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Lei e Arquitetura: Alcance

Apesar de originalmente a lei regulamentar apenas os editores, as mu- danças no escopo do copyright significa que atualmente a lei regulamenta editores, usuários e autores. Ela regulamenta-os porque todos eles são ca- pazes de fazer cópias, e o centro da regulamentação da lei do copyright são as cópias.[133]

“Cópia”. Isso certamente soa como a coisa mais óbvia que a lei do copyright restringe. Mas pensando no argumento expresso por Jack Valenti no início desse capítulo, de que a “propriedade intelectual” merece os “mes- mos direitos” de todas as outras propriedades, torna-se óbvio que devemos ser mais cautelosos. Enquanto pode parecer óbvio que no mundo pré-Internet, as cópias eram o principal gatilho para a lei do copyright, por reflexão, deveria ser óbvio que em um mundo com a Internet, as cópias não deveriam ser o gatilho da lei do copyright. Mais precisamente, elas não deveriam ser sempre o gatilho da lei do copyright.

Esse é talvez o argumento central do livro, portanto deixe-me ir devagar, já que tal idéia não pode passar desapercebida. Meu argumento é que a Internet deveria-nos levar ao menos a repensarmos as condições segundo as quais a lei do copyright automaticamente se aplica,4

porque torna-se claro que o alcance atual do copyright nunca foi considerado, muito menos escolhido, pelos legisladores que passam as leis do copyright.

Nós podemos ver abstratamente esse conceito se começarmos de um grande círculo vazio, como o representado na Figura 10.6, Página 126.

Pense sobre um livro no espaço físico, e imagine que esse círculo represente todos os seus usos potenciais. Muitos desses usos não são restringidos pela lei do copyright, porque tais usos não criam uma cópia do livro. Se você lê um livro, esse ato não é restringido pela lei do copyright. Se você dá para alguém um livro, esse ato não é restringido pela lei. Se você revende um livro, esse ato não é restringido (a lei do copyright expressamente define que após a primeira venda de um livro, o detentor do copyright não pode impor condições posteriores sobre a disposição do livro). Se você dorme sobre um livro ou o usa para apoiar um abajur ou deixa seu cachorrinho o morder, esses atos não são restringidos pela lei do copyright, porque esses atos não geram cópias do livro. A Figura 10.7, Página 127 mostra como isso pode ser enxergado.

Obviamente, porém, alguns usos de um livro sob copyright são restringi-

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Portanto, meu argumento não é que deveríamos repelir qualquer extensão às leis do copyright, e sim de que deveríamos ter uma boa idéia do que tais extensões fariam, e não deveríamos determinar seus alcances de maneira arbitrária e automática, como uma resposta às mudanças provocadas pela tecnologia.

Figura 10.6: Usos possiveis de uma obra

dos pela lei do copyright, como apresentado pela Figura 10.8, Página 128. Republicar o livro, por exemplo, gera cópias. Então ele é restrito pela lei do copyright. De fato, esse uso específico fica no centro deste círculo de usos possíveis para um trabalho sob copyright. Esse é o uso paradigmático propriamente regulamentado pela regulamentação do copyright.

Finalmente, existe uma pequena faixa de usos geradores de cópias que de mantêm-se não-restritos porque a lei os considera “usos justos”, como mostra a Figura 10.9, Página 129. Esse são usos que eles próprios envolvem cópias, mas que a lei trata como não-restritos porque a política pública exige que sejam mantidos assim. Você é livre para citar esse livro, mesmo em uma resenha negativa, sem minha permissão, mesmo considerando que tal citação é uma cópia. Essa cópia daria normalmente o direito exclusivo ao detentor do copyright para dizer se a cópia é permitida ou não, mas a lei impede o dono de usar-se de tais direitos contra qualquer “uso justo” que tenha sido apoiado pela política pública (e provavelmente pela Primeira Emenda).

No espaço físico, então, os usos possíveis para um livro são divididos em três tipos:

(A) Não-restritos;

Figura 10.7: Usos não restritos por lei de uma obra

(C) Usos restritos considerados “justos” independentemente da visão do de- tentor do copyright;

E então entra a Internet — uma rede digital e distribuída aonde qual- quer uso de um trabalho sob copyright gera naturalmente uma cópia do mesmo.5

E por causa dessa característica única e arbitrária do desenho de uma rede digital, o escopo da categoria 1 muda dramaticamente. Usos que antes eram presumivelmente não-restritos agora são presumivelmente restri- tos. Não existe mais um conjunto de usos presumivelmente não-restritos que definem liberdades associadas ao uso de obras sob copyright. De fato, cada uso agora é sujeito ao copyright, porque cada uso também gera uma cópia — a categoria um é sugada para dentro da categoria 2. E aqueles que poderiam defender os usos não-restritos de trabalhos sob copyright precisam

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Eu não quero dizer “natural” no sentido de que isso não pode ser diferente, mas sim que a própria instancialização dos dados (NT: Instancialização, para usar uma definição comum dentro da informática, é a criação de uma cópia de um conjunto de dados — por exemplo, uma página HTML em um servidor remoto — para uso local do sistema — no exemplo, pelo navegador de Internet.) gera uma cópia. Redes ópticas não precisam gerar cópias do conteúdo que transmitem, e uma rede digital pode ser desenhada para apagar qualquer coisa que ela copie de modo que um determinado número de cópias existam.

