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1 SITUANDO O OBJETO DE PESQUISA – PROJETO MEDIATO E

1.1 Projeto Mediato

1.1.2 Aquecimento

Parte integrante e de grande relevância para o desenvolvimento do projeto, o treinamento aconteceu durante duas semanas antes do início das atividades nas escolas, com encontros de três ou quatro horas, totalizando 32 horas. Consistiu em um período de imersão teórica e prática, que objetivava dar suporte e material, inclusive metodológico, à equipe composta por 4 mediadoras e 2 supervisoras. Foi dividido, portanto, em três etapas. Na primeira, os encontros se davam com prévia leitura dos textos selecionados e com a apresentação de seminários pelas próprias mediadoras. Na segunda houve a apresentação do espetáculo seguido de diálogo com o ator e a atriz. A terceira consistia em um planejamento das estratégias de mediação, era o momento de pensar a prática; de experimentar possibilidades de exercícios; e, por fim, elaborar os planos de mediação.

Para a primeira etapa elaborei, com o auxílio da diretora/atriz, uma apostila com textos metodológicos sobre mediação e textos teóricos sobre temas que tinham relação direta

com o espetáculo Da janela.16 Neste caso, tínhamos textos sobre arte e política; a respeito

da produção dramatúrgica de Dario Fo; e acerca do referido período histórico brasileiro. A partir de então, dividimos este material em partes, para que cada integrante ficasse responsável pela apresentação de um conjunto de textos. Cabe ressaltar que as mediadoras tinham liberdade de apresentar outras referências (além da apostila) que tivessem relação com o tema exposto no seminário. Havia também estímulo para que elas provocassem uma aproximação do tema, pela via das práticas de mediação, com o possível contexto dos estudantes que atenderíamos.

Na segunda etapa, tivemos o privilégio de ver o espetáculo (e não a filmagem do mesmo, como era o plano inicial), e conversar a respeito do processo de construção artística. Falamos sobre as opções para a adaptação do texto dramatúrgico; das escolhas cênicas para cenário, figurino e encenação de forma geral. A atriz da peça foi também supervisora no Projeto, o que aproximou ainda mais o universo da mediação ao da obra.

O treinamento culminou na elaboração dos planos de mediação. Este, idealmente, deveria incluir os temas que seriam abordados; os questionamentos que poderiam ser feitos aos estudantes para alimentar o diálogo sobre a obra e extrapolar a temática para o cotidiano deles; bem como as atividades que seriam realizadas, com seus respectivos objetivos. Ao término desta terceira etapa, tínhamos três planos diferentes que poderiam servir de base, sendo mesclados e/ou modificados durante sua aplicação. As estratégias elencadas nessa fase, apontavam para o que, e como, seria proposto no momento pré e pós-espetáculo. Algumas mediadoras optaram por introduzir diretamente a temática da peça no primeiro encontro (pré), outras preferiram trabalhar exercícios que beiravam o tema, mas sem falar dele de forma explícita. Este foi também o momento de levantar materiais que poderiam auxiliar a mediação: músicas, imagens, objetos, figurinos e texto dramatúrgico.

Talvez ao invés de pensar nos temas que seriam abordados, tivesse sido mais profícuo pensar de que maneira (como) a mediação poderia estimular os sentidos, auxiliar na produção de subjetividade e na compreensão da alteridade. Antecipando um pouco as conclusões do próximo capítulo pergunto-me: será que nossos planos de mediação já denunciavam o foco conteudista? Será que trabalhar um tema (o da peça) era o melhor caminho para alcançar os sentidos, a subjetividade e a alteridade? Ou poderíamos tomar estas

16 A bibliografia selecionada para a apostila do treinamento pode ser conferida nas referências bibliográficas.

três instâncias por objetivo e deixar que os temas surgissem dentro dos diálogos? Refletirei sobre isso adiante.

Embora mantenha traços que se repetem, a mediação não pode ser sistematizável. Não há um conjunto de procedimentos a ser seguido para se alcançar determinado resultado. A não sistematização se deve a sua configuração. Ela acontece por meio do diálogo e da troca entre uma obra, ou manifestação artística, e pessoas; além disso, a mediação trata de processos individuais, o que impossibilita prever resultados e criar um conjunto de procedimentos. Há exercícios e perguntas que se repetem, mas certamente o que é gerado a partir disso é distinto em cada turma mediada.

