• Nenhum resultado encontrado

A literatura existente acerca do tema versado nesta secção é limitada, no caso particular da fundição por cera perdida. Pretende-se analisar a aplicabilidade do conhecimento existente sobre os outros processos de fundição em geral na fundição por cera perdida.

Entende-se por gitagem (gating) como sendo o conjunto de canais existentes na cavidade moldante, tendo a finalidade de conduzir o metal líquido desde o ponto de introdução na moldação até à cavidade moldante da peça, garantindo o enchimento desta (Beeley 2001). Existem várias considerações que devem ser tomadas em conta durante a arquitetura de cachos de forma a maximizar a eficiência da produção:

 O cacho tem que ser transportável;

 No caso de a liga ter que ser vazada em vácuo, as dimensões do cacho não poderão ultrapassar os limites da câmara de vácuo;

 A separação de cada peça do cacho deve ser fácil;

 O volume total do cacho deve ser inferior à capacidade do cadinho;

ser tidos em conta. A nível metalúrgico, os requisitos aos quais o sistema de gitagem deve obedecer são (Beeley 2001):

 O caudal e a direção do escoamento do metal têm que ser conseguidos de maneira a que haja enchimento total da carapaça antes que o metal comece a solidificar (freezing);

 O escoamento de metal líquido deve ser o mais laminar e uniforme possível. Deste modo minimiza-se a existência de defeitos como ar colapsado, inclusões de impurezas e a formação de filmes de óxidos no metal é inferior;

 A distribuição de temperaturas ao longo do cacho deve ser adequada de modo a que a zona da pia de vazamento solidifique em último lugar e haja uniformidade no conjunto das peças que constituem o cacho.

Alguns conceitos gerais sobre gitagem em moldações de areia também se aplicam na fundição por cera perdida (Prasad 2012). Esses conceitos são explicados seguidamente.

 Método do módulo:

Esta metodologia tem como base a regra de Chvorinov que permite ter uma aproximação do tempo de solidificação (freezing) do metal numa secção de uma moldação (ASM 1998).

𝑡 = 𝑘2(𝑉𝑐 𝐴𝑐 ) 2 = 𝑘2𝑀 𝑐2 (1)

Sendo 𝑡 o tempo de solidificação da secção da moldação, 𝑉𝑐 o volume da moldação, 𝐴𝑐 a área superficial da moldação e 𝑘 uma constante associada às propriedades do metal e da moldação (ASM 1998). Apenas é contabilizada a área por onde há transferência de calor com a superfície da moldação. A razão entre o volume, 𝑉𝑐, e a área, 𝐴𝑐, da moldação é designada por módulo, 𝑀𝑐. Wlodawer desenvolveu a aplicabilidade prática deste conceito ao simplificar a equação de Chvorinov, relativizando a variável tempo pois o interesse deste método reside na comparação entre módulos de zonas adjacentes, dimensionando-as de forma a controlar-se a solidificação como será descrito posteriormente (ASM 1998). A simplificação de Wlodawer é a seguinte:

𝑡~𝑉𝑐 𝐴𝑐

(2)

De acordo com a teoria, o tempo de solidificação é proporcional ao respetivo módulo. Deste modo, os módulos de zonas com solidificação mais tardia deverão ser superiores aos módulos de zonas que solidificam primeiro (ASM 1998). Desta forma é possível controlar-se os tempos de solidificação de forma a minimizar defeitos volumétricos como rechupes.

 Alimentador:

É uma zona maciça do sistema de gitagem destinada a ter um arrefecimento mais lento que o da peça. Os alimentadores também são conhecidos como masselotes, risers ou feeders. O objetivo do alimentador é compensar a diminuição de volume da peça devido às contrações durante o arrefecimento e solidificação. O dimensionamento de alimentadores pode ser feito através do método do módulo, de maneira a que o módulo do alimentador seja suficientemente maior que o módulo da peça, sendo que a ordem de grandeza varia consoante o tipo de metal. Um alimentador bem dimensionado absorve os rechupes que se iriam formar na peça caso este não existisse ou estivesse mal dimensionado.

Em grande parte das fundições por cera perdida o canal de gitagem principal faz o efeito de alimentador (Prasad 2012).

