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POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL: TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS

PARTE I – SOBRE CIDADE E HABITAÇÃO: DEBATE ACADÊMICO E

2. HABITAÇÃO SOCIAL E A PRODUÇÃO DE NOVAS URBANIDADES

2.2 POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL: TRAJETÓRIA E PERSPECTIVAS

Uma das maiores expressões da problemática urbana contemporânea é a questão habitacional, manifestada de diferentes formas ao longo do tempo a depender do contexto socioeconômico e político e das demandas por ele suscitadas Em que

pese a importância das outras tantas agendas relacionadas à questão urbana e reclamadas pelos diversos movimentos de luta pelo direito à cidade, como o transporte e mobilidade urbana e as questões ambientais, compreende-se que é a partir da habitação, e nos territórios por ela produzidos, que muitos dos outros problemas urbanos vão se expressar. É também a partir destes territórios que podem ser construídas algumas alternativas.

Por muitos anos, o tema da habitação no Brasil e seus processos de produção, comercialização e financiamento ficou restrita ao domínio do mercado. Segundo Bonduki (1994, p.711) é no governo Vargas que o Estado passa a intervir na questão habitacional, como parte da estratégia de impulsionar a formação e fortalecimento de uma sociedade de cunho urbano-industrial.

Ao tratar das origens da habitação social no Brasil, Bonduki (1994; 2011) afirma que, embora as políticas habitacionais tenham se intensificado nas últimas décadas do século XX, a intervenção estatal na agenda habitacional tem início ainda lá atrás, no governo Vargas. Para o autor, já no início do século XX a demanda por moradia no país começou a se intensificar, transformando-se em questão social. Esse período coincide com a intensificação do processo de urbanização brasileiro, resultado da industrialização tardia do país (MARICATO, 1997).

Como afirmam Ribeiro e Pechman (1985), as precárias condições em que vivem as populações urbanas de baixa renda só foram alvo do interesse e da intervenção do Estado quando seus efeitos negativos ameaçaram atingir outras camadas sociais, notadamente as classes com renda mais elevada. Enquanto os problemas estavam circunscritos ao espectro de convívio dos mais pobres, eram tratados como comuns, ou mesmo invisibilizados pelos poderes públicos. Todavia, na medida em que estas precariedades habitacionais e os problemas dela decorrentes começam a representar riscos para outros setores da sociedade, com iminentes impactos na dinâmica e na economia urbana, aumentam as pressões para uma ação efetiva do Estado. Como consequência, observam-se movimentos dos poderes públicos como o foco de tentar resolver, ou pelo menos minimizar, o problema. Foi assim com a questão das habitações coletivas – cortiços, estalagens, casas de cômodos – do fim do século XIX (RIBEIRO; PECHMAN, 1985).

Com a crise internacional de 1929 e a Revolução de 1930 no Brasil, mudou-se a lógica de atuação do governo nas políticas sociais. Em meio à crise econômica internacional, a altos índices de desemprego e necessidade de legitimação, Vargas adotou medidas de modernização do Estado e construção de uma identidade nacional. De acordo com Araújo, Kauffmann e Abreu (2009), a política social do governo buscou atuar em dois âmbitos centrais: a garantia de ações de previdência e assistência social para os trabalhadores e melhoria das condições de vida. Assim, a habitação social passou a ter fundamental importância no Governo de Vargas.

Se por um lado os investimentos em habitação social assumiam papel vital no combate à crise econômica e meio para o processo de industrialização do País, por outro foram elemento formador de uma nova classe trabalhadora, base de sustentação política (BONDUKI, 1994). Além disso, com a promulgação da Lei do Inquilinato em 1942, que congelou o valor dos aluguéis, o modelo rentista adotado pelo setor privado não foi efetivo no atendimento da demanda habitacional e, portanto, o Estado deveria intervir de forma direta na oferta de condições básicas de sobrevivência à população. Em meio às discussões sobre o papel do Estado no tema habitacional, surgiram então duas possibilidades: oferecer casa própria ou habitações de aluguel. O posicionamento do então presidente Getúlio Vargas foi pela casa própria, uma vez que ao terem acesso a esse benefício, trabalhadores de baixa renda estariam dignificando seu trabalho honrado (ARAÚJO; KAUFFMANN; ABREU, 2009). Diversos são os elementos de destaque na trajetória histórica das políticas habitacionais brasileiras, dentre eles: (1) a criação, em 1946, da Fundação da Casa Popular (FCP) em 1946 – primeiro órgão público federal dedicado à questão da moradia; (2) a criação, em 1964, do Banco Nacional de Habitação (BNH) – à época, a principal instituição pública de desenvolvimento urbano do país cuja atuação se dava sobretudo na gestão do FGTS e na formulação e implementação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Sistema Financeiro do Saneamento (SFS). O BNH foi extinto em 1986, período de forte crise e fragmentação institucional na política habitacional do Brasil; (3) A criação da Secretaria de Política Urbana – SEPURB e as propostas de reforma do setor habitacional em 1995, que culminaram com a criação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, em 1999. Não se pretende aqui aprofundar o debate sobre os distintos momentos

históricos das políticas habitacionais no Brasil, esta tarefa já foi realizada por Bonduki (1994, 2008, 2011) e por Araújo, Kauffmann e Abreu (2009). O resgate aqui é feito no intuito de evidenciar as bases históricas, institucionais, econômicas e políticas que confluíram para o desenho recente de inserção do Estado na questão habitacional. Vale ressaltar, com este intento, as medidas de caráter mais proativo assumidas pelo Estado no primeiro decênio deste século.