Figura 10.8: Usos restritos por lei de uma obra

apenas olhar para a categoria 3, os usos justos, para sentirem a pressão dessa mudança. Isso tudo pode ser visualizado na Figura 10.10, Página 130

Portanto, deixe-me ser bem específico para tornar esse ponto geral claro. Antes da Internet, se você comprava um livro e o lia dez vezes, não havia nenhum argumento plausível relacionado ao copyright que permitisse que o dono controlasse esse uso do seu livro. A lei do copyright não iria lhe dizer nada sobre se você podia ler um livro apenas uma vez, dez vezes, ou todas as noites antes de você dormir. Nenhuma dessas instâncias de uso — leitura — podia ser restringida pela lei do copyright já que nenhuma delas produzia cópias.

Mas o mesmo livro como um e-book é efetivamente governada por um conjunto diferente de regras. Agora, se o dono disser que você pode ler o livro apenas uma vez ou uma vez por mês, então a lei do copyright dará suporte ao detentor do copyright em exercitar esse grau de controle, por causa da característica acidental da lei do copyright de ter sua aplicabilidade disparada pela criação de uma cópia. Agora, se você leu o livro dez vezes e a licença disse que você pode o ler apenas cinco vezes, então quando você ler o livro (ou qualquer parte dele) depois da quinta vez, você estará fazendo uma cópia que viola os desejo do detentor do copyright.

Figura 10.9: “Usos justos” por lei de uma obra

Há pessoas que pensam que isso faz sentido totalmente. Meu objetivo agora não é de argumentar se isso faz sentido ou não. Meu objetivo é apenas tornar clara a mudança. Uma vez que você veja isso, alguns outros pontos ficam claros:

Primeiro, fazer a categoria 1 desaparecer não era o que os legisladores tinham em mente. O Congresso não pensou no colapso dos usos presumivel- mente não-restritos de material sob copyright. Não havia evidência alguma de que os legisladores tinham tal idéia em mente quando eles permitiram a mudança em nossa política. Os usos não-restritos eram uma parte importante da cultura livre antes da Internet.

Segundo, essa mudança é especialmente problemática no contexto dos usos transformadores do conteúdo criativo. Novamente, nós todos podemos entender o erro na pirataria comercial. Mas a lei agora objetiva regulamen- tar qualquer transformação que você faça no trabalho criativo usando uma máquina. “Copiar e colar” e “cortar e colar” tornaram-se crimes. Mexer em uma história e lançá-las para outros expõe o criador dessa “nova” história ao menos a uma exigência de justificativa. Qualquer aborrecimento que essa expansão gere com respeito à cópia de uma obra específica, gerará ainda mais aborrecimentos a respeito dos usos transformadores do trabalho criativo.

Figura 10.10: Visão do uso de uma obra na Internet segundo a lei

Terceiro, essa mudança da categoria 1 para categoria 2 põem um peso extraordinário na categoria 3 (“uso justo”) que o uso justo jamais teve que suportar. Se o dono do copyright tentar agora controlar quantas vezes eu poderia ler um livro online, a resposta natural seria argumentar que isso é uma violação aos meus direitos de uso justo. Mas não iria existir nenhum litígio sobre eu ter o direito de uso justo de ler, porque antes da Internet, ler não disparava a aplicabilidade da lei do copyright e então a necessidade de uma defesa de uso justo. O direito de ler era efetivamente protegido antes porque a leitura não era restrita pela lei.

Esse ponto sobre o uso justo é totalmente ignorado, até mesmo pelos de- fensores da cultura livre. Nós estamos sendo encurralados em argumentos de que nossos direitos dependem do uso justo — sem jamais nos endereçar- mos à questão anterior sobre a expansão na regulamentação efetiva. Uma proteção fina baseada no uso justo faz sentido quando a grande maioria dos usos não são restritos pela lei. Mas quanto tudo torna-se presumivelmente regulamentado, então as proteções do uso justo não são suficientes.

O caso da Video Pipeline é um bom exemplo. A Video Pipeline era uma empresa que produzia “trailers” publicitários para filmes disponíveis nas locadoras. As locadores exibiam os “trailers” como uma forma de alugarem

suas fitas. A Video Pipeline obtinha os trailers junto aos distribuidores de filmes, colocava-os em uma fita e vendia as fitas para as locadoras.

