum tipo de documento que os legitimasse como proprietários de suas terras. Talvez os autores que representem melhor essas análises sejam o sociólogo José de Souza Martins (USP)1, o economista, sociólogo e padre Jean Hébette (UFPA)2 e o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida (UFAM)3

José de Souza Martins, em Expropriação e Violência, sustenta que os conflitos pela posse da terra ocorridos nas décadas de 1970 e 1980, na Amazônia, foram em razão da expropriação e expulsão dos posseiros por grandes empresas privadas do Centro-Sul do País. Esse processo foi por ele denominado de superposição da frente pioneira sobre a frente de expansão. Para ele, um movimento essencialmente empresarial e capitalista de ocupação do território (a frente pioneira) – a grande fazenda, o banco, a casa de comércio, a ferrovia, o juiz, o cartório, o Estado, etc., – passou a expulsar e expropriar os trabalhadores rurais que há muito tempo ocupavam terras devolutas – os posseiros (a

frente de expansão). Esses trabalhadores, segundo ele, sobreviviam de uma economia de

1 Cf. Os camponeses e a política no Brasil. 5a edição, Petrópolis: Vozes, 1981; A militarização da

questão agrária no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1984; A reforma agrária e os limites da democracia na Nova República. São Paulo: Hucitec, 1986; Caminhada no chão da noite: emancipação política e

libertação nos movimentos sociais no campo. São Paulo: Hucitec, 1989; Expropriação e Violência: a questão política no campo. 3ª edição, São Paulo: Hucitec, 1991; A Chegada do Estranho. São Paulo: Hucitec, 1993; O poder do atraso. Ensaios de sociologia da história lenta. 2a edição, São Paulo: Hucitec, 1999; A vida privada nas áreas de expansão da sociedade brasileira. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da vida privada no Brasil: contraste da intimidade contemporânea. Vol. 4, 4ª reimp., São Paulo: Cia. das Letras, 2006, p.659-726; Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Hucitec, 1997.

2 HÉBETTE, Jean. A Colonização na Amazônia Brasileira: um modelo para uso interno. Reforma

Agrária, Campinas, Ano 17, nº 03, dezembro/87 a março/88, p.20-27; Cruzando a Fronteira: 30 anos de

estudo do campesinato na Amazônia. Belém: ADUFPA, 2004 (Vol. I, II, III e IV).

3ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Conflito e Mediação: os antagonismos sociais na Amazônia segundo os movimentos camponeses, as instituições religiosas e o Estado. Tese (Doutorado em Antropologia Social) Rio de Janeiro: Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993.

base familiar e não possuíam nenhum documento que legitimasse a sua posse da terra. Aí estava, segundo ele, a origem dos conflitos pela terra. Para Martins: “Quando se dá a superposição da frente pioneira sobre a frente de expansão é que surgem os conflitos pela terra”.4 Em seu livro Os camponeses e a política no Brasil, José de Souza Martins constata que “(...) o lavrador que trabalha na terra sem possuir nenhum título legal, nenhum documento reconhecido legalmente e registrado em cartório que o defina como proprietário, é classificado como ocupante de terra, nos censos oficiais, ou como posseiro, na linguagem comum”.5 Esse personagem que, segundo ele, é característico dos espaços amazônicos não deve ser confundido com o agregado, o arrendatário ou o parceiro e, muito menos, com o grileiro. Os posseiros, para ele, são lavradores pobres que “(...) muito pouco provável invadam a terra em que há sinal de trabalho, portanto, de ocupação ou invadam uma terra que, com certeza, tem proprietário”.6 Invasores, segundo este autor, são os grileiros, fazendeiros e empresários que os expulsam de suas posses.

