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2 REVISÃO TEÓRICA

2.3 Arquitetura como espelho de valores sociais e culturais

As reflexões de Bollnow (2008) sobre o espaço vivenciado apontam que o espaço é preenchido com significados que variam de acordo com os diferentes lugares, os quais não são somente um produto de sentimentos subjetivos do homem, mas são também características do próprio espaço vivido:

(...) o espaço não somente é diverso para os diversos homens, mas varia para o próprio indivíduo de acordo com sua constituição e humor circunstanciais. Cada modificação “no” homem condiciona uma mudança de seu espaço vivido. (BOLLNOW, 2008, p. 18).

A arquitetura é um artefato produzido pelo homem através manipulação de matéria prima - assim como as obras de arte e os objetos produzidos industrialmente - que possuem características estéticas e características funcionais e utilitárias, sendo que estas características são atribuições culturais e por isso, variam de acordo com cada sociedade (FRANCH, 2004).

Se nos apoiarmos nas ideias de Blumer (1937), que diz que cada indivíduo tende a refletir em seus próprios hábitos e pensamentos os costumes e tradições de seu grupo social, então podemos dizer que durante a elaboração

do projeto, o profissional de arquitetura e design tende a imprimir em seu trabalho o conjunto de valores sociais, culturais e os conhecimentos técnicos que possui, conciliado com as demandas funcionais e estéticas do projeto, as influências de outras pessoas e do lugar onde o edifício será construído. Ou seja, tudo isto produz uma linguagem que é codificada de acordo com a cultura do profissional, do usuário e do lugar.

Por sua vez, o usuário do edifício decodifica e interpreta as imagens, os sons, as sensações e outros estímulos advindos da arquitetura do edifício, de acordo com sua cultura e o contexto social onde vive. Rapoport (1982) chama a atenção para o fato de que a linguagem do designer, na maioria das vezes, não é a mesma linguagem do usuário, o que pode provocar variações na compreensão da linguagem do ambiente.

De acordo com Rapoport (1982), as características estéticas e funcionais do ambiente têm grande importância na reação das pessoas, que acontece de forma global e afetiva, resultando em uma avaliação que estabelece ou não uma identificação da pessoa com o lugar. Este processo de identificação está intimamente relacionado com o significado do lugar, que é atribuído através da decodificação daquilo que as pessoas vivem naquele espaço (RAPOPORT, 1982).

Também as relações entre pessoas com diferentes biótipos e o ambiente podem produzir interpretações diversas do espaço. Os estudos de Steinfeld, Duncan e Cardell (1977) e de Cohen e Duarte (2004) mostram que pessoas com habilidades físicas diferentes possuem uma leitura e uma compreensão diferente do ambiente construído, mais próxima das suas necessidades e dos desafios que precisam enfrentar para interagir com este ambiente.

Umberto Eco (1991) diz que a arquitetura comunica na medida em que a sua função informa às pessoas as possibilidades de uso de determinado objeto ou espaço arquitetônico. Entretanto, para que as pessoas possam compreender

estas possibilidades, é necessário que os significados atribuídos ao objeto sejam coerentes com o referencial (cultura) que as pessoas possuem deles (ECO, 1991).

Podemos dizer então, que a arquitetura é a representação concreta de ideias e valores de uma sociedade por conjuntos sistêmicos de símbolos que possuem funções e valores estéticos. Segundo Tuan:

Um símbolo é uma parte, que tem o poder de sugerir um todo: por exemplo, a cruz para a Cristandade, a coroa para a monarquia, e o círculo para a harmonia e perfeição. Um objeto também é interpretado como um símbolo quando projeta significados não muito claros, quando traz à mente uma sucessão de fenômenos que estão relacionados entre si, analógica ou metaforicamente. O costume de estruturar o mundo em substâncias, cores, direções, animais e traços humanos, estimula uma visão simbólica do mundo. Em um esquema cosmológico, uma substância imediatamente sugere uma cor, que por sua vez sugere uma direção, o emblema animal daquela direção, e talvez um traço da personalidade humana ou um estado de ânimo (TUAN, 1980, p. 26).

A arquitetura possui um papel importante na representação dos valores de uma sociedade. Se a linguagem arquitetônica de determinado edifício é capaz de sugerir que aquele lugar pode acolher a todos, proporcionando oportunidades iguais de ação, então este edifício está colaborando para a educação inclusiva de duas maneiras: a primeira, reafirmando através da sua linguagem que a inclusão social é algo importante para a sociedade, pois podemos vê-la impressa no objeto arquitetônico. A segunda: possibilitando a inclusão na prática.

O meio ambiente planejado atende a um propósito educacional. Em algumas sociedades, o prédio é o primeiro texto para transmitir uma tradição, para explicar uma visão da realidade (TUAN, 1983, p. 125).

Do contrário, se o usuário não identifica na arquitetura do lugar uma situação favorável às suas competências ambientais, este lugar pode se tornar intimidador e a pessoa pode escolher não estar ali, criando uma situação de exclusão espacial (COHEN e DUARTE, 1995).

Exclusão espacial é quando as pessoas que possuem restrições físicas não conseguem vivenciar o espaço da mesma maneira que as outras pessoas, em função de barreiras encontradas no ambiente físico. Estas barreiras afastam as pessoas das condições ideais de experiência do espaço e de socialização. O espaço acaba se tornando o ator principal de práticas segregatórias, revelando a visão de mundo de uma sociedade que não se importa com as diferenças físicas ou sociais das pessoas, passando então a significar exclusão social (COHEN e DUARTE, 1995).

Desta forma, a pergunta que se coloca é: o que fazer no caso de edifícios antigos que já possuem uma linguagem consolidada e onde as adaptações realizadas na arquitetura não foram eficazes para tornar o ambiente receptivo para todos?

Em primeiro lugar, é importante dizer que se acredita que a situação ideal é a busca contínua por espaços plenamente acessíveis, onde todas as pessoas possam exercer seus direitos de uso e liberdade com autonomia. Contudo, verifica-se que na realidade isto nem sempre é possível, ou rápido de se obter.

Entende-se que nestes casos devem-se considerar alternativas que complementem ou que compensem a situação existente. Quando as características do lugar são insuficientes para comunicar que as pessoas com deficiência e mobilidade reduzida também podem utilizar determinado espaço, as práticas de inclusão podem ser uma boa estratégia para suprir esta comunicação falha.

Como exemplo, imaginemos uma pessoa com deficiência visual que vai pela primeira vez a uma escola que não possui piso tátil para orientação ambiental. Para esta pessoa será muito difícil se locomover sozinha neste espaço. Se houver um funcionário disponível para auxiliar no deslocamento, apresentando os espaços para que a pessoa tenha a oportunidade de conhecer o lugar, certamente a orientação espacial desta pessoa será cada vez mais fácil nas

próximas vezes dentro da escola, e este lugar passará a não ser mais tão intimidador.

Estas práticas podem ser vistas como exemplos de atitudes inclusivas e contribuírem para a educação e conscientização das pessoas, bem como para a construção de uma “cultura da inclusão” (BARROS, 2008).

Segundo Barros (2008), esta cultura da inclusão é pré-requisito para a construção de uma práxis inclusiva, um modelo de ser, pensar e viver a natureza das diferenças, capaz de politizar estas diferenças e impulsionar transformações.

Com base nisto, acredita-se que práticas inclusivas podem impulsionar transformações no espaço físico através de mudanças atitudinais em relação à inclusão.