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II. A Companhia de Jesus no Japão: contexto político e cultural

4. A arte e arquitectura japonesa nos séculos XVI e

4.2 A arquitectura Budista

Apesar do nosso trabalho não se centrar numa confrontação entre a arquitectura religiosa japonesa e a europeia, pensamos de seria importante fazer uma breve análise acerca das estruturas religiosas que os padres jesuítas encontraram e que, como veremos mais adiante, muitas vezes ocuparam e adaptaram à sua “seita”.

O mundo budista, pelas suas características de abertura e de adaptação constante ao meio, desenvolveu uma variedade de caminhos alternativos dentro de si, correspondendo grosso modo, a formas diferentes, mas equivalentes, de ver o Mundo. Assim, a miríade de seitas152 que brotaram, trouxeram consigo, para além das

especificidades ideológicas, as arquitectónicas e de apropriação dos espaços. Contudo, o universo a que nos referimos é de tal forma complexo e repleto de particularidades que nos é impossível decompô-lo sem entrar num grau de pormenor que pensamos não ser pertinente nesta análise. Propomo-nos, contudo, fazer uma pequena abordagem a esta realidade arquitectónica, expondo apenas uma pequena parte do simbolismo e pormenor que a reveste.

Tanto para o Budismo, como para o Xintoísmo, não existe a ideia de um edifício isolado, dedicado apenas à adoração e veneração de uma divindade, referindo-se sempre a ideia de conjuntos de edifícios e estruturas, cada um com sua função, mas que convergem para o mesmo objectivo, o culto religioso. Se para o budismo falamos em templo, para o Xintoísmo podemos pensar em santuários, na medida em que a realidade física em que o complexo religioso vai ser implantado é de uma importância muito superior ao caso budista. Ou seja, na medida em que Xintoísmo pressupõe uma relação mais próxima com a Natureza, já que todos os seus elementos são passíveis de adoração, a edificação das estruturas necessárias deveria ser feita sempre em consonância com o terreno. Ao contrário do que acontece nos templos budistas, para o

152 Segundo Dominique Buisson, a arquitectura budista pode ser agrupada tipologicamente segundo: as Seis Seitas

de Nara, as Seitas Esotéricas (Tendai e Shingon), as Seitas de Amida, e o Espírito Zen. Contudo, a variedade tipológica não se esgota nesta classificação, existindo em cada um deles, outros pequenos grupos, segundo especificidades de cada seita, respeitantes a caminhos alternativos que em dado momento foram percorridos.

Xintoísmo em momento algum deve o terreno ser adaptado ou preparado para receber as estruturas, devendo antes estas ser adaptadas ao terreno. A relação privilegiada que têm com a Natureza e as suas forças faz com que todo o complexo seja local de adoração, e não só um local específico, reconhecendo-se como eventualmente mais apropriada a designação de santuário.

Como já dissemos atrás, a complexidade da arquitectura religiosa budista apenas nos permite, para o nosso estudo, uma abordagem resumida, destacando as características que se nos apresentam comuns e mais significativas a um olhar europeu. Não nos foi possível, numa primeira abordagem descodificar todo o simbolismo que reveste estas edificações. Assim, decidimos apenas destacar aquelas características que por algum motivo nos pareceram importantes para as relações a estabelecer depois com o universo cristão.

Esta arquitectura religiosa materializa-se em complexos conjuntos de edifícios e estruturas, com múltiplas funções e actividades: sala de conferências, residência do superior, sala da prédica, sala das pinturas, sino, biblioteca, pavilhão dos convidados, entre muitos outros. Tiveram naturalmente a sua maior influência nos templos budistas chineses e coreanos que, de tempos a tempos, viram as suas formas recuperadas quase integralmente, enquadrados num desejo de retorno às origens.

A construção deste tipo de conjuntos era relativamente complexa e obedecia a uma rede de normas estritas, que condicionavam desde escolha do local de implantação até à disposição dos edifícios dentro do recinto. A tipologia mais básica destes complexos era composta pelo pagode e o edifício principal, colocados lado a lado, e enquadrados por uma estrutura quadrangular, com apenas uma porta, pela qual se fazia o acesso, sempre a Sul.

A estrutura mais emblemática, e que de alguma maneira corporalizava o Budismo, ainda que de uma forma simplista, foi o pagode. Como veremos mais adiante, este era apenas uma parte de todo o complexo religioso budista, mas que pela sua imponência visual acabou por ser olhada como a estrutura principal.

Pagode era o símbolo máximo do Buda. Automaticamente reconhecível como uma estrutura em vários andares153, desenvolvia-se em torno de um pilar central que

encerrava as relíquias sagradas, assentando numa pedra, e cujos andares iam recuando à medida que a estrutura ia crescendo, terminando numa agulha. A sua planta era quadrangular, símbolo da harmonia cósmica universal dos quatro pontos cardeais, de onde provêm as Quatros Verdades do Buda, antes de cumprir a difícil ascensão espiritual em direcção à pureza, simbolizado pela forma do edifício, ponto de convergência das direcções ordinárias, eixo do mundo, como uma flecha entre o mundo terrestre e o Céu. Inicialmente existiam quatro portas, uma para cada orientação, mas com o tempo fixou- se a entrada principal a Sul. A estátua central que, em tempos mais antigos, era apenas uma, multiplicou-se e a zona de oração passou a acolher várias estátuas154. Nas seitas

esotéricas, por seu lado, a importância do pagode mantém-se mas perde a sua localização central, passando a adaptar-se à configuração do terreno, e nunca assumem mais do que três ou cinco andares155. Estas seitas desenvolveram também um tipo de

pagode mais próximo dos stupa indianos.