Análises que assumem perspectivas que exibem proximidade com as apresentadas acima podem ser encontradas nos trabalhos de Jean Hébette7 e de Alfredo Wagner Berno de Almeida8. Esses autores utilizam a designação colonização espontânea ou ocupação espontânea para diferenciar as ocupações de terras devolutas na Amazônia brasileira, a partir da década de 1970, efetuadas por trabalhadores rurais imigrantes, daquelas que foram planejadas e dirigidas pelo Estado. Discutem a importância decisiva do movimento de concentração da terra e do desemprego no Nordeste e no Sudeste do País, da abertura de rodovias e da propaganda governamental de terra e lucro fácil na Amazônia, bem como do anúncio do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), da Nova República, para a intensificação dos fluxos migratórios de trabalhadores rurais em busca da terra na Amazônia brasileira. No sul e

4 MARTINS, José de Souza. Expropriação e Violência: a questão política no campo. 3ª edição, São Paulo: Hucitec, 1991, p. 68.

5 MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. 5a ed., Petrópolis: Vozes, 1995, p.103. 6MARTINS, José de Souza. A militarização da questão agrária no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1984, p. 95. 7 HÉBETTE, Jean. A Colonização na Amazônia Brasileira: um modelo para uso interno. Reforma

Agrária, Campinas, Ano 17, nº 03, dezembro/87 a março/88, p.20-27; “A luta sindical em resposta às

agressões dos grandes projetos”. In: HÉBETTE, Jean (Org.). O cerco está se fechando: o impacto do

grande capital na Amazônia. Petrópolis: Vozes/FASE/NAEA, 1991, p.199-214; Cruzando a Fronteira:

30 anos de estudo do campesinato na Amazônia. Belém: ADUFPA, 2004 (Vol. I, II, III e IV).

8 ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. GETAT – A segurança e o Revigoramento do Poder Regional.

Reforma Agrária, Campinas, v.11, nº 02, março/abril, 1981, p. 4-41; Conflito e Mediação: os

antagonismos sociais na Amazônia segundo os movimentos camponeses, as instituições religiosas e o Estado. Tese (Doutorado em Antropologia Social) Rio de Janeiro: Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993; Carajás: a guerra dos mapas. 2ª edição. Belém: Seminário de Consulta, 1995.

sudeste do Pará, conforme apontam, os trabalhadores rurais dispensaram os serviços do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e ocuparam livremente as terras devolutas, somando-se às famílias que ali viviam sem nenhum tipo de documento que os caracterizasse como proprietários de terra. Esse movimento, segundo esses autores, aconteceu também no norte de Goiás (hoje Tocantins) e no oeste do Maranhão. Os conflitos por terras surgiram, nessa configuração da ocupação da terra na Amazônia, quando os trabalhadores passaram a ser expulsos de suas posses. Alfredo Wagner Berno de Almeida classifica esses personagens ocupantes de terras devolutas como posseiros:

(...) pequenos produtores agrícolas que compõem unidades de trabalho familiar, detentores de benfeitorias, roçados e animais de tração. Não se encontram subordinados por modalidades de trabalho assalariado. Constituem-se em camponeses livres, que abriram áreas próprias de cultivo em terra devolutas e disponíveis, à margem das grandes explorações agropecuárias. Mantém ligações com os circuitos de mercado de produtos agrícolas (arroz, farinha, feijão) independentemente de plantations, agroindústrias ou projetos pecuários incentivados.9

Como se pode perceber, a partir dessas análises, o posseiro é aquele trabalhador rural que ocupa terras devolutas, não tem nenhum tipo de documento que o defina como possuidor de suas terras10 e, embora sendo expulso ou vivendo em constantes ameaças de expulsão, não ocupa uma área que já tenha título de propriedade, um dono anterior a sua posse. De acordo com essas análises, na luta pela terra, o posseiro é visto como aquele que sofre a ação e não a exerce. É aquele trabalhador que reage à ação violenta dos que querem expulsá-lo da terra. As suas lutas surgiram “espontâneas” e defensivamente como resistência à ação de pistoleiros e de policiais a serviços de proprietários e empresários rurais. Na maioria dos casos, esses trabalhadores se viram diante da falta de alternativas: ou eles resistiriam ou seriam expulsos com as suas famílias da terra. Está aí, portanto, segundo estes autores, a dimensão política dos conflitos e da violência no campo, na Amazônia brasileira.

