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As pesquisas produzidas sobre a implantação da instrução pública nos estados brasileiros nos ajudam a compreender o lugar dos grupos escolares no projeto republicano de organização do ensino primário no Brasil, assim como, afirmar as diferentes experiências no País no final do século XIX e início do XX.

Nesse sentido, o trabalho de Vidal (2006) evidencia e retira do isolamento um conjunto de estudos que se preocupou com a emergência dos grupos escolares no Brasil, reunindo os esforços dos pesquisadores que trataram dessas instituições modelares de ensino associadas ao processo de escolarização, à formação docente, às formas da escola e aos problemas

enfrentados pelo modelo escolar instituído no período republicano. O estudo é resultado de investigações de teses e dissertações sobre diversas regiões brasileiras e compõem um estado da arte da pesquisa acerca dos grupos escolares no Brasil, reunindo uma produção dispersa e nem sempre acessível que foram produzidas em todo território nacional.

Vidal (2006) convida para o exercício das aproximações e dos contrastes entre as formas de escolarização das diferentes regiões geográficas brasileiras, 32 por compreender o cenário multifacetado da implantação dos grupos escolares no Brasil. Considera que as narrativas dos trabalhos “[...] exibe semelhanças e, ao mesmo tempo, revela singularidades na criação e na instalação dos Grupos Escolares no território brasileiro” (p. 15).

O trabalho de Vidal (2006) trata dos relatos empreendidos sobre os grupos escolares a partir dos Estados onde foi realizada a sistematização acerca das modelares instituições de ensino, e das diferentes tematizações realizadas pelos autores: a importância da interlocução com educadores e a legislação paulista (Antônio de Pádua Lopes, Jorge Carvalho do Nascimento, Elizabeth Poubel e Silva e Vera Lúcia Gaspar da Silva); a preferência pela instituição de escolas reunidas às graduadas (Diomar das Graças Motta, Lucia Maria da Franca Rocha, Maria Lêda Ribeiro de Barros e Antônio Pádua Lopes); o destaque à formação cívica e patriótica (Jorge Carvalho do Nascimento, Elizabeth Poubel e Silva, Marcus Albino Bencostta e Vera Lúcia Gaspar da Silva).

Com base nas questões desenvolvidas pelos autores que compõem o conjunto das produções historiográficas sobre os grupos escolares, evidenciados no trabalho organizado por Vidal (2006), 33 Souza e Faria Filho (2006), considerados referência da temática no Brasil pela

32 A autora aborda trabalhos dos Estados referentes à região Nordeste (Piauí, Paraiba, Maranhão, Sergipe, Bahia

e Rio Grande do Norte); região Centro-Oeste (Mato-Grosso); região Sudeste (Minas Gerais e Rio de Janeiro); e a região Sul (Paraná e Santa Catarina).

33 O trabalho organizado por Vidal (2006) é denominado “Grupos Escolares: cultura escolar primária e

escolarização da infância no Brasil (1893-1971)” e composta pelos seguintes estudos e autores: A implantação das escolas centrais em Portugal (Margarida Louro Felgueiras e Elizabeth Poubel e Silva); Das escolas reunidas ao grupo escolar: a escola como repartição pública de verdade (Antônio de Pádua Carvalho Lopes); Grupos escolares na Paraíba: iniciativas de modernização escolar (1916-1922) (Antônio Carlos Ferreira Pinheiro); A emergência dos grupos escolares no Maranhão (Diomar das Graças Motta); A escola no espelho: São Paulo e a implantação dos grupos escolares no Estado de Sergipe (Jorge Carvalho do Nascimento); A educação primária baiana: grupos escolares na penumbra (Lúcia Maria da Franca rocha e Maria Lêda Ribeiro de Barros); O grupo escolar modelo “Augusto Severo” e a educação da criança (Natal- RN, 1908-1913) (Marta Maria de Araújo e Keila Cruz Moreira); O florescer de uma cultura escolar no ensino público Mato-Grossense (Elizabeth Poubel e Silva); Os grupos escolares em Minas Gerais como expressão de uma política pública: uma perspectiva histórica (José Carlos Souza Araújo); Um projeto modernizador: o grupo escolar numa cidade de vocação industrial (Lola Yazbeck); Por um projeto escolar modelar: a constituição dos grupos escolares no Distrito Federal em final do século XIX (Sonia Camara e Rafael

organizadora, fazem um importante balanço da produção nacional, buscando apontar convergências, avanços, lacunas e desafios nas investigações realizadas pelos autores. Considera que os historiadores voltaram suas atenções e interesses para a história das instituições educativas e para a cultura escolar, o que confere novos modos de abordagem e exigências conceituais, assim como a exploração de variados temas e objetos.

