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PARTE III – A CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

7. GESTÃO DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO BOSQUE DAS

7.2 ARRANJO INTERORGANIZACIONAL

Após a categorização e análise dos atores locais e das relações que estabelecem entre si, parte-se agora para a discussão do arranjo interorganizacional configurado na intervenção, focando na sua construção e na estrutura conformada. O objetivo é observar o modo de organização da ação coletiva e a estruturação do bloco socioterritorial (DALLABRIDA; BECKER, 2003), demonstrando a forma como os atores são representados e ouvidos e como se dão os processos de decisão (DALLABRIDA, 2015) e o envolvimento da coletividade, sem perder de vista o contexto cultural e identitário que possibilita e dá lugar a esse arranjo (SILVA, 2003a; FISCHER, 2002). Em última instância, trata-se de compreender a dinâmica organizacional urdida no território e as tentativas de construção de uma ambiência favorável ao seu desenvolvimento a partir das interações entre os atores e da construção de convergências.

A abordagem interorganizacional aqui presente é sustentada pela afirmação de Clegg e Hardy (1998, p.38) de que as pesquisas contemporâneas sobre organizações envolvem “da burocracia à fluidez”, ampliando o foco de análise e as abordagens possíveis. Assim, considera-se o arranjo como uma rede simbólica e material que se configura como fator de influência para a transformação do ambiente em questão, para a construção de um convívio associativo e participativo no plano local (SILVA, 2013), permitindo interações de intercâmbio, ação concertada e produção conjunta (ALTER; HAGE, 1993). No caso em questão, estes arranjos são representados pelas estruturas de governança articuladas localmente para a condução dos processos de desenvolvimento territorial.

Nas iniciativas de DIST em empreendimentos de habitação social no Brasil, uma das finalidades assumidas pelas diferentes entidades executoras residiu no fomento à construção de estruturas de governança locais, pautado na integração entre os

agentes territoriais, no fortalecimento do capital social e na sustentabilidade das ações, que deveriam ser pensadas para além do período de execução da intervenção. Como pôde ser verificado em um dos seminários nacionais do DIST, organizado pela CAIXA em 2016, diferentes instâncias de governança foram organizadas. Em alguns territórios, isso se deu pela formalização de associações comunitárias e/ou de moradores do bairro (DIST – Queimados/RJ). Em outras experiências foram montadas cooperativas setoriais, com atuação em diversas frentes – reciclagem, resíduos sólidos, alimentos, costura (DIST – Campinas/SP e DIST – Londrina/PR). Destaca-se ainda a criação de Grupos Gestores Comunitários (DIST – Rio Branco/AC), da Comissão de Gestão do Território (DIST – Manaus/AM), do Conselho de Gestão Social do Território (DIST – Goiânia/GO) e dos Fóruns de Desenvolvimento do Território (DIST – Arapiraca/AL e DIST – Salvador/BA).

Na experiência do Bosque das Bromélias (DIST – Salvador/BA), como já relatado anteriormente, a construção da governança se pautou por um viés endógeno – de organização interna do território – e um viés exógeno – de aproximação com a cidade e os territórios de entorno e a articulação com organizações e instituições externas à territorialidade.

Do ponto de vista endógeno, ressalta-se a importância das oficinas de governança e organização comunitária para esse processo. Entre o final de 2014 e o início de 2016 foram realizadas oito oficinas. Nestes encontros, além da discussão dos problemas, potencialidades e outros temas locais, debatiam-se as possibilidades de construção de estruturas colegiadas para a condução das ações. Enquanto instâncias locais de governança, algumas iniciativas foram se estruturando. Exemplo disso é a Associação Comunitária dos Moradores do Bosque das Bromélias (que atualmente já está criada e formalizada), o Centro Comunitário das Bromélias (que, embora informalmente, foi responsável por diversas articulações com o poder público municipal e estadual, entre elas a instalação da linha de ônibus municipal, do transporte escolar e de uma seção eleitoral no território), e o Instituto Multicultural do Bosque das Bromélias (surgido a partir de um dos cursos de formação cidadã, e que encontra-se atualmente desmobilizado). Todas estas instâncias coletivas partiram da livre iniciativa dos moradores.

Se por um lado a existência destas iniciativas demonstra um nível positivo de articulação local, por outro, revela uma faceta do conflito de interesses e da dispu ta entre poderes difusos – a mesma disputa já referida anteriormente. Cada um destes coletivos possuía características distintas, além de serem capitaneadas por pessoas ou grupos diferentes, e com interesses nem sempre conciliáveis.