Essas abordagens, que exercem uma enorme ascendência sobre diversos pesquisadores que analisaram a questão agrária no sul e sudeste do Pará mais

9 ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Op. Cit., 1993, p. 290.

10 As análises desses autores corroboram com as de BORGES, Durval Rosa. Rio Araguaia, corpo e alma. São Paulo: IBRASA/Ed. da Universidade de São Paulo, 1987, especialmente as p. 104-106; ESTERCI, Neide. Conflito no Araguaia: peões e posseiros contra a grande empresa. Petrópolis: Vozes, 1987; e LARAIA, Roque de Barros e DA MATTA, Roberto. Índios e Castanheiros: a emprêsa extrativa e os índios no médio Tocantins. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.

recentemente,11 focalizam apenas aqueles conflitos pela terra relacionados diretamente a

duas categorias opostas – proprietários de terra e trabalhadores rurais. Da mesma forma,

também opõem dois regimes de propriedades: a posse, direito gerado pelo trabalho, de um lado, e a propriedade privada, direito gerado pela compra, pelo documento, de outro. É preciso averiguar a complexidade de tal processo porque de outro modo pode-se entender equivocadamente que todos os trabalhadores rurais que lutaram pela terra, entre meados da década de 1970 e início dos anos de 1990, na Amazônia brasileira, chegaram antes dos proprietários e empresários rurais e que a estes tiveram que resistir.

Este trabalho, portanto, parte de outras considerações que direcionam as pesquisas para pensar, sob outros pressupostos teóricos, a problemática dos conflitos e da violência no campo. Reunindo e estudando um vasto material de pesquisa, procurei levantar uma teia de indícios que valoriza diversas práticas de disputa pela terra.12 No

11 GUERRA, Gutemberg Armando Diniz. O posseiro da fronteira: campesinato e sindicalismo no Sudeste Paraense. Belém: UFPA/NAEA, 2001; VIEIRA, Maria Antonieta da Costa. À procura das

Bandeiras Verdes: Viagem, Missão e Romaria. Movimento Sócio-religioso na Amazônia Oriental. Tese

(Doutorado em Ciências Sociais), São Paulo, Campinas: Universidade Estadual de Campinas 2001; INTINI, João Marcelo. Luzes e Sombras Negociação e diálogo no sul e sudeste do Estado do Pará: um estudo sobre as políticas públicas para reforma agrária e agricultura familiar. Dissertação (Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável), Belém: Universidade Federal do Pará, 2004; ALMEIDA, Rogério Henrique. Territorialização do campesinato no Sudeste do Pará. Belém: UFPA, 2006. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento), Belém: Universidade Federal do Pará/Núcleo de Altos Estudos Amazônicos-NAEA, 2006; TAVARES, Francinei Bentes. Os conflitos agrários e o processo de reordenamento fundiário na região sudeste do Pará: uma proposta de abordagem a partir da sociologia dos regimes de ação. Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 440-474, 2009; SOUZA, Haroldo de. A reprodução sócio-econômica e produtiva do campesinato no sudeste paraense: o assentamento Palmares II, Parauapebas/PA. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento), Belém: Universidade Federal do Pará/Núcleo de Altos Estudos Amazônicos-NAEA, 2010. Os efeitos dessas abordagens podem ser encontrados ainda em POLETTO, Ivo. A Igreja, a CPT e a mobilização pela reforma agrária. In: CARTER, Miguel (Org.). Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p.137-158, especialmente o item “Posseiros: defesa da terra trabalhada”, p. 150-151; FEITOSA, Terezinha Cavalcante. Questão agrária,

violência e poder público na Amazônia brasileira: o assassinato do líder sindical João Canuto de Oliveira.

Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Rio de Janeiro: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura, 2011.

12 ANDRADE, Deputado Ademir. Discurso preferido na sessão da Câmara Federal dos Deputados. Brasília, 08/11/1984; ANDRADE, Deputado Ademir. Depoimento na 43ª Sessão da Assembleia Constituinte, em 1/04/1987. Assembleia Nacional Constituinte. Diário nº 38. Brasília, 02/04/1987; A VOZ RURAL, CPT Araguaia-Tocantins-meses: março, abril, setembro, outubro de 1979; A VOZ RURAL, CPT Araguaia-Tocantins-meses: maio, agosto de 1980; A VOZ RURAL, CPT Araguaia- Tocantins-meses: maio, junho, julho, de 1981; ANISTIA INTERNACIONAL. Violência autorizada nas

áreas rurais. Londres, setembro de 1988; BARBOSA, Maria Ferreira. Declaração. São Geraldo do

Araguaia, 14/04/1984; BRINGEL, Adélia Martins. Declaração. Rio Maria, 12/03/1991;BRASIL. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Sistema de Informações de Projetos de

Reforma Agrária. Marabá, 03/04/2010; CPT. Conflitos no Campo Brasil, Goiânia, 1985-2010; CPT Norte

II. Relatório de conflitos. Belém, 1987 e 1988; CPT Norte II. Assassinatos no campo (1978-1988). Belém, 1988; - CPT PA/AP. Históricos dos assassinatos no estado do Pará (1980-1996). Secretariado Regional. Belém, 1996; Correio Brasiliense. Plantações e casas destruídas. Roupas ainda estão no hospital. Brasília, 02/04/1987; Correio Braziliense. Polícia encerra caso das milícias privadas. Brasília, 07/09/1987; Diário do Pará. Grupo armado formava bando para invadir áreas de terras. Belém, 19/06/1991; Folha de São Paulo. Emboscadas fazem 31 vítimas. São Paulo, 30/08/1984; Jornal do

sul e sudeste do Pará, parte da Amazônia Oriental brasileira, não só houve resistência dos posseiros que foram alcançados pelas empresas do Centro-Sul do País como nem todos foram atingidos por essas empresas. Ademais, nem sempre onde foram instalados os grandes empreendimentos agropecuários existiam posseiros. Não se pode afirmar que a chegada de trabalhadores rurais de diversas regiões do Brasil antecedeu as grandes empresas e que estas se apossaram de todas as terras já ocupadas por trabalhadores rurais. O que se pode constatar é que à medida que chegavam as grandes empresas agropecuárias estimuladas e apoiadas pelo Estado, chegavam, às vezes, trabalhadores rurais pobres, vaqueiros, garimpeiros destituídos de seus bens de produção, do Nordeste, do Centro-Oeste e do Sudeste do País, incentivados pelo Governo Federal. Mas a maioria dos trabalhadores rurais que disputaram áreas de terras com proprietários e empresários rurais se abrigou em terras paraenses quando estes já tinham apossado de quase todas as terras devolutas e constituído ali as suas propriedades.

A notícia que percorria sobre as facilidades de se conseguir terras e emprego na Amazônia, veiculada pela propaganda governamental que exaltava a instalação dos projetos agropecuários e a colonização às margens da Transamazônica, ecoou longinquamente.13 Milhares irromperam do Maranhão, do Piauí, da Paraíba, do Ceará, de Minas Gerais, da Bahia, do Espírito Santo, do Paraná, de Goiás, entre outros. Centenas de famílias atravessaram os rios Araguaia e Tocantins em busca da terra e do emprego14. Onde ainda existiam terras devolutas, essas foram paulatinamente ocupadas.

