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ARMAS DE PROPULSÃO PIROBALÍSTICA

ARMAMENTO DEFENSIVO

ARMAS DE PROPULSÃO PIROBALÍSTICA

As armas de propulsão pirobalísticas foram utilizadas na Europa ocidental desde a primeira metade do século XIV, mas apenas no século seguinte o seu emprego em campo de batalha e em acções de cerco se tornou regular. A artilharia pesada teve um sucesso mais rápido do que as armas de fogo portáteis pela sua eficácia nos assédios, tanto para os atacantes como para os defensores. Com o peso das armas de propulsão

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BARROCA, Mário Jorge, op. cit., p. 52.

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161 com pólvora a aumentar, as fortificações tiveram de se adaptar aos novos problemas que os canhões provocavam, modificando a sua morfologia e colocando artilharia nas suas muralhas. Se nos inícios do século XV vemos muros a serem facilmente trespassados por pelouros, ainda que a artilharia continue rudimentar e pouco eficaz, à medida que o século vai avançando assistimos a um equilíbrio entre as duas forças. Devido a estes factos, muitos autores consideram estarmos perante uma «revolução da artilharia»436.

As cidades «industrializadas» dos Países Baixos tornam-se os grandes centros de produção da nova artilharia. Ali existem fornos de boa qualidade imprescindíveis para o manuseamento do ferro. Estes fornos expandiram-se pelas várias cidades desta região da Europa, sobretudo a partir do primeiro quartel do século XV437. A construção das peças mais utilizadas era através de barras de ferro aquecidas ao redor de um centro de madeira, que depois era extraído. Para dar estabilidade e força ao tubo eram colocadas aduelas também em ferro438.

Nas tapeçarias não vemos a utilização de engenhos de arremesso por torsão ou contrapeso que ainda estavam em utilização na Europa, rivalizando com as ainda pouco eficazes bocas-de-fogo. Julgamos que D. Afonso V decidiu representar apenas o que era mais moderno, apoiando as armas de fogo com soldados armados com bestas e armas de propulsão muscular, bem como outras estratégias de abordagem das muralhas, como a vetusta utilização das escadas439.

No início da sua utilização, a pirobalística era considerada o que mais de moderno se utilizava em estratégia de guerra. Os homens que as manuseavam, os chamados bombardeiros ou artilheiros, não eram considerados militares mas sim mesteirais ou artífices. Muitas vezes eram vistos como homens com ligações a forças diabólicas devido ao secretismo desta arte e ao som e explosão que provocavam. Para além disso, para uma chefia militar podia ser considerado desonroso optar pela utilização das armas de fogo numa determinada operação, já que ia contra os ideais de combate medievais que davam primazia à luta corpo-a-corpo. Dentro desta lógica, as armas de fogo matam de forma «cobarde», através de um tiro à distância, e de consequências brutais, provocando muitas baixas.

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DUARTE, Luís Miguel, op. cit, 2003 (a), p. 349.

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MCLACHLAN, Sean, op. cit., p. 50.

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DUARTE, Luís Miguel, op. cit, 2003 (a), p. 352.

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162 As peças utilizadas pelos portugueses eram importadas de armeiros da Flandres e de Barcelona, embora existisse produção nacional feita por artesãos estrangeiros e portugueses no reino. No século XV, o reino português era um dos maiores compradores destas armas, necessárias para a expansão ultramarina440.

O desenvolvimento da artilharia em Portugal a partir do seu emprego na batalha de Aljubarrota441 parece ter sido pouco satisfatória. São, no entanto, apontados dois momentos primordiais no uso da pirobalística: a regência de D. Pedro e o reinado de D. João II. O primeiro levou a cabo um apetrechamento global do reino no que diz respeito a estas peças, encomendando um número elevado de armas (26 bombardas, 174 canhões, 94 trons), e apetrechos para as mesmas (341 câmaras de canhão, 32 câmaras de bombarda e 186 câmaras de trons), bem como pólvora (83 quintais e mais de 13 000 libras de pólvora em «barris»). Tudo isto está contido numa Carta de Quitação ao feitor português da Flandres, datada de 23 de Junho de 1443442. Também no inventário do equipamento do armazém central entre 1438 e 1448 destacam-se as seguintes peças: 340 trons, 28 bombardas e bombardetas, 495 colubretas, 320 cabos para colubretas, 3330 pelouros de chumbo, 398 quintais de ferro, 67 quintais de salitre, 57 quintais de enxofre e 97 quintais de pólvora443. Para além da pólvora comprada, devemos, ainda, acrescentar aquela que é produzida em território nacional desde 1440444.

