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A influência de Dewey e Kilpatrick no desenvolvimento do currículo americano e nas idéias escolanovistas,(3) dominantes no Brasil de 1945 a 1960, faz com que esses autores se tornem focos indispensáveis na análise do pensamento curricular brasileiro e acredito que ambos possam ser incluídos no paradigma Circular-Consensual que abordarei a seguir.

Fundamentado na Fenomenologia existencial e na aplicação do enfoque histórico- hermenêutico, que tem como um de seus conceitos básicos a intersubjetividade e partindo da constatação de que o conhecimento resulta da auto-reflexão dos alunos sobre suas vivências inter-subjetivas e práticas de vida, não podendo, pois ser fornecido pelos professores, tais pesquisadores propõem que o desenvolvimento do currículo deve centrar-se nas experiências e necessidades dos alunos, os quais devem ser os construtores do próprio currículo, cabendo aos professores o acompanhamento, a empatia, a interpretação facilitadora.

PINAR (1975) designa currículo com ênfase na experiência de vida. Para o autor, a

qualidade do ensino é entendida como a qualidade da vida cotidiana que está intimamente relacionada à natureza e à qualidade do engajamento do aluno sobre sua própria experiência educacional. Derivada de sua raiz latina, o termo “currere” adotado envolve o estudo do currículo sob a óptica do mundo da experiência vivenciada pelas pessoas na escola. O “currere” reflete as raízes históricas do campo do currículo em fenomenologia, psicanálise, e o estudo da experiência educacional.

Para PINAR, o “currere” envolve um racional alternativo para o desenvolvimento da

consciência crítica, através da auto-reflexão. Proposto como base na relação dialética entre consciência e matéria, o racional envolve três fases. Na primeira, denominada regressiva, o aluno deve livremente descrever uma história sobre uma experiência vivida (autobiografia). Esta fase requer recordação e descrição do passado fenomenologicamente, e análise das relações das vivências passadas com o presente. Na segunda fase, progressiva, a partir do próprio material produzido, o aluno reflete, num processo compartilhado com outros indivíduos, sobre sua própria história, abrindo-se a um mundo de novas possibilidades futuras. Uma terceira fase, sintética, ocorre quando se totalizam os fragmentos da experiência educacional, situando-a no contexto

56 (3) Educadores cuja pedagogia contemporânea rompe com as normas tradicionais da organização escolar.

político e cultural mais amplo. Esta síntese envolve, ainda, a explicação da relação dialética entre a experiência individual e o contexto mais amplo.

Embora a informação inicial gerada por esse método seja idiossincrática, a expectativa é que o mesmo possa revelar aspectos de um domínio coletivo ou transpessoal da experiência educacional, pela superação dos dados biográficos individuais (PINAR, 1975).

Posso situar, neste paradigma, a proposta educacional de Carl Rogers que propõe um programa revolucionário para a educação universitária, cujo objetivo principal seria estabelecer um ambiente dentro do qual se possa efetuar, livremente, uma aprendizagem auto-dirigida e criativa.

Para que estes processos se concretizem, o ambiente acadêmico deve ser de sustentação e facilitação. Para tanto, bibliotecas, laboratórios, recursos institucionais e didáticos devem estar,

pois, a serviço do aluno, estimulando sua participação e auto-iniciativa. Todo o ambiente deve estar a serviço do crescimento pessoal, interpessoal ou intergrupal dos alunos.

Neste programa, tanto a faculdade como os alunos devem participar do planejamento e da execução das atividades de ensino-aprendizagem. Ao invés do sistema formal de avaliação controlada, o programa deve se basear fundamentalmente na autocrítica e na auto-avaliação. O pressuposto básico é que o estudante pode e quer aprender, desde que lhe seja oferecido um ambiente adequado.

A participação do aluno assume aqui uma dimensão afetiva e pessoal, uma dimensão

construtivista. É neste paradigma curricular que a participação, mais que um instrumento para atendimento de objetivos específicos, é considerada “uma necessidade fundamental do ser

humano... A participação é o caminho natural para o homem exprimir sua tendência inata de realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo e dominar a natureza e o mundo” ( BORDENAVE ,

1987. p.84). Envolve, ainda, segundo esse autor, o atendimento de outras necessidades como “a

interação com os demais homens, a autoexpressão, o desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de criar e recriar coisas, e ainda, a valorização de si mesmo pelos outros”.

Podemos situar, assim, neste paradigma, o pesquisador americano Dewey, que já no final do século XIX, pretendia, na sua filosofia de experiência, desenvolver o currículo prático em que o aluno aprendia fazendo. Por isso se explica o seu empenho em transformar a vida social nu a comunidade em miniatura (MOREIRA, 1990).

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Nesta perspectiva, o professor devia engajar-se não apenas no treinamento de indivíduos, mas também na formação de uma vida social apropriada. Daí a ênfase na educação moral, considerada como instrumento facilitador das relações sociais adequadas (DEWEY, 1974).

