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A Argumentação Jurídica Contemporânea: uma nova proposta metodológica para o Direito

A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E O DEBATE METODOLÓGICO JURÍDICO ATUAL

2.4 A Argumentação Jurídica Contemporânea: uma nova proposta metodológica para o Direito

Desde a Antiguidade, o homem busca na Filosofia, na Poesia, na Arte, e, especialmente, na Ciência, a causa física ou metafísica dos fenômenos, factuais ou mentais. Essa angústia, inquietude e perplexidade conduz a ânsia humana de conhecimento em direção à verdade, esta sempre ideal, por sua própria força.

Lançou-se então o homem à procura de uma causa para suas

obrigações ou os seus deveres jurídicos na relações com seus semelhantes ou com o Estado, com o expresso na obra de Marco Túlio Cícero98.

É, aliás, da própria natureza humana buscar um sentido, uma razão, uma finalidade prática ou de essência, enfim, em última análise, uma

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causa para as circunstâncias que, literalmente, está o à sua volta, no mundo o homem transforma estas circunstâncias em objeto de conhecimento, e o Direito, independentemente de sua pretensão de autonomia como objeto apriorístico ou ideal, sob o enfoque normativista, ou como objeto puramente empírico, sob o viés da escola realista, também no mundo (mental ou real) para ser conhecido pelo homem (ou, como preferem outros, construído dialeticamente pelo próprio sujeito cognoscente).

Depreende-se assim, da teoria atual acerca do discurso, que

a resultante da atual configuração da argumentação é a origem racional e social do homem, sendo esse fato que compele a dar alguma satisfação aos outros sobre boa parte de nossa conduta e sobre o que decidimos fazer e, muitas vezes, a respeito daquilo que pensamos. Na verdade, a princípio o que se visualiza é uma relação ínsita racionalidade, que assume duas funções diversas: uma, cognitiva dos objetos do conhecimento e a outra, exploradora de condição do homem como ser social.

Deve-se iniciar a exposição da Teoria da Argumentação

recordando a possibilidade de tomar como fundamento a constatação de que o homem é um ser racional e, como tal, possui, na argumentação, uma das fontes da sua própria natureza humana, socialmente construída.

Aliás, as pesquisas desenvolvidas no marco da moderna

Teoria da Argumentação Jurídica, prestam-se ao desempenho de diferentes funções: no plano teórico, além de proporcionar uma maior compreensão do fenômeno jurídico em seus múltiplos aspectos, colaboram com o desenvolvimento de outras disciplinas (Filosofia, Ciência Política, Literatura, Sociologia), nas quais, também, se estuda a prática argumentativa; no plano prático, tem ela função instrumental, servindo, de um lado, para orientar os operadores jurídicos na produção, interpretação e aplicação do Direito através da apresentação de métodos condizentes com a efetiva prática de justificação jurídica e de critérios avaliadores da sua correção lógica e racional, e, de outro, ensinando-os, pela formação acadêmica, a raciocinar juridicamente de maneira adequada, ou seja, o mais racionalmente possível, conforme Warat99, sem a carga ideológica e de senso comum que os juristas ordinariamente carregam:

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No discurso retórico do direito a adequação às crenças jurídicas realiza-se através de um conjunto de efeitos. Entre os mesmos releva o da verdade provada, da legalidade, segurança, racionalidade, etc. Para nos conferirmos a estes efeitos, podemos apelar também à condição retórica de sentido. Assim, mediante esta última caracterização funcional, advertimos que a condição retórica pode mostrar- se operativa para vários momentos do raciocínio persuasivo, ora indicando a relação com a ideologia, ora mostrando o caráter ideológico da premissa maior, ora expondo os efeitos que devem produzir-se para que sejam aceitas as conclusões do raciocínio retórico.

A argumentação jurídica pode, também, no campo político- ideológico, desmistificar a ideologia jurídica e social que está na base de cada sistema social. No desempenho dessa função, percebe-se que, em geral, as teorias atualmente existentes colaboram mais para legitimar o Direito do que para apontar suas falhas, porque se baseiam no pressuposto fundamental de que sempre é possível fazer justiça de acordo com o Direito.