A estratégia pensada para fazer frente a isso foi identificar como se poderia apoiar e fortalecer as iniciativas existentes, atores centrais no processo de planejamento e gestão social do território, garantindo a autonomia de cada uma, mas pensando espaços de encontro e discussão coletiva, bem como formas de integração de projetos e ações. A alternativa identificada durante uma das oficinas de governança foi a criação de um Fórum de Moradores (Figura 10), tendo em vista a gestão integrada do território e a sustentabilidade das ações implementadas pelo DIST.

Figura 10 – Estrutura do Fórum de Desenvolvimento Territorial do Bosque das Bromélias Fonte: CIAGS/UFBA (2016).

O Fórum de Desenvolvimento Territorial do Bosque das Bromélias é o resultado acumulado das oficinas de governança e organização comunitária realizadas no território, bem como do curso de formação de lideranças (Ambiente de Aprendizagem 2). O fórum se propõe como espaço de diálogos e decisões sobre as questões territoriais e tem como objetivo estabelecer alianças por meio da identificação dos problemas e necessidades da comunidade, para a construção de soluções com a participação dos moradores, constituindo-se em um pacto socioterritorial de governança.

Conforme pactuado entre os participantes, a partir do fórum a comunidade local deverá fortalecer sua capacidade de diálogo e negociação, tanto com os poderes locais quanto com outros níveis de poder, como governos, empresas e outras organizações. É também a partir do fórum que deveram ser conduzidas as ações pensadas e implementadas localmente.

Além dos síndicos e lideranças locais, o Fórum é composto pelos coordenadores e participantes dos Grupos de Trabalho criados em cada uma das frentes de intervenção do projeto (GT de comunicação e cultura; GT de esportes; GT de empreendedorismo e formação e GT de meio ambiente).

Uma das preocupações quando da estruturação do Fórum foi com a forma como as diferentes instâncias estariam representadas e como os atores seriam ouvidos. Optou-se por uma estrutura horizontalizada, sem hierarquias ou linhas de comando estabelecidas, conduzida pelo grupo de lideranças locais, mas aberta à ampla participação da população local. Pactuou-se ainda que o Fórum se reuniria mensalmente, no primeiro sábado do mês.

Os primeiros encontros foram capitaneados pelo CIAGS/UFBA, e contaram com a participação das lideranças locais e das pessoas envolvidas com ações apoiadas pelo projeto. Nos encontros discutia-se o andamento das ações e planejava-se a agenda das próximas atividades, sempre pensando na ação colaborativa e no estabelecimento de parcerias. Assim, expressa-se um resultado positivo em termos de estruturação de um arranjo colaborativo para a governança local. Todavia, cumpre observar que, nos meses em que esta convocação não foi feita pela equipe do CIAGS/UFBA, as reuniões do Fórum não aconteceram.

Em um dos meses, essa não convocação foi proposital, tendo em vista observar a capacidade de autonomia e organização local. No mês seguinte, chamou-se uma reunião do Fórum cuja pauta foi exatamente a discussão da necessidade de que os atores locais assumissem seu protagonismo na condução dos assuntos do território. No mês seguinte novamente não houve encontro e, no período mais recente, observou-se que o fórum, ou parte dele, se reunia sempre que surgia alguma demanda que precisava ser resolvida, sem obedecer a uma agenda sistemática. No entanto, mesmo sem os encontros do Fórum, as ações dos grupos de trabalho continuaram sendo desenvolvidas no território.

Esta observação suscita algumas reflexões em torno da construção e da sustentabilidade de arranjos interorganizacionais cooperativos, elaboradas com base em uma experiência localizada. Uma delas diz respeito à dependência em relação ao agente executor do projeto para a mobilização do arranjo. Ao mesmo tempo em que a busca da horizontalidade comparece como uma demonstração clara da propensão às práticas de gestão social, com a tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada em uma interação dialógica, transparente e emancipatória (CANÇADO, 2011, 2014; CANÇADO; PEREIRA; TENÓRIO, 2013), a ausência de uma definição clara de papéis pode comprometer o funcionamento da estrutura. Quem são os responsáveis por convocar as reuniões do Fórum? Quem define a pauta? Como e por quem devem ser feitos os registros e encaminhamentos? Estas eram questões colocadas e sobre as quais não se conseguia uma deliberação.

A outra reflexão tem relação com o fato de as ações de intervenção continuarem a ser realizadas, mesmo sem uma atuação sistemática do Fórum. Uma das explicações possíveis é oferecida por Oliver (1990), quando se refere à interdependência como um dos fatores determinantes dos relacionamentos cooperativos. O fato de os diferentes grupos conseguirem desenvolver suas atividades e obter resultados positivos, mesmo na ausência de uma estrutura ativa de governança e suporte, pode indicar que o nível de interdependência entre eles baixo, ou que a articulação ocorre de outras maneiras.