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O ARGUMENTO NÃO SE APLICA COM A MESMA PERTINÊNCIA A TODAS AS MODALIDADES

EVIDÊNCIAS A PARTIR DE UM CASO DE IMPUNIDADE

5. O ARGUMENTO NÃO SE APLICA COM A MESMA PERTINÊNCIA A TODAS AS MODALIDADES

(VARIEDADES) DAPRÁTICA EMQUESTÃO

1. OARGUMENTO NÃOÉ AUTO-SUFICIENTEE NÃOFAZ REFERÊNCIA DIRETAMENTE ÀSIDEIAS QUEREPETITIVAMENTE SUSTENTAM ARAZÃO DESER DE UMA PRÁTICASOCIAL INSTITUCIONALIZADA (MAS FAZ REFERÊNCIAA OUTROS ESTADOS-DE-COISA-A-CONHECER: CONSEQUÊNCIAS, OPINIOES ETC.)

2. O ARGUMENTONÃOOFERECEUM PONTO DE APOIO PARAO ASSENTIMENTOE NÃOINDUZ, EMREGRA GERAL, UMFORTE VALOR DE APROVAÇÃO

3. O ARGUMENTONÃOÉ CONTEMPORÂNEIO ÀPRÁTICA (NÃOTEM AMESMA LONGEVIDADE) E NÃOTEM UMALCANCE RETROATIVO

4. OARGUMENTO NÃOÉ APLICÁVELEM TODOS OSLUGARES ONDEA PRÁTICAEXISTE (REGIONAL)

5. O ARGUMENTONÃOSE APLICACOM AMESMA PERTINÊNCIAATODAS ASMODALIDADES

(VARIEDADES) DAPRÁTICA EMQUESTÃO

Nesse exemplo, os círculos representam os escores totais, em termos de “qualidade epistêmica”, alcançados por cada decisão (do conjunto composto por dez decisões) que busca a máxima qualidade epistêmica on the spot, ou seja, localmente. O escore global associado à estratégia de decisão consistente na maximização on the spot é, nesse exemplo, igual a 45 pontos. Esse valor é inferior aos 56 pontos alcançados pela estratégia alternativa de decisão (cujos escores totais, por decisão, estão indicados pelas cruzes), a saber, a que reco- menda decisões que sigam regras de simples aplicação.

A validade desse resultado em geral, para diferentes situações e con- juntos de decisões, ou mesmo na maioria dos casos, exige que as normas com as quais se faz a regulação probatória induzam, no agregado, decisões epistemicamente superiores às tomadas a partir da estratégia de maximiza- ção local. Isso poderia ocorrer tanto pelas virtudes das regras selecionadas quanto pelos vícios da estratégia alternativa. Em relação aos últimos, pode- ríamos sem dúvida contar o fato do risco significativo de erros de decisão nas situações de incerteza ou ignorância. Quanto às primeiras, contaríamos,

em abstrato, os menores custos totais de decisão e a maior contribuição para a segurança jurídica das pessoas direta e indiretamente afetadas. O problema, concretamente, surge no plano da avaliação comparativa: (i) das diminuições das probabilidades dos erros Tipo I e Tipo II associadas a cada estratégia; e, consequentemente, (ii) de seus respectivos desempenhos globais. Excluindo hipóteses extremas de regras prima facie irracionais e de julgadores incor- rigivelmente incompetentes, é difícil até imaginar testes empíricos que nos permitam realizar a requerida avaliação comparativa com alguma confia- bilidade. O mais plausível é crer que tenhamos que conviver com um estado de ignorância a respeito de qual seria a melhor estratégia da perspectiva consequencialista e confiarmos essa escolha a critérios normativos distintos e complementares.

A determinação do “ponto ótimo” para a regulação – por meio de regras – das atividades de produção e valoração de provas no Direito não é instru- mental apenas ao cumprimento da função epistêmica da adjudicação. Além disso, como visto anteriormente, trata-se igualmente do cuidado com a justa alocação dos riscos de erros de decisão entre as pessoas afetadas. Quanto mais estrita for a relação de reciprocidade entre as posições dos litigantes em um processo, mais o problema da minimização dos riscos de erro será para-

sitário do problema distributivo, na medida em que a redução de um dos tipos de erro implicará um aumento do outro tipo, em prejuízo de uma das partes do litígio. Quanto mais a interação entre estas últimas se aproxima de um jogo de soma zero, mais a decisão alocativa determina, ceteris paribus a quantidade do risco do erro e o seu tipo. Nesse sentido, a escolha de política jurídica acerca da distribuição dos riscos de erro entre as diferentes classes de litigantes deve preceder a do desenho dos mecanismos institucionais que lidarão com o problema da sua minimização.

