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HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL RECENTE E O PROGRAMA MINHA CASA,

PARTE I – SOBRE CIDADE E HABITAÇÃO: DEBATE ACADÊMICO E

2. HABITAÇÃO SOCIAL E A PRODUÇÃO DE NOVAS URBANIDADES

2.3 HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL RECENTE E O PROGRAMA MINHA CASA,

O Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV é um Programa habitacional do Governo Federal que tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais destinadas a famílias de várias faixas de renda (BRASIL, 2009).

Neste mesmo período – primeiro decênio do Século XXI –observam-se profundas transformações nas políticas urbanas e de habitação, num cenário econômico de massivos investimentos, tanto públicos quanto privados, na produção habitacional (DENALDI, 2012).

Este contexto de transformações políticas, econômicas e sociais no campo da habitação desperta, ou retoma, o interesse acadêmico pelas questões relacionadas à problemática habitacional.

Desde que foi criado, em 2009, o PMCMV tem sido objeto de diversas análises, dentro e fora da academia. Conforme afirma Amore (2015), o “Minha Casa Minha Vida” é, antes de tudo, uma “marca”, sob a qual se organiza uma série de subprogramas, modalidades, fundos, linhas de financiamento, tipologias habitacionais, agentes operadores, formas de acesso ao produto “casa própria”.

Em uma tentativa de mapeamento das discussões acadêmicas, sobretudo no campo da administração, relacionadas à habitação, foram encontrados trabalhos relacionados à: financiamento habitacional (SERRA NEGRA, SOUZA; COUTINHO, 2006; SENH; CARLINI JÚNIOR., 2007); política habitacional (BONDUKI, 2008, 2011; BARRETO; PAES DE PAULA; GONTIJO, 2010; DRUMOND; SILVEIRA; SILVA, 2014; CARVALHO, 2014); direito à moradia (RABELLO DE CASTRO, 2001; OLIVEIRA, 2004; SANTOS et al. 2012; 2014); participação (CARNEIRO et al., 2011; KLEIN JÚNIOR. et al., 2012; LIMA, 2014); eficiência (SILVA, et al., 2012); autogestão (KLECHEN; BARRETO; PAES DE PAULA, 2011); movimentos sociais (LEVY; LATENDRESSE; MARSAN, 2013).

De diferentes formas e com diferentes focos e objetivos, estes trabalhos se debruçaram sobre as políticas habitacionais brasileiras, evidenciando contornos, avanços, limites, dilemas, possibilidades e desafios.

No caso específico do Programa Minha Casa, Minha Vida – principal instrumento da política habitacional contemporânea – as diversas críticas feitas estão relacionadas principalmente à: insuficiência no atendimento à demanda prioritária – famílias com renda de 1 a 3 salários mínimos – (ARANTES; FIX, 2009; MARQUES; RODRIGUES, 2013), à segregação socioespacial provocada pela localização dos empreendimentos (CARDOSO; LAGO; MARQUES; RODRIGUES; SOARES et al., 2013; SANTOS et al.; MOURA, 2014) e à forma de relação com o mercado (BONDUKI, 2009; DENALDI, 2012; MARICATO, 2009).

Cardoso e Lago (2013) discutiram os efeitos territoriais do Programa, destacando as suas principais lacunas e deficiências.

Os estudos conduzidos por Soares et al. (2013) e Moura (2014), respectivamente em Uberaba-MG e Natal-RN, demonstram como o comportamento do mercado imobiliário, atrelado a interesses do poder público municipal, orienta a localização dos empreendimentos do PMCMV e interfere na articulação entre as políticas urbana e habitacional. Pela análise da localização e da inserção urbana dos empreendimentos, observa-se a carência de serviços e infraestrutura, determinante da segregação da população residente.

De acordo com Santos et al. (2014), o PMCMV atende precariamente a população situada nas menores faixas de renda, de maneira que o acesso à moradia é limitado pelo não atendimento à demanda prioritária, pela dificuldade dos contemplados em arcar com os custos da moradia, pela localização periférica dos empreendimentos, o que impõe dificuldades de acesso à infraestrutura e serviços básicos e a oportunidades de trabalho e renda.

Amore, Shimbo e Rufino (2015) discutem as implicações da produção habitacional do Minha Casa, Minha Vida na reconfiguração territorial e na produção de um padrão urbanístico marcado pela homogeneização da habitação e pelas precariedades de integração com a cidade. Com base nisso, apontam os efeitos da localização dos empreendimentos na dinâmica das regiões metropolitanas e dos municípios em que se localizam, bem como no recorte urbano em que se localizam – região ou bairro.

Os mesmos autores identificam pelo menos quatro eixos de análise a partir dos quais o Programa Minha Casa, Minha Vida tem sido apreciado. Inclui-se aqui a arquitetura do programa (com a discussão sobre os papéis dos diferentes agentes do programa e a forma como se relacionam); a relação entre a demanda habitacional e a oferta do programa (origem e perfil dos beneficiários); o desenho, projeto e produção dos empreendimentos e unidades habitacionais (tipologia habitacional, padrão construtivo, adequação ao contexto e ao perfil das famílias, etc.); inserção urbana e segregação socioespacial (localização dos empreendimentos em relação aos centros urbanos, condições de acesso à cidade e periferização).

Esse panorama evidencia uma série de aspectos que podem ser tomados como característicos dos empreendimentos criados a partir das intervenções do Minha

Casa, Minha Vida. É notável o impacto desta política habitacional na criação de novos territórios, com efeitos significativos para a reconfiguração da cidade e da dinâmica urbana. Isso permite afirmar que o PMCMV tem sido responsável pela produção de novas urbanidades, com particularidades que merecem atenção.

A consideração dos territórios intraurbanos de habitação social como novas urbanidades é baseada na reflexão de Neves (1994, p.273) de que as novas territorialidades estão em constante processo de construção e os novos territórios são cotidianamente formados “sobre os escombros das desterritorialidade, da luta de classes ou das novas fontes especializadas de produção de mercadorias”.

Em que pese a importância do reconhecimento dos diversos problemas e dos sucessivos erros no decurso da política, não se pode desconsiderar também os contingentes de população que, deslocados dos seus locais de origem e/ou moradia, hoje habitam os territórios do Minha Casa, Minha Vida, e que também demandam um olhar atento, da academia, dos fazedores de política e da sociedade como um todo. Coloca-se então a necessidade de que se invista na busca de alternativas e na construção de estratégias que sejam catalisadoras de efeitos positivos das políticas habitacionais nestas novas urbanidades.