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A definição de lazer realizada por Dumazedier em 1976 é ainda muito utilizada por diferentes áreas, principalmente aquelas relacionadas às ciências humanas. De acordo com o autor, o lazer

é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após

livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais (DUMAZEDIER apud GOMES, 2008, p.2).

Tal definição, porém, é alvo de algumas críticas de outros autores do campo do lazer. Faleiros apud Gomes (2008) afirma que o autor, através de suas proposições, prioriza a discussão acerca dos desdobramentos do que acredita consistir o lazer, em detrimento da busca por um entendimento da dinâmica social, que possibilita a vivência das atividades relacionadas ao mesmo. Desta forma, o lazer seria uma lacuna a ser preenchida por algumas atividades sociais. Além disso, com as atuais modificações nas relações entre os indivíduos e entre estes e a sociedade, resultantes principalmente do sistema capitalista vigente, o conceito de Dumazedier que foi formulado tendo como base as sociedades industriais do século XX, tende a perder parte de sua aplicabilidade e abrangência. Outra crítica, ressaltada por Gomes (2008) ao mesmo autor, refere-se, nesta medida, ao fato do entendimento do lazer em contraposição às necessidades e obrigações sociais, principalmente ao trabalho. Tal condição iria ao encontro de uma delimitação de fronteiras entre os últimos, o que poderia remeter a uma idéia de sociedade e de atividades desconectadas entre si, o que vai à contramão do que especialistas e pesquisadores do campo vem relatando, principalmente com o crescimento dos fluxos transnacionais e da globalização.

Gomes (2004) relata que no Brasil, no final dos anos 80, o lazer sofreu um redimensionamento, deixando de ser considerado um simples conjunto de atividades e aproximando-se mais de um viés cultural. Nessa perspectiva, a autora enfatiza a importância da cultura, como uma área de produção humana que inclui diferentes dimensões e expectativas. O Lazer neste sentido consistiria em um espaço para a fruição de várias manifestações culturais.

A autora então nos apresenta uma definição orientada pelas práticas culturais.

O Lazer compreende, dessa maneira, a vivência de inúmeras práticas culturais, como o jogo, a brincadeira, a festa, o passeio, a viagem, o esporte e também as formas de arte, dentre várias outras possibilidades. Inclui, ainda, o ócio, uma vez que esta e outras manifestações culturais podem constituir, em nosso meio social, notáveis experiências de Lazer (GOMES, 2004, p.124).

Esta perspectiva nos faz crer que as definições de lazer de Gomes (2004) acrescidas das conceituações elaboradas por outros importantes teóricos do campo, corroboram para uma busca mais adequada do estabelecimento da conceituação do lazer. Como ressaltado anteriormente pela autora, o Lazer consistira em

uma dimensão da cultura constituída por meio da vivência lúdica de manifestações culturais em um tempo/espaço conquistado pelo sujeito ou grupo social, estabelecendo relações dialéticas com as necessidades, os deveres e as obrigações, especialmente com o trabalho produtivo (GOMES, 2004, p.125).

Também Elias; Dunning (1992, p. 112), em oposição à tradição dicotômica, compreendem o lazer como “um tipo de atividade que se insere no tempo livre, colocando o indivíduo como transformador da sua realidade, este, enquanto sujeito social pode dotar de sentido a atividade de lazer e aproximá-la da busca da excitação ou do prazer.” O prazer, seria entendido como uma forma de buscar um “descontrole controlado”. Para tais autores, embora o lazer se situe no limiar do descontrole, está fortemente correlacionado às dimensões culturais, podendo ser observado em atividades recreativas, na excitação no estádio de futebol, dentre outras. Desse modo, pode-se compreender que o lazer, assim como o futebol, constitui-se em uma esfera humana, que também é construída culturalmente.