Ela fez isso durante quinze anos. Então, em 1997, ela começou a pensar na Internet como outro meio para distribuir esses trailers. A idéia era expandir sua técnica de “venda por experimentação” ao dar às lojas online a mesma habilidade ao permitir a “navegação”. Da mesma forma que em uma livraria você pode ler algumas páginas de um livro antes de comprá-lo, você também deveria poder ver um trecho do filme online antes de comprá-lo ou alugá-lo. Em 1998, a Video Pipeline informou a Disney e outros distribuidores de filmes que tinha a intenção de distribuir os trailers pela Internet (ao invés de mandar as fitas) para os distribuidores de seus vídeos. Dois anos depois, a Disney obrigou a Video Pipeline a parar de fazer isso. O dono da Video Pipeline desejou saber porque ela estava agindo assim — ele construíra uma empresa ao distribui esse conteúdo de forma a auxiliar a Disney a vender os filmes; ele tinha consumidores que dependiam dessas remessas de conteúdo. A Disney disse que só iria conversar com a Video Pipeline se ela parasse de realizar a distribuição imediatamente. A Video Pipeline achou que estava tudo de acordo com seus direitos de “uso justo” de distribuir esses trailers como quisesse. Portanto ela entrou com um processo perguntando à corte se esses direitos eram de fato dela mesma.

A Disney respondeu processando a Video Pipeline — e pedindo 100 mi- lhões de dólares em indenizações. Essa indenização foi pedida baseando-se em uma queixa de que a Video Pipeline estava violando intencionalmente os direitos de copyright da Disney. Quando uma corte realmente encontra uma violação intencional, ela define as indenizações baseando-se não no dano realmente provocado contra o detentor do copyright, mas sim com base em valores estabelecidos por lei. E já que a Video Pipeline tinha distribuído setecentos trailers de filmes da Disney para permitir as locadoras venderem e alugarem cópias de tais filmes, a Disney agora tinha um processo de 100 milhões de dólares contra a Video Pipeline.

A Disney tem o direito de controlar sua propriedade, claro. Mas as lo- cadores que vendiam os filmes da Disney também tinham algum direito de poderem vender ou alugar os filmes que elas compraram da Disney. A queixa da Disney na corte era de que as locadoras tinham o direito de vender ou alugar os filmes e que elas podiam listar os filmes disponíveis para venda ou aluguel, mas que elas não podiam exibir trechos do filme, mesmo como uma forma de vender ou alugar os filmes, sem a permissão da Disney.

Agora, você pode analisar isso como um caso fechado, e eu acredito que as cortes deveriam imaginar isso como um caso fechado. O ponto aqui é mapear a mudança que deu à Disney esse poder. Antes da Internet, a Disney não podia realmente controlar como as pessoas tinham acesso ao seu conteúdo.

Uma vez que um vídeo fosse disponibilizado ao mercado, a “doutrina da primeira venda” tornava o vendedor livre para usar o vídeo como desejasse, inclusive para exibir partes dele como uma forma de gerar vendas do filme como um todo. Mas com a Internet, tornou possível à Disney centralizar o controle sobre o acesso a esse conteúdo. Como cada uso da Internet gera cópias do conteúdo, o uso da Internet torna-se sujeita ao controle do detentor do copyright. A tecnologia expande o escopo do controle efetivo, já que a tecnologia cria uma cópia do material a cada transação.

Sem sombra de dúvidas, um potencial não é ainda um abuso, e portanto um potencial de controle não é um abuso de controle. A Saraiva tem o di- reito de impedir você de tocar um livro em sua loja; a lei de propriedade lhes dá tal direito. Mas na prática o mercado protege o consumidor de tal abuso. Se a Saraiva impedir a leitura para escolha de um livro, então os consumidores procurarão outras livrarias. A competição protege o consumi- dor de tais extremismos. E ela deveria muito bem (meu argumento sequer chega a questionar isso) proteger qualquer perigo semelhante quando ele vem do copyright. De fato, editores, ao exercerem os direitos que os autores lhes deram6

, podem tentar restringir o número de vezes você leu um livro, ou ten- tar o impedir de compartilhar o livro com outras pessoas. Em um mercado competitivo como o de livros, os perigos de tal coisa acontecer são muito pequenos.

Novamente, meu objetivo até aqui é simplesmente o de mapear as mu- danças que essa mudança de arquitetura provocou. Permitir que a tecnologia amplie o controle exercido pelos detentores do copyright significa que o con- trole do copyright não é mais definido por políticas equilibradas. O controle do copyright agora é simplesmente aquele que os donos privados decidirem exercer. Em alguns contextos, ao menos, esse fato é inofensivo. Mas em outros contextos, ele é uma receita para o desastre.

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