Os planos de mediação foram, por fim, experimentados. Cada dupla de mediadoras apresentou e aplicou suas atividades ao restante da equipe. Esta, por sua vez, ponderou suas impressões sobre os exercícios e deu sugestões. Com isso pretendíamos debater as ideias iniciais, avaliar a aplicabilidade e fechar provisoriamente algumas estratégias que serviriam de base para o início das atividades dentro das escolas. Como era esperado, os planos se modificaram ao longo do Projeto, sobretudo nas primeiras semanas. As duplas se mantiveram durante todo o trabalho, pois considerei que as profissionais se sentiriam mais seguras dessa forma.

Alguns benefícios da liberdade dada às mediadoras para elaborarem seus próprios planos de mediação eram: a variedade de exercícios propostos; a construção de uma mediação a partir da temática ou do elemento que elas achassem mais adequado, ou com o/a qual tivessem mais afinidade dentro do universo trabalhado; por fim, a produção de algo que fizesse sentido para as profissionais e não que fosse imposto pela coordenação, por mim neste caso.

Contudo, as ações demonstraram fragilidade em vários momentos, o que será apontado a seguir com a fala das supervisoras. A problemática central a ser levantada sobre o treinamento é a sua real eficácia em instrumentalizar as mediadoras para a função a ser exercida. Um desafio que desponta do Mediato hoje é como evitar que a primeira etapa caia em um deleite intelectual, ou pior, que a apostila seja proforma: sem leitura e sem o necessário aproveitamento. E mais urgentemente, como afinar os objetivos e as ações da equipe para que as mediações não pretendam o informativo, a doutrinação, ou qualquer outro fim que se oponha a ela própria.

Duas semanas de treinamento é um tempo extremamente curto para dar conta de um conteúdo vasto; de experimentação de exercícios práticos; e das questões metodológicas.

Isso aponta para a importância de uma etapa anterior: a seleção de pessoal. Cabe apontar que uma dificuldade na constituição da equipe se deu em função de problemas com a adequação do Mediato ao edital financiador. Não houve possibilidade de realizar entrevistas para a compor o grupo de trabalho imediatamente antes de iniciar o Projeto, pois o edital exigia que os profissionais envolvidos fossem indicados no ato da submissão da proposta, mais de um ano antes da execução. Tendo em vista a complexidade de realizar uma entrevista com a expectativa de contratação após um ano ou mais, caso o Projeto fosse aprovado, optei por convidar as mediadoras.

De todo modo, penso que o convite ou a entrevista, deve levar em consideração o conhecimento e a habilidade em mediação. Caso contrário, corre-se o risco de ter incoerências dentro da equipe que podem minar o projeto, isso é apontado no relatório de uma supervisora, que foi também atriz e diretora do espetáculo.

O trabalho ficou muito comprometido pela falta de bagagem teórica da equipe de mediação. Pontos cruciais que podiam ser desenvolvidos foram negligenciados por não ter havido na seleção da equipe algum critério que dialogasse com a temática da peça. Por exemplo: a presença de mediadores mais familiarizados às temáticas da Luta de Classes, do Capitalismo, da Violência de Estado... Atentar a esse ponto é fundamental, pois essa lacuna compromete todo o trabalho. Desde a mediação até o uso do material educativo.17

Concordo com a fala acima quando diz que a falha na seleção provoca uma lacuna que compromete o trabalho. Entretanto, ressalvo que um processo seletivo não deve ter como critério a bagagem teórica no que diz respeito à temática da peça. Mas sim uma questão mais ampla, de um repertório em mediação, de um conhecimento que vem pelo exercício da habilidade. O problema, portanto, residiu na escolha de profissionais que não levou em consideração o conhecimento e a habilidade em mediação. O conhecimento está relacionado ao saber e a habilidade ao saber fazer, ou seja, maneiras de dar aplicabilidade ao conhecimento, e ambas precisam caminhar juntas. Portanto, não creio que seja a falta de conhecimento sobre violência de Estado ou luta de classes que afetou o desenvolvimento do Projeto, até mesmo porque há situações em que a equipe pode ser selecionada antes de se ter conhecimento sobre a temática do espetáculo. Além disso, vale pensar se o objetivo da mediação pode se confundir com o instruir ou defender acerca de uma temática.

17 Relatório final de supervisão, set. 2014. Para diferenciar a fala dos teóricos e dos participantes do Projeto