Marcellino (1996) imprime outra discussão, relacionada ao Espaço Urbano e ao Lazer. Partindo da idéia de que no Brasil, o Espaço para o Lazer é um Espaço Urbano, afirma que

O aumento da população Urbana não foi acompanhado pelo desenvolvimento da infra-estrutura, gerando desníveis na ocupação do solo e diferenciando marcadamente, de um lado as áreas centrais, concentradoras de benefícios, e de outro a periferia, verdadeiro depósito de habitações.” (MARCELLINO, 1996, p. 25)

Tal processo corroborou principalmente para uma desigual distribuição e/ou centralização dos equipamentos não específicos e específicos, criando dificuldades para seu acesso e utilização, bem como contribuindo para a segmentação dos espaços públicos destinados ao lazer. Os primeiros equipamentos consistiriam em espaços em que os indivíduos poderiam vivenciar experiências de lazer, como o

espaço doméstico, bares, escolas, ruas, dentre outros. Já os segundos seriam detentores da mesma capacidade, porém teriam sido concebidos especificamente para a prática de diversas atividades de lazer. (MARCELLINO, 1996)

Criou-se, dessa forma, um paradoxo: por um lado as áreas centrais foram absurdamente valorizadas, inviabilizando a edificação de novos equipamentos públicos, incentivando-se cada vez mais a verticalização urbana. Pelo outro lado, a ampliação da malha urbana em direção às periferias produz um efeito imobiliário especulativo, o que entrava também o investimento em equipamentos e espaços públicos em áreas afastadas. Dessa forma, a renovação e a manutenção destes seguem uma lógica utilitarista favorecendo grupos mais abastados como descreve o autor no fragmento.

Mas não somente a urbanização é regida pelos interesses imediatistas do lucro. A visão utilitarista do espaço é determinante nos processos de renovação urbana [...] Além da alteração da paisagem, fato mais facilmente observado e que pela ausência de critérios contribui para a descaracterização do patrimônio ambiental e urbano e a conseqüente perda das ligações afetivas entre o morador e o habitat, a diminuição dos equipamentos coletivos, o aumento do percurso casa/trabalho, enfim, favorece pequenos grupos sociais em detrimento dos antigos moradores. Evitando a fixação residencial e privilegiando a ação econômica, as áreas renovadas freqüentemente se transformam em locais potencialmente inseguros e perigosos fora dos períodos de funcionamento comercial. (MARCELLINO, 2006, p.67)

Em muitos casos, um grande número de pessoas que habitam distante dos centros urbanos, gasta um tempo razoável na locomoção diária para deslocarem até seus postos de trabalho e retornarem para casa. Dessa forma, esses indivíduos além de serem prejudicados na questão da distribuição do espaço e dos equipamentos, também são lesados perdendo uma parte preciosa de seu tempo. Em algumas situações chegam a ver a luz do sol, retornando para seus lares somente para descansar para o próximo dia de trabalho.

Essa lógica de urbanização regida pelo lucro tem influenciado não só na concepção, mas também na gestão dos equipamentos de lazer, fazendo com que grande parte destes sejam gerenciados pela iniciativa privada, onde são praticados

preços elevados sob a justificativa de manutenção e bom funcionamento do equipamento de lazer. Marcellino, citando Santos e Lefebvre, nos mostra que

Ao ser submetida à lógica do lucro a cidade é rebaixada de obra (valor de uso e fruição) a produto para consumo (instrumento do valor de troca), e o espaço/tempo passam a ser considerados como itens de produção – mercadorias. Os espaços públicos passam a ser convertidos em espaços “privatizados” (SANTOS, 1999; LEFEBVRE, 1991b, apud MARCELLINO, 2007, p.11).

Além disso, de acordo com Marcellino (1996) o fator econômico também pode ser responsável pela organização do tempo disponível das classes sociais, pelo acesso à educação, bem como pelo estabelecimento de uma relação de apropriação desigual no que diz respeito ao lazer, configurando-se em uma barreira interclasse social. Somam-se a esta outros fatores que também podem ter ação de barreiras, as quais o autor denomina de barreiras intraclasses, são eles: Sexo, Faixa Etária, nível de instrução, acesso ao espaço, violência, entre outros.

Dessa forma, essas barreiras contribuem para a manutenção do desequilíbrio ao acesso ao lazer, beneficiando algumas classes e grupos em prol de outros.

Neste capítulo procurou-se estabelecer relações entre as conceituações teóricas de megaeventos, lazer e esporte. No próximo capítulo, serão apresentados conceitos de políticas públicas e de participação popular, com o objetivo de subsidiar a análise, nos dois últimos capítulos, respectivamente, das concepções de políticas públicas de esporte e lazer e de participação popular inscritas nos projetos escolhidos para investigação e nos discursos dos gestores correlacionados aos mesmos.

CAPÍTULO 2