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Bencostta (2005) situa a criação e implantação dos grupos escolares no País como uma das várias práticas e representações que foram desenvolvidas no processo de implantação da República no Brasil, 1889. No período fazia-se necessária uma justificativa racional de poder, bem como, e, principalmente, a construção de valores sintonizados com o mundo moderno e de uma nova nação. Assim, a Instrução Pública foi destacada no seu papel de coesão da sociedade por meio da educação dos cidadãos para o novo regime.

A arquitetura dos espaços escolares foi fundamental, dentre outros símbolos e práticas políticas e sociais, para a compreensão da instalação desse novo regime, ou seja, a associação dos aspectos físicos da instituição às concepções didático-metodológicas e aos novos preceitos de civismo do povo que constituiria o País.

A suntuosidade e a visibilidade do grupo escolar na reforma da sociedade foram de grande importância, pois, sendo a criação e implantação dessa modalidade escolar e o ensino nele desenvolvido, questões fundamentais para uma nova ordenação da sociedade, fazia-se necessário a construção de prédios destinados à educação que marcassem o imaginário da população como um dos signos da República.

Ao ser afirmada a necessidade da especificidade de um edifício destinado à educação do povo, foi também ressaltada a importância da sua localização, ou seja, no cenário que se pretendia construir a modernização das cidades associada a um novo modo de pensamento da população, o do espaço urbano. Sobre isso Bencostta (2005) considera que:

“[...] a construção de edifícios específicos para os grupos escolares foi uma preocupação das administrações dos estados que tinha no urbano o espaço privilegiado para sua edificação, em especial, nas capitais e cidades prósperas economicamente. Em regra geral, a localização dos edifícios escolares deveria funcionar como ponto de destaque na cena urbana, de modo que se tornasse visível, enquanto signo de um ideal republicano, uma gramática discursiva arquitetônica que enaltecia o novo regime” (BENCOSTTA, 2005, p. 97).

Assim, os grupos escolares sintetizavam o projeto político e social atribuídos à educação e tinham na arquitetura sinais de identificação que os distinguiam dos demais prédios da cidade, bem como, o localizava, não só no espaço, mas num novo tempo e cultura escolar, de atividade de ensino e prática docente, que se constituíam naquele momento. Para Souza (1998)

Os grupos escolares foram os estabelecimentos de ensino mais representativos dessa conformação da escola como lugar. Uma arquitetura escolar pública começou a ser gestada nessa época aliando a configuração do espaço às concepções pedagógicas e às finalidades atribuídas à escola primária (p. 123).

Nesse sentido, afirma a importância arquitetônica dos prédios para compreendermos a organização pretendida:

O edifício-escola deveria exercer, portanto, uma função educativa no meio social. Além disso, estabelecer a correspondência entre a importância da escola e o espaço ocupado. Deveria ser um fator de elevação do prestígio do professor, um meio de dignificar a profissão e provocar a estima dos alunos e dos pais pela escola. Por isso, podemos dizer que a escola como lugar define-se juntamente com a constituição do espaço social e cultural da escola (SOUZA, 1998, p. 123).

A preocupação com a localização da escola na cena da cidade encontrava-se nas exigências de se determinar modos de comportamento dos alunos e professores, bem como, das representações que se faziam da mesma.

Sobre a inserção do grupo escolar no meio urbano, essas instituições foram criadas na capital e no interior do Estado, com especial atenção para a relevância social das mesmas na cidade, o que implica sua produção e reprodução nas práticas culturais do cenário urbano. Segundo Souza (1998), esse movimento correlaciona-se aos interesses e privilégios políticos e financeiros dos grupos sociais das localidades, que estavam atrelados a política de reforma e expansão do ensino público republicano.

A criação dos grupos escolares foi marcada pela edificação de um símbolo de qualidade da instrução pública e essencialmente urbana. Com a política de escolarização de massas, advinda das pressões de natureza social, fez-se necessário atender tanto aos centros urbanos quanto a zona rural e pequenos povoados, o que gerou a criação de escolas desprovidas dos cuidados mínimos necessários e a precária manutenção dos grupos escolares.

O privilégio da localização dos grupos escolares no espaço urbano assentava-se na idéia de que estes conferiam visibilidade e propaganda do novo regime republicano e sua criação tinha um significado simbólico maior que a criação de escolas isoladas no meio rural. Portanto, não podendo ser universalizado o ensino primário “[...] optou-se por privilegiar as escolas urbanas com maior visibilidade política e social” (SOUZA, 1998, p. 91).

A disputa política de grupos sociais pela implantação dos grupos escolares correspondia à motivação por um conjunto de melhorias na cidade e o grupo escolar simbolizava nessa cena

um importante valor urbano. Representava a vitória de um jogo político das autoridades locais, prestígio para a cidade, bem como seu desenvolvimento:

“[...] auxiliaram o serviço sanitário exigindo vacinação e tornando-a obrigatória, participando na escalada de intervenção das políticas de saúde pública no combate das epidemias que assolavam as cidades nesse período. Participaram, também, dos projetos de higienização dos espaços urbanos, não apenas ensinando aos alunos normas de urbanidade e civilidade. Ali se ensinava a ler, escrever, contar, além das noções básicas das ciências físicas e naturais, as virtudes morais e cívicas – um conjunto de rudimentos que disseminava uma cultura comum revestida de significados simbólicos. Além disso, a escola tornou-se nas cidades mais um espaço de encontro, de solenidades e comemorações. Cravados no coração dos centros urbanos, os grupos escolares irradiam sua dimensão educativa para toda sociedade” (SOUZA, 1998, p. 116).

