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A regra nas relações contratuais de natureza privada é a autonomia da vontade, estando os indivíduos livres para contratar o que melhor lhes aprouver. A liberdade contratual, naturalmente, não é absoluta. Os agentes privados são livres para fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. É a inteligência do princípio da legalidade, consagrado no art. 5º, II, da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”74.

Como consequência disso, a Lei de Arbitragem enuncia, em seu art. 2º75, que as partes,

em ajustes privados, têm liberdade para escolher as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, podendo optar, inclusive, pelo julgamento por equidade ou, ainda, no sentido de que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. A liberdade na escolha das regras aplicáveis encontra limites nos bons costumes e na ordem pública. 76

O princípio da legalidade, contudo, tem dupla acepção. Ao passo que, para o cidadão, na forma do art. 5º, inciso II, da Carta de 1988, representa uma redoma de proteção contra a intromissão indevida do Estado na sua esfera de liberdade, para a Administração Pública o princípio da legalidade significa que só podem os entes administrativos fazer aquilo que a lei autoriza ou determina, conforme consagrado no caput do art. 37 da Constituição Federal. Na clássica lição de Hely Lopes Meirelles:

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o

74 Vide, a respeito do princípio da legalidade: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 32ª ed. (rev. e

atual.), São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 420/430.

75 O art. 2º da Lei de Arbitragem, na sua redação original, antes da inclusão nele do § 3º, pela Lei nº 13.129/2015, possuía a

seguinte redação: “Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.”

76 Nesse sentido, ensina Joaquim de Paiva Muniz que “[o] artigo 2º da Lei de Arbitragem autoriza as partes a escolherem,

livremente, as regras aplicáveis à solução do mérito do litígio. Essa autorização engloba não só a possibilidade de eleger a lei de países estrangeiros, como de escolher fontes que não sejam propriamente ordenamentos jurídicos, tais como princípios gerais de direito, usos e costumes, regras internacionais do comércio e até mesmo julgamento por equidade. Essa escolha não poderá, contudo, resultar em infração aos bons costumes ou à ordem pública” (MUNIZ, Joaquim de Paiva, op. cit., p. 43).

particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.77

Ou seja: o administrador público, seja ele agente político, seja ele servidor público, está condicionado, em seu atuar, às prescrições legais existentes. Pauta a sua atuação na lei. Faz (ou deveria fazer) aquilo que a lei determina ou autoriza. A lei, ao mesmo tempo que representa uma proteção para o cidadão contra abusos estatais, oferece segurança jurídica ao agente público quanto à licitude dos atos praticados, no exercício de suas funções. Se a Administração Pública está obrigada a atuar nos limites do direito posto, é natural que eventuais conflitos em que se envolva sejam dirimidos com base no direito aplicável. Seria um contrassenso exigir do Poder Público que atue em consonância com as normas jurídicas em vigor e, ao mesmo tempo, julgar os seus atos com base em regras de equidade. Lembre-se: o Poder Público, diferente dos particulares, não tem liberdade de escolha; não pode atuar por equidade (ainda que a sua atuação, finalisticamente, tenha por objetivo a satisfação de interesses públicos de cunho primário, como é o caso da realização da justiça). Logo, eventuais conflitos em que se envolva devem ser dirimidos com base nos princípios da legalidade e da juridicidade.78 Foi feliz, portanto, o legislador ao estabelecer que as

arbitragens que envolvam a Administração Pública serão sempre de direito (art. 2º, § 3º, da Lei nº 9.307/96, com a redação atribuída pela Lei nº 13.129/2015).79

77 MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 89. Em sentido semelhante: SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 427/428. E ainda:

BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 615/616 (“Para o Poder Público, todavia, o princípio da legalidade assume feição diversa. Ao contrário dos particulares, que se movem por vontade própria, aos agentes públicos somente é facultado agir por imposição ou autorização legal. Inexistindo lei, não haverá atuação administrativa legítima. A simetria é patente. Os indivíduos e pessoas privadas podem fazer tudo o que a lei não veda; os Poderes Públicos somente podem praticar os atos determinados pela lei. Como decorrência, tudo aquilo que não resulta de prescrição legal é vedado ao administrador. Os dois sentidos do princípio são, na verdade, complementares, tendo-se em conta que todo ato do Poder Público importa em alguma medida restrição à esfera de liberdade dos indivíduos, o que, como já referido, exige fundamento legal”).

78Vide, em linha semelhante, SALLA, Ricardo Medina. Novas características da arbitragem envolvendo a administração

pública. In: HOLANDA, FLAVIA & (coord.). A nova lei de arbitragem brasileira, São Paulo: IOB SAGE, 2015, p. 29/30.

79 Em sentido contrário, defendendo (antes da edição da Lei nº 13.129/2015) a adoção da arbitragem por equidade nos

conflitos com a Administração Pública, baseada na experiência chilena, confira-se: LEMES, Selma Ferreira, op. cit., p. 279/281.

4.3. O princípio da publicidade e seus reflexos no procedimento arbitral. Como fica a