 Solidificação direcional:

Devido às diferentes massividades das zonas da peça, algumas zonas irão solidificar primeiro que outras, pois a transferência de calor será mais intensa para zonas menos massivas, pois estas têm uma proporção entre o volume e a área de transferência de calor mais baixa. Num sistema de gitagem bem arquitetado, a solidificação dar-se-á desde as extremidades das peças do cacho, em direção à entrada do canal principal ou dos alimentadores, caso estes existam (ASM 1998). Isto implica que a massividade do sistema de gitagem seja superior à das peças, havendo relação com o dimensionamento pelo método dos módulos. O gradiente térmico está também relacionado com estes conceitos. É possível influenciar o gradiente térmico ao controlar-se a transferência de calor em pontos específicos de um cacho (Stachovec et al. 2012). Se a intenção é retardar a solidificação localmente, recorre-se à aplicação de isolante, sendo frequente a utilização de fibras cerâmicas. No caso contrário aplica-se um chill, que poderá ser um material com condutibilidade térmica elevada, facilitando a transferência de calor da zona da peça fundida para o exterior da moldação. Este efeito também é bastante importante na fundição por moldações permanentes, sendo prática corrente a integração de circuitos internos de fluido refrigerante. No caso da fundição por cera perdida, não é possível a integração de circuitos de refrigeração nem é fácil a utilização local de materiais de elevada condutibilidade térmica. No entanto, podem-se utilizar escoamentos externos como meio de arrefecimento. Um exemplo de escoamento externo é a utilização de ar comprimido à temperatura ambiente. Esta técnica apenas é viável para ligas que não requerem atmosfera controlada durante o vazamento. No caso de ligas reativas, é mais fácil a utilização de isolamento, uma vez que a integração de sistemas de refrigeração em câmaras de atmosfera controlada poderá não ser viável nem prática.

No artigo científico “Gating Systems for Sizeable Castings from Al Alloys Cast into Ceramic Moulds”, Stachove et al. (2012) apresentam um estudo comparativo sobre a utilização de isolamento, refrigeração localizada por escoamento externo (blowing) numa extremidade da carapaça e isolamento na outra, averiguando a formação de rechupes. O estudo é concretizado com recurso à simulação em ProCAST. A peça que se pretende vazar tem um comprimento total de 700mm e a sua espessura é reduzida, não possuindo zonas de elevada massividade. As possibilidades ensaiadas podem ser vistas na Figura 26.

Figura 26 - A: sistema de gitagem simples; B: sistema de gitagem com isolamento de fibra de vidro no topo; C: sistema de gitagem com isolamento de fibra de vidro no topo e refrigeração no fundo; adaptado de (Stachovec et al. 2012).

Como se pode ver na Figura 27, a terceira solução minimiza mais a formação de rechupes no interior da peça. As soluções térmicas empregues permitem melhorar a solidificação direcional pois acentuam o gradiente térmico existente entre o fundo e o topo (Stachovec et al. 2012). É importante reparar que os rechupes formaram-se nos últimos locais a solidificar. Devido às soluções de condicionamento térmico empregues, a formação de rechupes foi mais acentuada no canal de gitagem, perto da pia de vazamento.

Figura 27 - Simulações em ProCast da formação de rechupes (manchas pretas); A: sistema de gitagem simples; B: sistema de gitagem com isolamento; C: sistema de gitagem com isolamento e refrigeração; adaptado de (Stachovec et al. 2012).

 Tipo de solidificação:

As ligas metálicas possuem formas distintas de solidificação sendo a aptidão para a promoção de solidificação direcional diferente consoante o tipo de solidificação. A classificação das ligas

depende do intervalo de solidificação, desde que começa até que o metal está completamente solidificado (ASM 1998):

Curto: inferior a 50 ⁰C;

Intermédio: entre 50 ⁰C e 110 ⁰C;

Longo: superior a 110 ⁰C.

No caso dos metais puros, o intervalo de solidificação é nulo. O mesmo também acontece para ligas eutécticas (Monteiro 1996). As ligas com solidificação curta (Figura 28) caracterizam-se pela formação de lamelas em estado sólido, começando na parede da moldação, sendo perpendiculares a esta. A sua propagação dá-se em direção ao centro. Para ligas com solidificação longa (Figura 28), há formação de glóbulos sólidos dispersos de forma aleatória.

Figura 28 - Esquerda: solidificação curta lamelar; Direita: solidificação longa globular; adaptado de (ASM 1998).

Para ligas com solidificação intermédia tanto há formação de lamelas como formação de glóbulos. A aptidão para a solidificação direcional é tanto maior quanto menor for o intervalo de solidificação. Devido à forma de solidificação das ligas com solidificação longa ser desorganizada, a alimentação é prejudicada, havendo propensão para a formação de microrrechupes superior do que em ligas com intervalo de solidificação menor (ASM 1998). Embora a solidificação aconteça como foi descrito, o gradiente térmico entre o metal líquido e as zonas próximas é também importante e influente pois quanto mais massiva for a zona da moldação, mais tempo demorará a solidificar. Ligas com solidificação curta tenderão a apresentar comportamento de ligas com solidificação longa em zonas mais massivas (ASM 1998). As condutibilidades térmicas tanto da liga como da moldação são influentes no modo de solidificação.