No decurso do século XV foi instituído o cargo de vedor-mor da artilharia de guerra, em data impossível de precisar e cujas principais actividades estavam ligadas com o recolher das peças ao armazém real, o pagamento aos homens ligados a estas armas e a distribuição das peças pelas fortificações445.

O disparo da artilharia pesada de câmara integrada era consumado colocando a pólvora, na quantidade correcta, no interior do tubo da peça, depois era introduzida uma bucha e os elementos eram comprimidos com um artefacto conhecido, mais tarde, como

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MONTEIRO, João Gouveia, op. cit., 1998, p. 357.

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A utilização da artilharia em Portugal deu-se logo em 1384, na defesa de Lisboa, embora apenas a partir da batalha de Aljubarrota o seu uso tenha sido mais regular. Veja-se MATOS, Gastão de Melo de, «Artilharia», Dicionário de História de Portugal, vol. I, p. 216. Fernão Lopes na crónica de D. Fernando refere o uso de artilharia na defesa contra um ataque de uma frota castelhana, em 1381: «começaram de lhes atirar de trons e virotões». Veja-se LOPES, Fernão, Chronica de el-rei D. Fernando, 3 vols., Lisboa, Escriptorio, 1895-1896, vol. III, cap. CXXVII, p. 38. Sobre este assunto veja-se ainda MARTINS, Miguel Gomes, Lisboa e a Guerra 1367-1411, Lisboa, Livros Horizonte, 2001 e MARTINS, Miguel Gomes, A

Vitória do Quarto Cavaleiro. O Cerco de Lisboa de 1384, Lisboa, Prefácio, 2005. 442

DUARTE, Luís Miguel, op. cit., 2003 (a), p. 355.

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MARQUES, A. H. Oliveira, op. cit., pp. 351-352.

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IDEM, ibidem, pp. 61.

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163 soquete. A seguir, era colocado o pelouro, muitas vezes enrolado em tecido para evitar a dispersão dentro do tubo no momento do disparo, o chamado «vento», devido à diferença entre o calibre da peça e o diâmetro do projéctil. O ouvido era escorvado e o disparo era efectuado através de um ferro, ou mecha, incandescente. Quando estamos perante uma peça com câmaras separadas, cada uma era preparada da mesma forma que a peça anterior e a câmara era presa na boca-de-fogo através de um ferro, a «chave». Estas armas permitiam uma maior cadência de tiro, embora com menor velocidade, devido à fuga de gases provocada pelo deficiente ajustamento da câmara ao tubo. Depois do disparo, o tubo era limpo, retirando os vestígios de pólvora, de forma a evitar um tiro indesejado. A pontaria era conseguida através da experiência do próprio artilheiro, colocando cunhas de madeira para criar o ângulo desejado446.

Relativamente à utilização da pirobalística na tomada de Arzila, segundo a crónica de D. Afonso V, «das muitas e grossas bombardas que El-Rei levava, que com a tormenta das náos não se podiam tirar, saíram sómente duas pequenas»447 no primeiro dia e que estas estiveram a bombardear os muros da cidade provocando grandes rasgos nos mesmos. Rui de Pina refere depois que os muçulmanos conseguiram compor a muralha, mas que o exército português conseguiu entrar na cidade, embora sem mencionar como448. Damião de Góis corrobora a posição da destruição do muro e da entrada na cidade, mas não refere o reparo dos muros449.

Para o estudo das armas pirobalísticas, importa dividir esta análise em dois campos distintos: as armas pesadas, ou seja, as bocas-de-fogo da artilharia e que são utilizadas por mais do que um homem; e as armas ligeiras ou seja, armamento portátil, individual, um estudo ainda em desenvolvimento em Portugal.

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RUBIM, Nuno José Varela, «O armamento pirobalístico (até fins séc. XV / inícios séc. XVI), Pera

Guerrejar. Armamento Medieval no Espaço Português, Palmela, Câmara Municipal de Palmela, 2000,

pp. 232-233.

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PINA, RUY DE, Chronica de El-Rei D. Afonso V, vol. III, cap. CLXIV, p. 60.

448

IDEM, ibidem, cap. CLXIV, pp. 60-61.

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GÓIS, Damião, Crónica do príncipe D. João, edição crítica e comentada de Graça Almeida Rodrigues, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, [1977], cap. XXIV, p. 24.

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2.2.3.1.