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“É da natureza da arbitragem” (fruto do próprio princípio da autonomia da vontade), como bem enfatiza Carlos Alberto Carmona, “que as partes possam se envolver na formação do tribunal arbitral, o que revela uma verdadeira participação delas na administração da justiça”146. E prossegue o ilustre arbitralista:

Mas é natural que cada parte escolha o árbitro que quiser, respeitadas as restrições previstas em lei (imparcialidade, por exemplo) e no regulamento que escolherem (se a arbitragem for institucional). Não seria natural que fossem obrigadas a negociar para conseguir, à unanimidade, o apontamento de um colégio de três julgadores, por exemplo.147

Causa perplexidade, por isso mesmo, a regra do art. 3º, § 3º, do Decreto nº 8.465/2015ª, ao exigir que os árbitros sejam escolhidos de comum acordo pelas partes. Isso já é dificílimo nos casos em que os contratantes optam pela nomeação de árbitro único para dirimir o litígio. Quanto mais em se tratando de tribunal arbitral, de caráter colegiado. Em tais casos, é virtualmente impossível que as partes cheguem a um consenso quanto ao nome de três árbitros. Restringe-se, com isso, um dos principais direitos das partes em uma arbitragem, consistente na escolha do coárbitro e consequente participação na formação do tribunal arbitral.

A tendência é que, na ausência de consenso entre as partes, a nomeação dos árbitros fique a cargo da câmara responsável por administrar o procedimento, na forma do respectivo regulamento, respeitados os requisitos do art. 5º do aludido Decreto148, a saber:

146CARMONA, Carlos Alberto, op. cit. 147CARMONA, Carlos Alberto, op. cit.

148Estatui, ainda, o parágrafo único do art. 5º que, “na hipótese de árbitro estrangeiro, este deverá possuir visto que autorize

o exercício da atividade no Brasil”. E diz o art. 3º, § 2º, por outra banda, que “no caso de litígios que devam ser necessariamente decididos por colegiado de árbitros, na forma do inciso V do caput, pelo menos um dos árbitros será

(i) estar no gozo de plena capacidade civil;

(ii) deter conhecimento técnico compatível com a natureza do litígio; e

(iii) não ter, com as partes ou com o litígio que lhe for submetido, relações que caracterizem os casos de impedimento ou suspeição de juízes, conforme previsto no Código de Processo Civil.

Aliás, no caso Libra Terminais, o item 4.1 do Termo de Compromisso encarregou, textualmente, a instituição arbitral eleita (CAM-CCBC) de fazer a indicação dos árbitros.149

Reservou às partes, no entanto, uma espécie de poder de veto, de caráter limitado, permitindo que cada uma delas rejeite até três indicações feitas pela câmara, nos termos do respectivo item 4.1.1, cujo teor é o seguinte:

4.1.1 Os currículos dos Árbitros indicados pela Câmara serão submetidos à análise das Partes, que poderão rejeitar, cada uma, até 3 (três) indicações, ou seja, de um lado, a SEP e a CODESP, conjuntamente, poderão rejeitar até três indicações; de outro lado, a LIBRA TERMINAL 35 e a LIBRA TERMINAIS, conjuntamente, poderão rejeitar até três indicações.

É uma mecânica curiosa, na medida em que não encontra previsão no ato normativo editado pelo Poder Executivo, porém inteligente. Permanecem as partes, pelo procedimento delineado no Termo de Compromisso, com a possibilidade de influenciar na formação do tribunal arbitral, resgatando (ainda que parcialmente) um elemento que é da essência da arbitragem, qual seja, o direito de participar da escolha dos árbitros.

Ainda assim, o modelo definido pela Lei de Arbitrageme consagrado pela Lei Modelo

da UNCITRAL é o de que compete às partes a nomeação dos árbitros. Reza, a propósito, o art. 13, § 1º, da Lei nº 9.307/1996:

bacharel em Direito, sem prejuízo da obrigatoriedade de cumprimento dos requisitos do art. 5º.” Ambas as regras são, em realidade, desnecessárias e absolutamente dispensáveis. A primeira por praticamente inviabilizar, sem qualquer razão plausível, a nomeação de árbitros estrangeiros para funcionar em arbitragens no setor portuário, tendo em vista as dificuldades inerentes à obtenção de vistos dessa natureza. A segunda por criar exigência que não consta da lei e que tampouco se presta ao fim nela pretendido. É lembrar, neste particular, que a Lei de Arbitragem não exige conhecimento jurídico para o exercício da função de árbitro. Muito ao contrário, “pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes” (art. 13, caput, da Lei nº 9.307/1996). Ademais, se conhecimento jurídico fosse uma condicionante indispensável para a nomeação como árbitro, a sua medida não seria o bacharelado em direito, mas a qualificação profissional de advogado.

149 “4.1 As partes acordam que o litígio será dirimido por 3 (três) Árbitros, indicados pela Câmara, nos termos do art. 3º, § 3º,

Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.

§ 1º As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os respectivos suplentes.

(...)

Em sentido semelhante, preconiza o art. 11 (2) e (3) da Lei Modelo da UNCITRAL:

Artigo 11º Nomeação dos árbitros. (...)

(2) As partes podem, por acordo, escolher livremente o processo de nomeação do árbitro ou dos árbitros, sem prejuízo das disposições dos parágrafos 4º e 5º do presente artigo.

(3) Na falta de tal acordo,

(a) no caso de um arbitragem com três árbitros, cada uma das partes nomeia um árbitro e os dois árbitros assim nomeados escolhem o terceiro árbitro; se uma das partes não nomear seu respectivo árbitro no prazo de 30 (trinta) dias a contar da recepção de um 14 pedido feito nesse sentido pela outra parte, ou se os dois árbitros não chegarem a um acordo quanto à escolha do terceiro árbitro dentro de 30 (trinta) dias a contar da respectiva designação, a nomeação será feita a pedido de uma das partes, por um tribunal estatal ou por outra autoridade referida no artigo 6.º; (b) No caso de uma arbitragem com um único árbitro, se as partes não chegarem a um acordo sobre a escolha do árbitro, este será nomeado, a pedido de uma das partes, por um tribunal estatal ou por outra autoridade referida no artigo 6º.

(...)

A intenção do legislador, no campo da arbitragem, é historicamente a de prestigiar a autonomia da vontade, permitindo que o litigante participe da formação do tribunal arbitral. A disposição contida no art. 3, § 3º, do Decreto sob análise não encontra respaldo na legislação em vigor e nem, tampouco, nas melhores práticas internacionais. É regra inexplicável e injustificável. A escolha dos respectivos coárbitros contribui para a formação de um colegiado mais equilibrado e repercute na qualidade e legitimidade da sentença arbitral. Faz mais sentido perseverar no modelo que já vem funcionando (e bem), do que querer reinventar a roda.