Demonstrando preocupação com o momento da implantação dessa modalidade de escola primária os estudos apresentam um caráter acentuadamente regional (SOUZA e FARIA FILHO, 2006). São identificados, segundo os autores, em dois grupos: de âmbito mais geral, caracterizando a modalidade de escola primária no fim do século XIX e início do século XX, bem como sua reconstituição no processo de implantação nos estados; de outro modo, os estudos voltam-se para a história da instituição, privilegiando uma escola ou grupo de escolas.

A história cultural destaca-se como abordagem nos estudos e direciona o interesse dos investigadores para as questões educativas, enfocando a educação no seu aspecto sociocultural e valorizando os processos de escolarização, as relações entre práticas e discursos, bem como a escola como objeto historiográfico. Esse novo modo de produzir estudos acerca dos grupos escolares vem acompanhado de forte acentuação na valorização de outros documentos para constituir a narrativa histórica:

“[...] relatórios de professores, diretores de grupos escolares, de inspetores e delegados de ensino, provas de alunos, processos administrativos, atas de concurso de professores, orientações didáticas elaboradas pelos órgãos da administração do ensino, fotografias escolares, ofícios, correspondências, entre outros documentos. O olhar se debruça ainda sobre os periódicos educacionais, a imprensa (jornais locais e de circulação regional/nacional), livros e manuais escolares, enfim, sobre a diversidade dos impressos” (SOUZA e FARIA FILHO, 2006, p. 23).

Com relação ao cotidiano das instituições, os autores indicam buscar pelos poucos e dispersos rastros de documentação nas escolas públicas:

“[...] livros de matrículas, livros-ponto, de licenças, de termos de compromisso, livros de apontamentos sobre o pessoal, livros de chamadas, de ata de fundação, de atas de exame finais, de nomeação e licenças, de termos de visita de inspetores, mapas de movimento, inventários e correspondências oficiais. Ainda, livros comemorativos, recortes de jornais, atas de reunião de professores, dados sobre patrono, livro de atas do Centro cívico, atas de reunião do Conselho de Escola, atas

Barros); Desfiles patrióticos: memória e cultura cívica dos grupos escolares de Curitiba (1903-1971) (Marcus Levy Albino Bencostta); Grupos escolares na região de Campos Gerais (PR) (Maria Isabel Moura Nascimento); Vitrines da República: os grupos escolares em Santa Catarina (1889-1930) (Vera Lúcia Gaspar da Silva).

de reunião de estudo dos professores, Regimento Escolar, planejamento de curso, fotografias, entre outros [...]” (SOUZA E FARIA FILHO, 2006, p. 23).

A atenção às essas fontes insere-se no movimento historiográfico de focar o interesse na forma como os atores sociais lidaram com as políticas e reformas educacionais e produziram experiências possíveis nas relações de forças estabelecidas, marcando outra forma de produção de conhecimento histórico, que se distancia da ideia de discutir e avaliar o impacto das diretrizes colocadas na história da educação. 34

No sentido de compreender como os estudos sobre os processos de organização dos grupos escolares no País contribuem para uma nova configuração das pesquisas em história da educação, Souza e Faria Filho (2006) apontam a necessidade de nos aproximarmos de outras matrizes teóricas e áreas do conhecimento, como a sociologia, a política, a antropologia e a arquitetura para ampliarmos este objeto de conhecimento na perspectiva de compreendermos as relações e tensões que configuraram a instrução pública brasileira.

Outro importante desafio é a necessidade de compreendermos as diferentes dinâmicas dos grupos escolares instalados no meio urbano e no meio rural. Sugerem pensarmos que as experiências produzidas nesses diferentes espaços, relacionam: diferentes problemáticas e soluções políticas e sociais para seu funcionamento e expansão; distintos grupos sociais interessados na sua instalação; matrículas e frequências dos alunos com demandas advindas dos contextos específicos; apropriação e compreensão de alunos e professores do novo espaço e modelo pedagógico a ele atrelado.