Brasil. Viúva denuncia em São Paulo assassinatos no sul do Pará. Rio de Janeiro, 18/01/1988; LIMA,

Luiz Barbosa. Depoimento, Xinguara, 11/03/1985; MACHADO, João José. Pedido de Habeas Corpus

Libertório em favor de Oity Faria Leite e Antônio José Sabino. Conceição do Araguaia, 25/05/1987; O Liberal. 600 pessoas fogem dos pistoleiros em Xinguara. Belém, 12/06/1985; O Liberal. Famílias

desejadas acampam no GETAT. Belém, 16/12/1986; O Liberal. Fazendeiros do Araguaia ameaçam com sangue a feitura da reforma. Belém, 18/06/1985; Jornal do Brasil. Milícias contra lavradores no Pará tinham policiais do DF, Rio de Janeiro, 08/08/1987; O GRITO DA PA 150. Diocese de Marabá, nºs 01, 02, 04, 06, 07 e 08, ano 1980; nºs 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19, ano 1981; nºs 20, 21, 22, 24 e 25, ano 1982; nºs 26, 27, 28 e 29, ano 1983; nºs 30 e 31, ano 1984; nº 32, ano 1985; nº 34, ano 1986; SANTOS, Maria Rosário dos. Depoimento, Conceição do Araguaia, 09/10/1985; SANTOS, João Cardoso dos. Depoimento, junho de 1985; SILVA, João Natividade da. Declaração. São Geraldo do Araguaia, 14/04/1984; SOUSA, Antônio Raul de. Declaração. São Geraldo do Araguaia, 14/04/1984; STR de Xinguara e CPT-Araguaia-Tocantins. Nota aos trabalhadores rurais de Xinguara e ao povo em geral. Xinguara, 08/11/1984; STR de Xinguara. Fazenda Alvorada. Xinguara, 30/06/1983; PROCESSO AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE nº 24/82, A: Juruparana Pastoril S/A, R: Francisco Gama da Silva e outros, Comarca de Conceição do Araguaia (PA); PROCESSO CRIMINAL nº 043/91, vol. I, II e III (Caso da Chacina do Castanhal Ubá); PROCESSO GETAT/UACA Nº 133/86, de 25/03/1986 (Desapropriação da Fazenda Bela Vista, Conceição do Araguaia).

13 HÉBETTE, Jean. Op. Cit., 1988; ASSIS, William Santos de. A construção da representação dos

trabalhadores rurais no Sudeste Paraense. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Rio de Janeiro:

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Agricultura, 2007.

Algumas áreas localizadas às margens do Araguaia, no sudeste do Pará, próximas aos povoados de Itaipavas, Santa Isabel, São João do Araguaia, Apinagés, São Raimundo do Araguaia, Viração, São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia foram ocupadas. Outros, porém, a maioria, passaram a ocupar imóveis com títulos definitivos ou de aforamento e a enfrentar a violência de policiais e de pistoleiros a mando dos grandes proprietários de terra.

A propósito do deslocamento migratório, é importante anotar que outros migrantes já vinham se deslocando em busca das terras férteis no estado do Pará durante os anos de 1950 e primeira metade da década de 1960. Eram famílias procedentes do Maranhão, Piauí, Ceará, Minas Gerais e Bahia que desempenhavam funções de agregados ou eram peões de grandes fazendas no sudoeste do Maranhão e no norte de Goiás (hoje estado do Tocantins); ou eram trabalhadores que tinham perdido ali as suas terras para empresários e grandes proprietários do Centro-Sul do Brasil em razão do comércio e da grilagem de terras com a abertura da rodovia Belém-Brasília;15 ou eram ainda aqueles que tinham sido trabalhadores em garimpos de cristal como Chiqueirão (em Xambioá), no rio Araguaia, e de diamante no rio Tocantins como os da Ilha do Ipixuna, Ilha de São Pedro, Ilha de Bagagem, localizados abaixo da cidade de Marabá e Igarapé Mãe Maria entre os travessões "Lancha Velha" e "Mãe Maria", no local conhecido por "Canal Novo" situado entre Marabá e São João de Araguaia.16

