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Orientando-nos por uma atitude teórico-metodológica que sugere tencionar tanto a produção e correlações das fontes, quanto a leitura a contrapelo destas, o presente estudo procura por

vestígios das ações dos idealizadores do projeto de reforma educacional no Espírito Santo, no

início do século XX e, dentro desses ideais, a materialização estabelecida na constituição arquitetônica dos grupos escolares capixabas. Procuramos nas fontes mobilizadas conhecer os espaços e tempos destinados às instituições modelares da República, que tinha na visibilidade estética e simbólica dos edifícios escolares uma proposta de propagação dos preceitos republicanos, compreendermos como foi possível viabilizar esse projeto arquitetônico no Estado.

Diferente de compreendermos as fontes como testemunhos fiéis da história (BLOCH, 2001), procuramos no presente estudo interrogá-las para extrairmos o que as mesmas não tencionam dizer, pois, “[...] os textos ou os documentos arqueológicos, mesmo os aparentemente mais claros e mais complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-los” (BLOCH, p. 79).

O movimento de interrogação das fontes não pode ser puramente instintivo, ditado pelas afirmações ou hesitações do senso comum e da tradição, inscrito no cérebro, pois assim afirmaremos o lugar inicial do nosso conhecimento, pelos preconceitos que temos dele. É necessária uma busca dirigida para a investigação histórica, o que se diferencia da atitude submissa de esperar a inspiração do documento. Ao mesmo tempo, como afirma Bloch (2001), é preciso que a “[...] escolha ponderada da pergunta seja extremamente flexível, suscetível de agregar, no caminho, uma multiplicidade de novos tópicos, e aberta a todas as surpresas” (BLOCH, 2001, p. 79).

Portanto, considerando que as fontes selecionadas não informam por si só é preciso colocá-las em tensão e na relação com o contexto onde foram produzidas para constituirmos nossa problematização e discurso. Não são “[...] janelas escancaradas, como acreditam os positivistas, nem muros que obstruem a visão, como pensam os cépticos: no máximo poderíamos compará-las a espelhos deformantes” (GINZBURG, 2002, p. 44). Importa para a historiografia é a consideração e a análise das distorções a que estão submetidas as fontes, numa dada realidade, pois, ainda que encontremos dificuldades para tal, é possível encontrarmos, como afirma este autor, zonas privilegiadas, sinais e indícios que nos permitem decifrar a realidade.

Nesse sentido, considerar e valorizar os detalhes, os não-ditos, os espaços em branco, o que está fora do texto, bem como nosso movimento de fazer este falar (GINZBURG, 2002) nos orientam a tomar distância de procedimentos lineares e a optarmos por possíveis correlações do contexto, que tornem significativas nossas intenções na investigação e que renovem as narrativas produzidas acerca deste.

Na busca e na análise das fontes é preciso refletir também sobre as ausências detectadas tanto

dos documentos, quanto nos documentos. Importante considerar o que Ginzburg (2002)

chama de hors-texte, ou seja, “[...] o que está fora do texto está também dentro dele, abriga-se entre as suas dobras: é preciso descobri-lo e fazê-lo falar” (p. 42). Portanto, aquilo que falta importa na constituição da argumentação e/ou é a centralidade desta.

As fontes precisam nos mobilizar a buscar naquilo que não está posto, pistas e rastros que nos possibilitem criar relações e articular contextos, a partir dos detalhes visíveis e, principalmente, dos invisíveis. Essa é a tarefa do historiador: dar inteligibilidade aos documentos, tanto para o que informam e deixa de informar, quanto para a sua ausência.

Tanto a mobilização das fontes no processo de pesquisa, quanto seus problemas de transmissão, tocam na intimidade do passado, fazendo-nos perceber que o empreendimento das mesmas precisa relacionar-se aos nossos problemas de investigação; e que a presença ou ausência destas nos arquivos, bibliotecas, etc., diz respeito apenas àquilo que foi transmitido pelas gerações. É importante avançarmos nesse quadro estabelecido pelas lembranças deixadas, o qual no impõem a justificativa do modo como procedemos para a seleção, interrogações realizadas e, principalmente, a relação estabelecida entre os documentos utilizados, o que nos parece o fundamento da produção do conhecimento histórico.

Diferente de querer organizar séries documentais e analisá-las dentro de uma perspectiva linear de construção da história compreendemos que a constituição da nossa escrita, assim como quer Certeau (2002), será pautada no estabelecimento de uma relação com os documentos, o vivido, buscando reconstruir o passado que ficou estabelecido na construção de uma narrativa.

Para tanto, transformar em documentos os objetos dispersos, que ocupavam lugares e funções diversas, é tarefa inicial da pesquisa. Ao produzi-los estaremos dando-lhes nova forma e estatuto, na medida das nossas questões e necessidades atuais. Nesse movimento de constituição dos documentos é que desenvolvemos nossa prática historiográfica, por meio de

variadas operações necessárias aos interesses do presente e que serão combinadas numa produção escrita.

Também é preciso atentar para a necessidade de recorrermos a um número variado e diversificado de fontes, distanciando-se da ideia positivista que elege apenas os documentos oficiais como dignos de fé. Nesse sentido, Bloch (2001) amplia esta ideia afirmando que “A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo o que toca pode e deve informar sobre ele” (p. 79).

A construção do conhecimento histórico necessita da mobilização de uma multiplicidade de fontes, assim como, o entrecruzamento dos seus dados. Sobre isso Bloch (2001) afirma que: “Seria uma grande ilusão imaginar que a cada problema histórico corresponde um tipo único de documento, específico para tal emprego [...]” (p. 80).

Portanto, dada a necessidade de operarmos com testemunhos diversos, faz-se necessário também elegermos técnicas distintas, que considerem os diferentes tipos de testemunhos. Nesse sentido, compreendemos com Bloch (2001) que, poucas ciências “[...] são obrigadas a usar, simultaneamente, tantas ferramentas distintas. É que os fatos humanos são mais complexos que quaisquer outros. É que o homem se situa na ponta extrema da natureza” (p. 81).