 Simulação de arquiteturas:

A simulação numérica é uma ferramenta muito importante na fundição pois permite validar arquiteturas de sistemas de gitagem antes do seu vazamento. Desta forma é possível prever a ocorrência de defeitos, efetuando-se alterações não só na geometria do cacho como também nas condições de vazamento. O valor da simulação não assenta exclusivamente no software, pois este não possui capacidade para arquitetar sistemas de gitagem autonomamente. Desta forma, para que a utilização destes softwares seja de melhor proveito, são necessários conhecimentos gerais sobre sistemas de gitagem, implicando um utilizador com um certo grau de especialização, capaz de arquitetar sistemas que sirvam como pontos de partida. Recorrendo-se à simulação numérica é possível comparar diferentes propostas ou iterações auxiliando na decisão final do utilizador.

A simulação numérica assenta essencialmente no método das diferenças finitas ou no método dos elementos finitos (ASM 1998). A realidade é discreteada em malhas de elementos. Quanto menor forem as dimensões dos elementos, maior será a precisão da simulação. Em contrapartida, a exigência computacional será mais elevada, aumentando a duração do processo. Embora o aumento da densidade das malhas de simulação torne os resultados mais próximos da realidade, é importante referir que a realidade é composta por um número infinito de variáveis sendo que muitas se poderão considerar aleatórias. As variáveis associadas às temperaturas são exemplos de variáveis com grande sensibilidade pois existem várias transferências de calor difíceis de contabilizar.

O software ProCAST utiliza o método das diferenças finitas. Este software está dotado das seguintes ferramentas (ESI Group 2014):

 Análise térmica;

 Análise de tensões;

 Análise de escoamentos;

 Ferramentas para processos específicos de fundição.

Apresenta-se um caso de estudo sobre a utilização de simulações em ProCAST na análise e compreensão da fissuração a quente de uma prótese de anca (Alvarez-Vera et al. 2013). Este tipo de defeito é provocado por estados de tensão adversos durante a solidificação, causando fragilidade na interface ainda líquida entre grãos já solidificados (Alvarez-Vera et al. 2013). O material vazado é a liga de Co-Cr, ASTM F 75. Como se pode ver pela Figura 29-B, a simulação prevê a possibilidade de defeitos volumétricos na esfera das próteses de anca (áreas a vermelho).

Figura 29 - Prótese de anca antes da otimização; A: gradiente térmico; B: presença de porosidade e fratura por fissuração a quente; C: vazamento de Co-Cr; D: peça em corte obtida com defeitos internos; adaptado de (Alvarez-Vera et al. 2013).

A solução implementada para otimização foi a alteração das condições de fronteira de transferência de calor recorrendo-se ao isolamento do sistema de gitagem com uma barreira adiabática (Alvarez-Vera et al. 2013). Deste modo os defeitos apenas surgiram na pia de vazamento (Figura 30-B).

Figura 30 - Otimização da prótese de anca; A: gradiente térmico; B: presença de defeitos apenas no topo da pia de vazamento (zona roxa indica ausência de defeitos); C: vazamento de Co-Cr em carapaça com isolamento no sistema de gitagem; D: peça em corte obtida isenta de defeitos; adaptado de (Alvarez-Vera et al. 2013).

Outro caso de estudo relevante para o tópico presente é a tese de metrado de Carlos Gonçalves, antigo aluno de Engenharia Mecânica da FEUP (Gonçalves 2011). Nesta tese, é projetado um sistema de gitagem para um cacho de 4 componentes femorais de uma prótese de anca na liga Ti6Al4V. São feitas 3 iterações (Figura 31-33), alterando-se a massividade e orientação dos canais de alimentação. Na última iteração (Figura 33-C) é aplicado isolamento de fibra no sistema de gitagem, solucionando o problema dos rechupes.

Figura 31 - 1ª iteração; A: pia de vazamento; B: rechupes (manchas amarelas) no interior das próteses; adaptado de (Gonçalves 2011).

Figura 32 - 2ª iteração; A: segunda pia mais massiva e com alimentação mais direta; B: formação de rechupes (manchas amarelas) no interior das próteses; adaptado de (Gonçalves 2011).

Figura 33 - 3ª iteração; A: terceira pia mais massiva; B: formação de rechupes (manchas amarelas) sem isolamento; C: rechupes apenas na pia de vazamento após aplicação de isolamento; adaptado de (Gonçalves 2011).