Esse movimento pode ser verificado também quando áreas denominadas de “transição” (entre cerrados e florestas virgens) em Conceição do Araguaia e Santana do Araguaia, cortadas pelos rios Arraias e Pau D’Arco, foram ocupadas. Áreas estas consideradas pouco férteis como as de Campos Altos, Sítio Novo, Puçá, Três Marias, Arraias, no município de Conceição do Araguaia; Novo Horizonte (Cacete Armado), Nova Esperança e Chapada Vermelha, no município de Santana do Araguaia.17

É notável observar que empresários e fazendeiros do Centro-Sul tiveram poucas pretensões sobre essas áreas, em Conceição do Araguaia e Santana do Araguaia, talvez,

15 HÉBETTE, Jean. Op. Cit., 2004 (Vol. I); ASSELIN, Victor. Grilagem: corrupção e violência em terras do Carajás. Goiânia: CPT; Petrópolis: Vozes, 1982.

16 BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 49.488, de 9 de Dezembro de 1960; BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 1.800, de 4 de dezembro de 1962; PREFEITURA MUNICIPAL DE MARABÁ. Marabá: a história de uma parte da Amazônia, da gente que nela vive e da gente que a desbravou e dominou, fazendo-a emergir para a civilização. De 1892 até nossos dias. Marabá: PMM, 1984; BARROS, Maria Vitória Martins. A zona castanheira do médio Tocantins e vale do Itacaiúnas: reorganização do espaço sob os efeitos das políticas públicas para a Amazônia. Marabá (PA): UFPA, 1992. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso de Geografia) – Universidade Federal do Pará, 1992. 17 Essas localidades pertencem, hoje, ao município de Santa Maria das Barreiras emancipado, em 1988, de Santana do Araguaia.

por considerarem fracas para o cultivo e de pouco valor madeireiro – eram, em grande parte, áreas de cerrado – diferentemente daquelas de florestas densas e de terras roxas onde foi instalado o maior número de grandes projetos agropecuários.18

Acredito que vale a pena fazer ainda duas outras análises para demarcar mais precisamente as apreciações que os diversos trabalhos publicados sobre os conflitos de terra na Amazônia têm feito. Primeiro, o choque entre empresas agropecuárias, que passaram a se instalar com apoio político e financeiro do Governo Federal, e posseiros, como retratado pela literatura sobre a questão agrária na Amazônia, ocorreu nos espaços localizados próximos dos cursos dos rios, principalmente os rios Araguaia e Tocantins, onde existia o maior número de estabelecimentos de trabalhadores rurais.19 Esses fatos fizeram com que as prelazias e dioceses do sul e sudeste do Pará, norte de Goiás e norte do Mato Grosso se mobilizassem e influenciassem diretamente na criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975.20 Os bispos, os padres e os agentes de pastorais dessas prelazias e dioceses acreditavam que uma “Comissão de Terras”, como assim foi definida inicialmente, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), poderia assessorar e dinamizar as atividades que eles já vinham desenvolvendo no apoio aos posseiros da região amazônica. As denúncias dos conflitos e das violências praticadas pelas empresas agropecuárias que foram, a partir daí, formuladas e encaminhas à imprensa e aos diversos órgãos do Estado e os trabalhos pastorais

18 AVELAR, Dom Estevão Cardoso de; SILVA, Frei Henrique Marques da; SILVEIRA, Frei Manoel Borges da; e JESUS, Frei Mário Maria de. O problema dos posseiros nos municípios de Conceição do

Araguaia e Santana do Araguaia. Conceição do Araguaia, 20/11/1970 (Datilografado); FERNANDES,

Marcionila. Donos de Terras: trajetória da União Democrática Ruralista – UDR. Belém: UFPA/NAEA, 1999; SILVA, Fábio Carlos da. A Companhia de Terras da Mata Geral e privatização da floresta