O valor do currículo para Dewey está na possibilidade "de mostrar ao mestre os caminhos

abertos à criança para o verdadeiro, o belo, o bom " (idem,1974, p.360), permitindo ao mesmo

tempo determinar o ambiente, o meio necessário para o desenvolvimento da educação, e, assim, dirigir indiretamente a sua atividade mental. Segundo ele, tudo se resume na atividade que entra na inteligência reagindo ao que lhe é apresentado. O professor no dia a dia trabalhará para que as condições sejam tais que a criança, pela sua própria atividade, se oriente inevitavelmente naquela direção para o seu desenvolvimento pleno. Para Dewey, a educação é vista como um método fundamental de progresso e reforma social. Nesse sentido, ele desejaria uma sociedade com uma

participação igualitária de todos os membros no bem comum, onde interna eexternamente exista uma comunicação de experiência (DEWEY ,1974). Acredita que o comportamento do jovem será

influenciado pela participação em atividades de grupo:

" Suas crenças e idéias, em outras palavras, tomarão uma forma semelhante às daquelas dos outros no grupo. Ele também adquirirá fundamentalmente o mesmo estoque de conhecimento, já que este conhecimento é um ingrediente de suas atividades habituais" (DEWEY,1974.p.314).

Dewey influencia a educação através de uma concepção de aprendizagem que está ligada ao progresso social, que resulta da análise das relações existentes entre o indivíduo e os eventos ambientais. Para este autor, não se pode distinguir com clareza o estímulo e a resposta, porque ambas estão relacionadas organicamente, que entre o estímulo e a resposta estão as experiências mediadoras do indivíduo e, desta forma, propõe uma ação inteligente do sujeito e não uma simples resposta condicionada. As outras idéias fundamentais de Dewey referem-se aos interesses e às metas da educação atribuindo uma grande importância aos interesses como fonte de motivação e às metas como as diretrizes orientadoras da educação (DEWEY,1974).

Dewey, através de sua visão de homem e de mundo, consegue captar os anseios da população americana e propõe uma educação democrática que se torna a esperança de todas as classes e um instrumento de reforma social.

Para o autor, o controle social deveria se processar de forma indireta e interna, não poderia

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ser coercitivo, assim a escola promoveria controle social indireto por meio de um trabalho realizado como um esforço comum, no qual todos os indivíduos teriam voz e pelo qual todos se sentiriam responsáveis (op.cit., 1974).

Embora a obra de KILPATRICK (1969) apresente idéias muito semelhantes às do seu

mestre Dewey, existem algumas diferenças que a seguir exporei. Kilpatrick baseia sua explicação do mecanismo de controle social no estabelecimento de conexões estímulo-resposta. Observemos a citação:

"Estamos, então, interessados em que as crianças adquiram um bom estoque de idéias que possam servir de estímulo para a conduta, que desenvolvam uma boa capacidade de julgamento que lhes permita selecionar a idéia apropriada em um dado caso, e que estabeleçam elos de respostas tais que produzam - tão inevitavelmente quanto possível - a conduta adequada assim que a idéia

apropriada tenha sido escolhida. De acordo com essa análise (necessariamente simplificada) nós desejamos um procedimento escolar tal que tenha a probabilidade de desenvolver: o conjunto de idéias necessárias, a habilidade que se precisa para julgar uma situação moral, e laços de respostas apropriados que não falhem. Para obter os três aspectos mencionados podemos pensar em um melhor modo de viver em um meio social que ofereça, sob uma supervisão competente, condições de participação conjunta em uma variedade de situações sociais " (KILPATRICK,1969. p.23).

A participação do aluno (Cf. DEWEY, 1974) assume aqui uma dimensão afetiva e pessoal.

É neste paradigma curricular que este, mais que um instrumento para o atendimento de objetivos específicos, é considerado uma necessidade fundamental do ser humano, sendo o caminho natural para o homem exprimir sua tendência inata de realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo e dominar a natureza e o mundo. Envolve ainda o atendimento de outras necessidades, como a interação com os demais homens, a auto-expressão, o desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de criar e recriar coisas e, ainda, a valorização de si mesmo pelos outros.

Embora represente avanços no sentido de situar os alunos como centro do processo educativo, de valorizar o trabalho em grupo, a comunicação interpessoal, a história de vida e da realidade dos alunos, de buscar o desenvolvimento da consciência e da compreensão, esta orientação tem sido criticada por constituir a negação da escola como instância de socialização do saber sistematizado.

As críticas às idéias de Dewey apontam que a escola tal como concebida não poderia

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resolver o problema das desigualdades sócio-econômicas existentes. Assinalam, ainda, que as escolas como agentes de educação se ligam à ordem empresarial e industrial mais do que a uma ordem social de mudança. Enfatizam que quanto maior for a qualificação acadêmico-profissional, maior a produtividade do ponto de vista econômico, o que poderia propiciar a integração e a nivelação dos membros de uma sociedade, independente das suas origens (APPLE, 1989).