Quanto ao exame da origem dos grupos escolares, Souza e Faria Filho (2006) atentam para os estudos que focam suas investigações no período de sua implantação, apontando limites nesse recorte temporal, pois é preciso considerar questões anteriores ao processo de modo que amplie a compreensão da “[...] suposta modernidade que se pretendia instaurar na instrução pública do período republicano” (p. 44). Nesse sentido, entendem a importância do recuo e do avanço nos estudos sobre os grupos escolares, e, ainda, das outras escolas e práticas que eram desenvolvidas concomitantemente ao novo projeto educativo, como forma de percebermos as dificuldades da instituição e constituição da nova cultura escolar no início do século XX.

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Souza e Faria Filho (2006) apontam que até a década de 1990 os grupos escolares foram tratados em correlação à outros objetos de investigação, “[...] particularmente no interior das discussões sobre as reformas educacionais e sobre a história da profissão docente” (p. 24).

Para dimensionar o significado dos grupos escolares nos seus aspectos institucionais, materiais e simbólicos, Souza e Faria Filho (2006) consideram o necessário diálogo entre os aspectos internos da escola, a cultura escolar, e outros dados. Para tanto, indicam a correlação de dados qualitativos dos grupos escolares com outras instituições do contexto diverso do ensino elementar. Desse modo, é possível melhor distinguir e caracterizar a origem e a frequência dos alunos dos grupos escolares, considerando o contexto do sistema educativo do período de seu funcionamento.

Compreendemos que os estudos dos grupos escolares delineiam um quadro emaranhado de questões a serem investigadas e que a produção de conhecimento multifacetada acerca das modelares instituições retrata aspectos da cultura escolar, ampliando a compreensão do seu funcionamento interno (SOUZA e FARIA FILHO, 2006). Nesse sentido, é importante salientar que dentre as chaves para compreensão da cultura desse modelo escolar encontra-se a análise do seu espaço, como objeto de investigação específica.

Souza e Faria Filho (2006) destacam que a noção de cultura escolar tem sido utilizada como vertente de investigação dos grupos escolares e tem contribuído para a renovação da história da educação no Brasil no que diz respeito aos aspectos inter relacionais das políticas educacionais e sistemas educativos. Atentam, no entanto, para a importância dessa noção ser empregada no seu sentido analítico, e menos descritivo, procurando responder a questões relacionadas ao processo da produção da cultura escolar pelos sujeitos envolvidos, assim como destes na produção da cultura.

Nesse sentido, a análise da arquitetura que constituiu o processo de diferenciação de um espaço específico para o funcionamento da escola pública brasileira no final do século XX, com atenção especial para a implantação dos grupos escolares, nos permite perceber a importância social e política da escola primária no Brasil, bem como a propagação da ação do governo em relação à instrução pública.

No modo como o enfoque da arquitetura dos grupos escolares republicanos é associado por Souza e Faria Filho (2006) à ideia de cultura escolar, é possível compreender que esta noção colabora para pensarmos na necessidade de analisar o processo de constituição dos espaços e tempos escolares sempre relacionados a outras culturas institucionais, buscando pelos “[...] estabelecimentos de padrões culturais e de troca entre as diferentes instituições que atuam na socialização da infância” (p. 41). Desse modo, convidam-nos a buscar outros interlocutores,

de instituições diferentes e que, de algum modo, colaboraram na constituição do ensino e da arquitetura específica a ela destinada no período tratado.

O balanço dos trabalhos acerca dos grupos escolares na produção acadêmica brasileira, feito por Souza e Faria Filho (2006), colabora para justificar a importância dos estudos dessas escolas primárias por recuperar e sistematizar sua história institucional, bem como pela contribuição dada à escola pública brasileira, afirmando seu significado político e pedagógico na sociedade, relevando sua importância na democratização cultural e na luta das camadas populares pela participação política, social, econômica e cultural do País.

Observar os limites, lacunas e exigências analisadas por Souza e Faria Filho (2006) no exame dos estudos investigados sobre a temática no Brasil, nos impõem decisões teórico- metodológicas sobre a investigação da história dos grupos escolares no Espírito Santo, que precisam considerar as especificidades do contexto capixaba no processo e correlacionar dados produzidos na experiência local e no contexto brasileiro.

No sentido de nos aproximarmos das experiências singulares produzidas pelos atores sociais capixabas no processo de implantação do modelo arquitetônico dos grupos escolares no Estado, utilizaremos a perspectiva teórico-metodológica do trabalho com as fontes (GINZBURG, 1987, 2002, 2003, 2007; BLOCH, 2001; CERTEAU, 2006) para investigarmos a constituição histórica da produção dos espaços e tempos destinados ao ensino primário no início do século XX e, principalmente, problematizar o modo como as fontes foram produzidas no período da reforma educacional no Espírito Santo.