Atienza100 chega mesmo a dizer que a construção do modelo argumentativo do Direito serve para produzir, aplicar e interpretá-lo o configurando-lhe um caráter instrumental amplamente utilizável.

Destarte em síntese ao pensamento de Atienza, as Teorias da Argumentação falam de diferentes interesses cognitivos, sendo a) descritivas ou empíricas – quando servem para a produção do saber e do conteúdo material da norma jurídica; b)prescritivas ou normativas – quando se dispõem como técnica linguística de construção de conceitos para o Direito Positivo e c) compreensivas - quando interpretam e valoram o Direito Positivo vigente, ou os atos, como nas decisões e pareceres jurídicos que nele se baseiem.

A função de recriação do Direito pela da argumentação jurídica é, assim, uma tarefa hermenêutico-compreenssiva da mais alta importância, posto que fundamenta a possibilidade de uma visão transformadora da realidade jurídica material, permeando os fatos e as normas sob a égide

jurídica em função de disponibilizar, pela reconstrução argumentativa, os valores centrais do próprio sistema que, muitas vezes, não são concretizados no âmbito do Direito Positivo pela limitação da dogmática tradicional. Nesse sentido, diz Warat101 que

restringindo o conceito podemos definir como condições retóricas positivadas aqueles princípios, noções e teorias da dogmática jurídica que operam como padrões e estereótipos das crenças jurídicas dominantes, como por exemplo, o princípio da legalidade ou a teoria do bem jurídico protegido. Tais noções, princípios é um instrumental analítico que comunica as representações simbólica da cultura dos juristas.

Desse modo, a argumentação deve, em suma e principalmente, garantir mais que a simples aceitação das decisões, mas, oferecer critérios (clareza, concisão, coerência, uniformidade e sistematicidade do discurso etc) para que sejam avaliadas em sua racionalidade, o que só pode ser feito por uma avaliação da coerência lógica e da correção lingüística da aplicação dos argumentos, no marco da ordem jurídica válida. Em geral, as teorias existentes combinam os três aspectos mencionados (normativo, descritivo e compreensivo), sendo que, no âmbito prescritivo, limitam-se ao aspecto formal, sem indicar critérios materiais de correção a que as decisões jurídicas devam ajustar-se.

No presente trabalho, a argumentação jurídica será examinada em seu contexto de justificação, a fim de que o contexto mesmo de elaboração dos argumentos este esclarecido. O descobrimento do argumento consiste na atividade procedimental pelo qual surge e se desenvolve determinada forma argumentativa, enquanto a justificação refere à validação da teoria, mediante seu contorno com certos fatos e uma análise lógica da questão.

Todas essas questões têm sido, desde o século XIX, objeto de indagação e resposta por diversas formas de metodologia do Direito, pois envolve uma séria reflexão sobre o próprio significado do fenômeno jurídico e

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ATIENZA, Manuel. Las Razones del derecho. Teorias de la Argumentación Jurídica. Espanha, Madrid: Fareso. 1997. p. 251.

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suas relações com outros relevantes setores da vida social. A grande questão, ainda restante é a de que não se logrou encontrar o caminho que leva à resposta certa preconizada pela teoria de Robert Alexy, talvez porque os esforços concentrem-se no exame da forma pela qual as decisões estão justificadas e não na sua interação gnoseológica com o conhecimento científico do Direito.

A construção desse novo paradigma dogmático (científico) do Direito foi obra de autores que tratam da argumentação jurídica, estudados sinteticamente no capítulo terceiro. Aliás, para que se tenha uma panorâmica do atual estádio das investigações, menciona-se, embora de forma sintetizada, algumas idéias de diferentes autores, para que se possa contextualizar a construção da argumentação jurídica como metodologia da Ciência do Direito.

CAPÍTULO 3