No Direito norte-americano, por exemplo, as discussões sobre a questão

do padrão de prova (standard of proof ou burden of persuasion) parecem refletir

precisamente essa preocupação12. Na distinção entre os padrões do beyond

reasonable doubt, clear and convincing evidence, e preponderance of the

evidence, acham-se explicitamente compreendidas as diferentes opções polí- ticas adotadas sobre como o risco de decisões equivocadas deverá alocar-se entre as partes por classe de litígio. Em particular, a parte que toca ao réu no

risco total de erro é crescente no caminho do primeiro ao terceiro dos padrões de prova mencionados. A gradação é coerente com um perfil de preferências políticas que responde, predominantemente, à espécie de sanção a que o réu está sujeito no processo, com a quantidade mínima de risco lhe sendo alocada quando enfrenta a possibilidade de sanção criminal. Nos casos de responsabi- lização civil, e a menos que particularly important individual interests are at

stake, será o padrão do preponderance of the evidence que entrará em cena

com uma roughly equal allocation of the risk of error between litigants13.

A menção explícita ao efeito distributivo associado à escolha do padrão de prova pela Suprema Corte (com o adendo de que qualquer outro standard

expresses a preference for one side’s interests) é revelador da ampla conscien- tização sobre a existência de uma correspondência entre padrões de prova e de distribuição dos riscos de erro na atribuição de responsabilidade jurídica. O padrão de distribuição figura como o resultado esperado das regras que definem os padrões de prova. Mas, o resultado deve ser diferenciado do suporte fático da norma que visa a sua produção. A regra do beyond reasonable doubt, por exemplo, estabelece que a condenação penal de alguém somente poderá ocorrer se sua culpabilidade tiver restado provada “acima de qualquer dúvida razoável”, retirando do réu, com isso, parcela substancial do risco de uma decisão equivocada. Esse efeito normativamente desejado nada diz, no entanto, acerca do significado da regra ou da forma como deve ser operacionalizada (e.g., por um júri) no processo de aplicação.

No texto citado14, Michael Pardo introduz, para falar da solução desse

problema de operacionalização, a noção de “regras de prova de segunda ordem”, que regulam como as regras de primeira ordem devem ser aplicadas. Pardo recomenda, para o caso americano, o abandono das regras de prova de segunda ordem do tipo probabilístico em favor das do tipo explanatório. No primeiro caso, o padrão de prova é identificado à máxima probabilidade de erro que poderia ser tolerada em vista das possíveis consequências para o réu (e.g., 10% nas hipóteses de imposição de uma sanção penal); no segundo, o modelo provém da ideia de “inferência para a melhor explicação”: “proposi- tions are considered proven or not based on how well they explain the evidence and events under dispute”. De acordo com esse modelo, a regra de prova do

se: (i) existir uma explicação plausível que inclua F para as evidências presentes nos autos; e (ii) não existir uma explicação plausível para essas evidências que não o inclua. Por sua vez, F seria considerado provado segundo a regra de prova do preponderance of the evidence se a melhor explicação para as evi- dências disponíveis nos autos incluir F.

Nesse contexto, deve nos interessar tanto a discussão dos modelos para a construção de regras de prova de segunda ordem quanto a imagem de uma cadeia vertical de regras que disciplina a produção e a valoração de provas nos processos de adjudicação. Com relação ao primeiro ponto, a concepção “explanatória” das regras de segunda ordem parece difícil de compatibilizar com a estrutura do juízo que acompanha os casos de responsabilidade pelo risco. Nesses, com efeito, o objetivo do processo de instrução é coletar infor-

mações que autorizem um prognóstico, i.e., uma proposição que afirma a

possibilidade de que aconteça algo que ainda não aconteceu. A relação entre evidências disponíveis e proposição a ser provada não tem portanto, a natureza de uma explicação. A proposição não tem por escopo “acomodar-se” aos fatos e evidências previamente coletados, mas prever fatos futuros cuja eventual comprovação requer o acesso a evidências que não estão, e possivelmente não estarão disponíveis ao longo do processo para o julgador ou as partes (na predição, a hipótese, ainda que seja baseada em evidências previamente dis- poníveis, terá sido, por definição, formulada antes da obtenção das evidências que a confirmarão ou a falsificarão empiricamente).

É então em virtude dessa referência ao futuro que, nas predições acerca da ocorrência de um fato F, a remissão à possibilidade de que F ocorra já comparece necessariamente no corpo da proposição afirmada. Nesse sentido,

o conteúdo semântico atribuído a ambas as prognoses: “F ocorrerá, se x”, e

“F não ocorrerá, se x”, incluirá, implicitamente, a remissão à possibilidade (e.g., a uma probabilidade p tal que p>0) de que F ocorra bem como à possi- bilidade de que F não ocorra (nas explicações, isso não pode ser observado, pois o fato a ser explicado, e os fatos que o explicam, já ocorreram no passado). Daí se conclui que, para a prova do fato de que x “pode causar” y, dever-se-á superar a questão do “grau de possibilidade” a partir do qual o fato contará como tendo se verificado. A “ideia probabilística”, assim, é, em um sentido informal e bastante elementar, integrante do desenho de regras para a prova

da possibilidade de que x “cause” y, na medida em que ela comparece, impli- citamente pelo menos, na própria interpretação do antecedente da norma que

determina o fato a ser provado15. Por exemplo, pode-se ter que a sentença “o

ato x pode produzir o dano y” será considerada como verdadeira se for “muito verossímil” que, dado x, siga-se y. Nesse caso, estar-se-á admitindo que o autor de x poderá ser responsabilizado mesmo diante de uma “pequena chance” de que y efetivamente não se constate após a ocorrência de x.