Decorrente do interesse dos grupos sociais em torno da escola pública está a ideia, apontada por Souza (1998), sobre a quem se destinavam as políticas de expansão do ensino primário. O aspecto da localização espacial da escola associada às possibilidades de conquista de vaga nas instituições, que, segundo a autora, foi marcada por disputas entre diferentes classes sociais e raças, gerou discussões por décadas sobre o caráter democrático da escola pública.

O grupo escolar no interior das cidades constituía um dos aspectos fundamentais do projeto de modernização das cidades e de seus habitantes, ou seja, da disciplinarização e da regeneração. Considerando que nas cidades encontravam-se os pobres e os vagabundos, com tendências a degeneração, a escola passa a ter a missão de construir novos modos de gestão da cidade, a partir de sua dimensão simbólica.

Compreendendo os grupos escolares como uma instituição de privilégio urbano, Souza (1998) atenta para as conseqüências dessa questão nas políticas educacionais, constatando que o projeto de cidadania republicano foi excludente em pelo menos dois aspectos: a população rural foi marginalizada e, nas cidades, o grupo escolar não atendia a todos os pedidos de matrícula.

Bencostta (2005) destaca aspectos importantes na criação e na configuração dos grupos escolares, tencionando importantes questões:

“[...] o que caracterizava esta escola graduada, ou grupos escolares, como uma instituição que se diferenciava daquela existente no período monárquico? Quais alterações estiveram ali presentes que proporcionaram a composição de um discurso que a denominava de instituição sintonizada com as modernas pedagogias existentes no mundo da educação civilizada?” (p. 97).

A nova gramática arquitetônica das cidades, bem como sua relação intrínseca com os novos ideais e consciência moral e cívica proclamados para a República, estavam amplamente, e,

principalmente, desenvolvidos nas questões educacionais, nos aspectos físicos das novas instituições de ensino e nas concepções pedagógicas que se propunham a outros modos de ensinar e aprender. Os grupos escolares faziam aprender não só pelo que era ensinado nas matérias do currículo, mas também por outros significados que a nova arquitetura física imprimia na consciência dos alunos.

Essa nova modalidade de organização espacial das instituições de ensino, os grupos escolares, estabelecia a reunião de várias escolas primárias de uma determinada área em um único prédio, o que levou a administração pública a entender esse sistema como um benefício aos cofres públicos, pois deixariam de pagar aluguéis para as casas que abrigavam as escolas isoladas.

Desse modo, a nova organização do ensino em espaços específicos e projetados mediante a uma nova concepção pedagógica e de formação do cidadão republicano, caracterizou-se por uma diferenciação do período monárquico pelo seu modo específico de funcionamento e localização espacial na cidade, corroborando com a nova estratégia de ação política e social da República.

Dentre os aspectos do programa arquitetônico que identificava a escola como espaço público de escolarização, a apropriação do local exigia qualidades necessárias para congregar as instituições e destacava a associação entre as ruas onde eram instalados e o contexto urbano da época, aspecto de extrema importância para a visibilidade e o acesso à instituição pela população.

O investimento, a visibilidade e o funcionamento dessa gramática arquitetônica dos grupos escolares que enaltecia a República e a sua consolidação eram considerados importante estratégia de formação dos cidadãos e tinha função, por parte do governo, de produzir representações que significassem o cumprimento de educação popular para todos os cidadãos. O edifício escolar exprimia força e vitalidade por meio de suas características arquitetônicas, projetadas para ser reconhecida como uma escola e produzir “[...] a auto-imagem de uma época e [despertar] sentimento de afeição e identificação com o novo regime” (MONARCHA, 2006, p. 116).

Ainda que essa premissa não tenha se concretizado imediatamente nas cidades essa nova edificação social passou a contribuir para a elaboração de representações sociais que foram incorporadas pelos moradores, de modo que, gradativamente os grupos escolares foram sendo reconhecidos como um projeto inovador que sinalizava a nova ordem republicana.

O sentido do moderno foi expresso para a população, principalmente, nas relações estabelecidas entre os espaços da escola, tanto interior quanto exterior, nas informações visuais e temporais do novo local do ensino primário, chamando-nos à atenção para a representação dos novos prédios escolares na cena urbana e no imaginário do povo com vistas à nova ordenação do exercício social.

Percebemos com os autores que a afirmação dos preceitos republicanos fez-se sentir no imaginário do povo, por meio da inculcação e, especialmente, da valorização física, espacial e temporal das escolas, que imprimiam novos sentidos para a organização e disciplinarização dos comportamentos. O moderno estava, portanto, inscrito na lógica das novas relações da população com a estética e na cultura que se produziria a partir desse comportamento.

A política de construção escolar foi, portanto, um marco na implantação dos ideais republicanos, convidando os alunos e as famílias a ter no prédio destinado ao ensino uma importante referência, pedagógica e, principalmente, simbólica das novas ordenações sociais, morais e cívicas.