Em linhas gerais, esta trajetória histórica pode ser organizada a partir da identificação de cinco períodos distintos. O primeiro deles, na transição entre os séculos XIX e XX, marca os primeiros anos da República e foi caracterizado pela produção rentista de habitação (BONDUKI, 1994, 2011) e por uma onda de forte controle sanitário (RIBEIRO; PECHMAN, 1985), sendo aqui denominado como

período higienista. O segundo, correspondente à Era Vargas, foi marcado, como já

anteriormente afirmado, pelas primeiras iniciativas estatais no trato da questão habitacional, com destaque para a criação das Carteiras Prediais dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) – responsáveis pela produção de moradia para as classes trabalhadoras (FARAH, 1983), a instituição da Fundação da Casa Popular – primeira instituição pública voltada à provisão de moradia no Brasil (BONDUKI, 1994) e a promulgação da Lei do Inquilinato – que, conforme Bonduki (2011, p.210) talvez tenha sido a medida de maior impacto no setor habitacional tomada no período varguista.

Seguindo na trajetória, o terceiro marco seria o período militar, quando se vivenciou a estruturação e o desmantelamento do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), organizado a partir das capturas do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e gerenciado pelo Banco Nacional de Habitação (BNH) que funcionou até 1986, passando, a partir de então, a ter a sua gestão operacional efetuada pela Caixa Econômica Federal e a gestão administrativa efetuada pelo órgão responsável pela formulação e implementação da política habitacional em nível federal (CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p.17). Já nesse momento, com a alta inflação e a política recessiva dos governos militares, observam-se alguns ajustes de inspiração neoliberal, tendo em vista a diminuição da ação direta do Estado, que passaria a atuar mais como regulador da ação do mercado na área habitacional.

Essa foi a marca do período seguinte, aqui denominado como período neoliberal, assinalado pela instabilidade institucional da política habitacional, cuja face concreta pode ser olhada a partir da quantidade de órgãos que se sucederam para a gestão da política em nível federal, conforme o resgate feito por Cardoso e Aragão (2013). Entre eles destacam-se: o Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (MHU) de 1987, Ministério de Habitação e do Bem-Estar Social – (MBES), de 1988, a Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária (SEAC) em 1989, o Ministério da Ação Social (MAS) de 1990, o Ministério do Bem-Estar Social (MBES) de 1992, a Secretaria de Política Urbana (SEPURB) em 1995 e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República (SEDUR/PR), que vigorou de 1999 a 2003.

O último período destacado neste percurso da política habitacional brasileira, corresponde àquele vivenciado a partir do primeiro mandato do Governo Lula (2003- 2007) e é aqui denominado de retomada da questão habitacional (Figura 2). Este momento foi marcado pela ampliação dos financiamentos habitacionais e pela constituição de importantes marcos institucionais e regulatórios, como a criação do Ministério das Cidades, em 2003, seguido da aprovação da Política Nacional de Habitação e do Plano Nacional de Habitação (PlanHab), da constituição do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e do lançamento do programa "Minha Casa Minha Vida" (PMCMV), em 2009.

Figura 2 - Linha do tempo do novo período das políticas habitacionais no Brasil Fonte: Elaboração própria (2016).

Observa-se neste momento um empenho para a viabilização de alternativas institucionais para a abertura de novas oportunidades na política urbana e habitacional. O surgimento do Ministério das Cidades, organizado a partir das diretrizes do Projeto Moradia3, contemplava as áreas de habitação, saneamento, transportes urbanos e planejamento territorial.

Em que pese as fragilidades iniciais em termos de estrutura e arcabouço organizacional, a criação do Ministério representou um novo marco no trato da questão habitacional desde a extinção do BNH. Além disso, sua concepção pressupunha um tratamento integrado da questão urbana – incluída aí a agenda habitacional, simbolizando uma considerável evolução no campo da gestão pública,

3 Projeto voltado à solução do problema habitacional, apresentado como parte da agenda eleitoral da campanha de Lula à presidência da República em 2002 que, Segundo Bonduki (2008), constituiu-se no carro-chefe das propostas eleitorais do Governo Lula para o setor habitacional e de desenvolvimento urbano

tendo em vista a constante fragmentação a que estava submetida (BONDUKI, 2008, p. 96).

Conforme avalia Klintowitz (2011), em que pese os avanços com a criação do MCidades, os anos iniciais do Governo Lula foram marcados pelo prosseguimento da política habitacional recebida do governo anterior. Apesar de algumas reconfigurações, “a base principal permaneceu sendo o financiamento habitacional através de crédito ao beneficiário final, em uma política ainda voltada para o mercado privado” (KLINTOWITZ, 2011, p. 108-109).

Os marcos aqui resgatados representam diferentes momentos históricos, com características marcantes na forma de ação do Estado na condução da política, na configuração de arranjos institucionais de gestão da habitação e nos instrumentos da política habitacional, cujas distinções, rupturas e continuidades, embora reconhecidas, não serão aqui discutidas.

A preocupação, a partir de agora, se volta para as questões em torno do Programa Minha Casa, Minha Vida, considerado – e amplamente propagado pelo governo – como o maior programa habitacional do Brasil.

2.3 HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL RECENTE E O PROGRAMA MINHA CASA,