O risco de erro de decisão poderia ser posteriormente incorporado a esse quadro como indicador para o padrão de prova aplicável ao caso, e.g., como

probabilidade máxima de erro juridicamente admissível para o juízo que assevera ser “muito verossímil” que, ceteris paribus, dado x, siga-se y. Agora, não obstante, o apelo à “ideia probabilística” será opcional, podendo ser pre- terido em favor de um modelo mais facilmente operacionalizável para a con- cepção do padrão de prova. A expressão “muito verossímil”, por exemplo, poderia ser interpretada de forma tal a garantir sua verificação nos processos de instrução por meio de argumentos meramente qualitativos. E a compre- ensão do correspondente padrão de prova poderia então migrar, do modelo probabilístico, para algo análogo ao modelo explanatório. A predição P: “x pode produzir y” (i.e.,“é muito verossímil que, dado x, siga-se y”), ilustrati- vamente, poderia considerar-se como provada se inexistir, no conjunto das predições disponíveis sobre o efeito de x, alguma “mais razoável” ou “mais plausível” do que P, com os significados das expressões “mais plausível” e “mais razoável” sendo entendidos em termos qualitativos e endógenos ao jogo retórico dos processos de argumentação no âmbito da adjudicação.

Evidentemente, a transparência e a racionalidade desse jogo continuariam dependentes de cadeias verticais de regras de prova que mantenham as atividades de geração e valoração de provas sob controle intersubjetivo. Mas nada nessa justa demanda impõe uma compreensão estritamente quantitativa do sentido das regras que estabelecem os principais parâmetros dos processos probatórios: os padrões de prova aplicáveis a cada categoria de caso. Se há algo a reter da proposta de uma ampla “virada institucional” na teoria do Direito, é o fato de que o recurso a “heurísticas” ou regras simples de decisão é fundamental para a racionalidade dos processos de aplicação do Direito tendo em conta as vastas incompletudes informacionais e imperfeições cognitivas que caracterizam as

correspondentes situações de decisão. Em tais condições, é indispensável inven- tar e institucionalizar estratégias de simplificação para lidar, controladamente, com as perguntas difíceis que o Direito é constantemente chamado a responder nos litígios particulares.

A legitimidade dessas regras, contudo, não é algo que se alcance tecni- camente com os meios da dogmática jurídica ou de alguma disciplina científica tematicamente relevante. O terreno onde se resolve o problema da legitimidade não é o da Técnica e da Ciência, mas o da Política. Não se trata de eleger os meios mais adequados para a realização de fins predefinidos, mas sim de definir os fins que são dignos de compartilhamento e persecução. Como des- tacado anteriormente, trata-se de discutir, politicamente, como queremos distribuir, na adjudicação, os riscos de que as decisões sejam equivocadas em uma direção ou em outra. No contexto da responsabilidade jurídica pelo risco, essa discussão verticaliza a discussão mais ampla a respeito da repartição dos mais diversos tipos de risco na sociedade moderna. Os problemas de como definir e alocar riscos na “sociedade de riscos” são políticos all the way down.

acerca do caráter comunicativo e socialmente construído do risco que se trata de prevenir e combater por meio da intervenção do Estado (e.g., via regulação de riscos). Minha posição pessoal sobre essa questão é que, de fato, o risco é produto da comunicação social e, portanto, terá localizações contingentes, determinadas de acordo com as estruturas sociais vigentes, mas que isso, contudo, é irrelevante para o encaminhamento e a análise dos problemas da magnitude e da alocação dos riscos de erros de decisão no interior dos processos de aplicação do Direito (em particular, na imputação de responsabilidade pelo risco na adjudicação).

2 HART, H. & HONORÉ, T. Causation in the Law, Oxford University Press, 1959.

3 COASE, R. “The Problem of Social Cost”. In: The Journal of Law and Economics, vol. 3, 1960.

4 Para Gunther Teubner, essa reorientação da noção de causalidade na regulação de risco é uma tentativa de invisibilização de um processo de erosão das ideias de nexo causal e responsabilização individual, e de avanço na direção de uma responsabilização coletiva independentemente da prévia determinação de uma relação causal entre o ato de um “responsável” e o dano. O presente artigo não entrará nessa discussão, na medida em que coloca a questão da responsabilidade em um nível mais abstrato, desvinculado de concepções particulares acerca da ideia de causalidade. Vide: TEUBNER, G. “The Invisible Cupola: From Causal to Collective Attribution in Ecological Liability”. In: Cardozo Law Review, vol. 16, 1994.

5 Cf. LAUDAN, L. Truth, Error, and Criminal Law: An Essay in Legal Epistemology, Cambridge University Press, 2006, p. 73.

6 Ver PARDO, M. “Second-Order Proof Rules”. In: Florida Law Review, vol. 61, 2009.