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1.3 Impactos urbanos

1.3.1 Mobilidade urbana e ordenamento territorial

Para se pensar nas mudanças que ocorrerão na área de transporte e nos seus possíveis impactos, é necessário primeiramente analisar espacialmente a cidade. Souza (2006) propõe a utilização de uma tipologia de escala geográfica alternativa mais adequada e relacionada diretamente com o planejamento e a gestão urbana dividida em: 3 escalas no âmbito local (microlocal, mesolocal, macrolocal), 1 escala regional, 1 escala nacional e 2 escalas internacionais (escala de grupo de países e escala global).

De acordo com Raeder (2010) as 3 primeiras escalas são onde se encontram a administração pública municipal mais próxima dos cidadãos e configuram-se naquelas mais utilizadas na gestão e planejamento de cidades. São elas:

a. Escala microlocal – são divisões espaciais múltiplas (sub-bairro, quarteirão, bairro) individualizados pela possibilidade de vivências significativas destes espaços por parte das pessoas no processo de formulação e avaliação de políticas como as habitacionais, os interesses individuais devem ser integrados àqueles coletivos; Neste nível, a participação popular e o controle sobre o ordenamento territorial é mais elevado; É responsável pela maior parcela de modificações nos preços devido a uma determinada intervenção urbana.

b. Escala mesolocal – consiste no nível da própria unidade territorial administrativa (Município) que constitui as regras de planificação e gerenciamento do território, bem como exerce uma grande influência na formação de preços da terra; é também vinculada ao sentimento de pertencimento de lugar percebido pelos indivíduos e da edificação da imagem da cidade, endógeno e exógeno.

c. Escala macrolocal – diz respeito às regiões metropolitanas das cidades próximas que geram fluxos de associação (trabalho, estudo, lazer etc); unidade territorial basilar para a criação de soluções compartilhadas por parte das diversas administrações municipais;

Para possibilitar os deslocamentos dos atletas e do público que participam dos megaeventos é necessária a realização de um conjunto de obras para adequar o sistema de transporte urbano da cidade sede. Isso se configura em uma grande oportunidade para que os gestores possam solucionar alguns problemas relacionados à mobilidade urbana na cidade, levando em consideração o aumento no volume de recursos providos pelos governos centrais devido à realização do megaevento. Essas ações podem apresentar diferentes impactos, podendo se configurar em ações tímidas e pontuais atingindo apenas a dimensão microlocal, ou mais audaciosas de forma que a cidade possa ser beneficiada pelas inversões alcançando a dimensão mesolocal ou, ainda, consistirem em grandes intervenções (ampliação de linhas de metrô, integração de sistemas modais de transporte, dentre outras) assegurando que uma grande parte da população seja favorecida atingindo a dimensão macrolocal. O ponto fulcral é que a mobilidade urbana seja impactada, gerando alternativas de baixo custo de transporte, de forma que todos os cidadãos obtenham ganhos (RAEDER, 2010).

Buscando em Jacques Levy, Raeder assevera que mobilidade urbana vai muito além da viabilização de deslocamentos, mas está relacionada à distribuição espacial e material das/nas cidades. Além disso, o autor releva a importância que esta vem adquirindo para os cidadãos na medida em que é capaz de influenciar em diversas dimensões da vida humana. Levy trata a mobilidade classificando-a em 3 categorias: (I) a possibilidade relacionando-a com a acessibilidade a diversos locais

da cidade, (II) a competência referindo-se à disponibilidade de meios de deslocamento e à proximidade entre os mesmos, (III) e o capital o qual pode ser adquirido devido à mobilidade que se tem na cidade.

Pode-se observar ainda a relação entre a mobilidade, o valor da terra, e o local de moradia dos indivíduos. Nesse caso, a mobilidade urbana pode agir diminuindo ou aumentando ainda mais as desigualdades, já existentes, entre as pessoas, bairros e classes como pode ser percebido pelo trecho

A mobilidade está ainda relacionada à renda da terra, uma vez que os custos de deslocamento guardam forte relação com o local de moradia das pessoas. Desta forma, um sistema de transporte caro e ineficiente pode representar um alto peso tanto em termos de tempo como de recursos financeiros de que um cidadão dispõe, sendo inclusive o valor do seu imóvel diferenciado em relação a estes atributos. Residências no centro da cidade podem ter um valor mais alto pela proximidade em relação aos postos de trabalho disponíveis, enquanto que na periferia esta relação pode ser exatamente contrária. É neste sentido que políticas habitacionais que levam os pobres para periferias cada vez mais distantes do centro podem ter efeitos danosos para a sobrevivência destes supostos beneficiários. A implantação de sistemas de transporte que considerem estas especificidades em cada cidade, beneficiando as camadas que têm maior dificuldade em realizar seus deslocamentos, pode ter efeitos redistributivos significativos, minorando as desigualdades espaciais. São muito relevantes neste contexto, as intervenções em transportes em virtude dos GEEs, especialmente aquelas que contemplam demandas populares neste setor (RAEDER, 2010, p.98).

No Pan-Americano disputado no Rio de Janeiro em 2007, várias promessas foram feitas pelo Prefeito do município no que diz respeito às obras que tinham o objetivo de melhorar a mobilidade urbana na cidade, porém somente foram realizadas intervenções em dimensão microlocal, viabilizando o acesso aos equipamentos esportivos e à Vila Pan-Americana. A exceção foi a ampliação do Aeroporto Santos Dumond, mas que, segundo o autor, a reforma já estava prevista antes da confirmação da realização dos jogos. O quadro abaixo relaciona a escala de impacto microlocal com suas ações correspondentes que foram realizadas na criação reformulação das estruturas de transporte e habitacionais para a recepção dos Jogos Panamericano do Rio de Janeiro.

FIGURA 4: Transporte no Pan 2007. FONTE: Raeder (2010, p.103).

Desse modo, alguns gargalos da cidade poderiam ter sido tratados com a realização do megaevento, porém a Prefeitura carioca optou pela criação de faixas exclusivas para efetuar o deslocamento das pessoas diretamente envolvidas nos jogos. Visou-se, dessa forma, sobretudo o ajustamento da cidade para o espetáculo (que segundo o COI deve ser o único grande evento a ser realizado no período de realização do evento), pois de acordo com autor “o espetáculo não é feito para a cidade e sim na cidade, o que em última análise significa que importa mais o espectador que o cidadão” (RAEDER, 2010, p.103).