A seita da Terra Pura, amidista, desenvolveu uma tipologia própria, a dos templos-residência. Conceptualmente mais próxima do Cristianismo, contendo as noções de Céu, Inferno e de um Buda, Amida, que só ascenderia ao nirvana quando todos o pudessem fazer, desenvolvia-se então em torno do conceito de Paraíso e das suas demonstrações públicas. Estes templos eram assim designados porque podiam ser encontrados nas residências dos palácios, funcionando à semelhança de capelas privadas, mas também porque houve casos em que se aproveitaram antigas villas aristocráticas, adaptando-as a templos budistas amidistas. Eram alvo de programas decorativos mais elaborados, subordinados ao tema do Paraíso156.

A seita Zen tinha na sua base um forte relacionamento pessoal, onde o mestre funcionava como o orientador espiritual. A par da figura do fundador, Daruma (Bodhidarma), são adorados também os fundadores dos templos e monges célebres,

153 Apesar do edifício se organizar em andares, estes não eram reais, acabando por ser uma forma de enfatizar a

ideia de ascensão em direcção ao Céu. Estes edifícios podiam ter de três a cinco andares, devendo em regra ser em número ímpar.

154 Cf. Dominique Buisson, L’Architecture Sacrée au Japon, Paris, ACR Edition, 1989, p. 118; 155 Cf. Dominique Buisson, L’Architecture Sacrée au Japon, Paris, ACR Edition, 1989, p. 138; 156 Cf. Dominique Buisson, L’Architecture Sacrée au Japon, Paris, ACR Edition, 1989, p. 146;

multiplicando-se assim a construção de outras estruturas que albergassem as suas estátuas e, ao contrário do que era tradição, estes templos não requeriam uma implantação precisa ou regulada, e cresciam conforme a vontade colectiva157. O superior

do templo adquire também um interesse adicional, o que se reflecte na importância arquitectónica que a sua residência passou a ter158. Edifício de planta em L, era

composto de quatro grandes salas: uma para a adoração do fundador, outra para meditação perante as relíquias, outro para a leitura, outro para o repouso, e outras duas mais pequenas, para o estudo e recepção. Uma das inovações arquitectónicas consistia no prolongamento do vestíbulo até ao interior do edifício, e colocação de várias varandas e galerias porticadas em torno do edifício159. Este era obrigatoriamente envolto em

jardins, de forte pendor pedagógico e evolutivo. A vida monacal tem com a seita Zen uma importância renovada, passando a ser reconhecidos aos monges capacidades espirituais e o templo passa a ser também considerado um mosteiro, obrigando por isso a importantes diferenças na planta do templo, na medida em que necessita de mais estruturas de apoio, à semelhança das estruturas conventuais europeias. Os vários edifícios encontravam-se ligados entre si por galerias ou corredores abertos, que permitiam ainda uma atitude contemplativa160. Esteticamente caracterizavam-se pela

dualidade, ou seja, optam tanto pelo despojamento como pela complexidade, rejeitando o excesso decorativo enquanto elementos perturbadores dos exercícios espirituais, recusando as figuras e os símbolos, preferindo-se a rudeza dos materiais como eles são, até numa aproximação à Natureza. Uma das consequências desta linha foi o gosto acentuado pela assimetria, neste caso visível na distribuição dos edifícios no interior do recinto. Arte que dá lugar ao instinto e aos impulsos inatos, não se deixando sucumbir a um estilismo doutrinário. Foram também dos primeiros a incorporar elementos externos, como os elementos curvos e arredondados – as aberturas em forma de sinos são muito característicos da arquitectura religiosa Zen, conferindo-lhe algum exotismo161.

Tal como a história da arquitectura religiosa europeia, também aqui os edifícios conhecem uma evolução, resultantes de necessidades do culto ou de adaptações ou de

157 Cf. Dominique Buisson, L’Architecture Sacrée au Japon, Paris, ACR Edition, 1989, p. 160; 158 Cf. Tomoya Masuda, Japon, Fribourg, Office du Livre, 1969, p. 92;

159 Cf. Dominique Buisson, L’Architecture Sacrée au Japon, Paris, ACR Edition, 1989, p. 160; 160 Cf. Dominique Buisson, L’Architecture Sacrée au Japon, Paris, ACR Edition, 1989, p. 167; 161 Cf. Dominique Buisson, L’Architecture Sacrée au Japon, Paris, ACR Edition, 1989, p. 172;

aperfeiçoamentos. Há toda uma complexidade de componentes destes edifícios que os caracterizam por época, por exemplo - planimetrias, travejamento, a composição dos telhados, os acrotérios e telhas, todos eles elementos fundamentais na arquitectura religiosa budista japonesa e que contêm forte simbolismo e cujo conhecimento é fundamental para um maior conhecimento destas estruturas.

Não nos interessou portanto registar minuciosamente essas etapas evolutivas, mas antes enfatizar o tipo de disposição e organização que estes complexos tinham. Apesar de aparentemente bastante distintos dos seus congéneres europeus, porque a arquitectura era efectivamente diferente, as necessidades que obrigam à construção e organização das estruturas era muito semelhante. A existência de um espaço de adoração do Divino, o templo, o pagode ou a igreja, e todas as estruturas que uma vida em comunidade exigia.