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3. As aglomerações no Entorno do Corredor

3.7 Arranjos Produtivos Locais e Políticas Públicas

A pergunta inicial é por que a discussão sobre APLs e clusters tem vindo à tona ultimamente? Como sugerem Suzigan et al (2005), pode-se responder a essa pergunta pela evolução da economia de mercado. De acordo com os autores, os padrões de aglomeração foram se alterando com o desenvolvimento do capitalismo. No início, em que as unidades produtivas tinham um caráter de oficinas, predominava os distritos industriais do tipo

marshalliano. Com o advento da produção em massa, as aglomerações predominantes

geravam pólos de crescimento do tipo de Perroux (1955). Com o advento da maior integração internacional, chamada de globalização, o fracionamento da cadeia produtiva por diversos países e os padrões modulares e flexíveis de produção trazem à tona as aglomerações do tipo distritos industriais e daí estar em voga a discussão sobre APLs.

A análise preliminar de dados mostra que existem algumas aglomerações que potencialmente são parte de clusters industriais. No entanto, é necessário avançar na identificação, caracterização e avaliação das mesmas. A questão fundamental que emerge da análise, tendo em vista o objetivo deste estudo, diz respeito à capacidade do novo corredor de exportação induzir a expansão dessas aglomerações industriais. É muito difícil

a priori e apenas com esta análise descritiva responder essa pergunta. Todavia, cabe

comentar que o maior acesso ao mercado internacional tem efeitos ambíguos: ao mesmo tempo em que permite a expansão de atividades voltadas à exportação e à logística, pode também facilitar as importações de certos produtos e insumos, resultando no encolhimento de determinados segmentos produtivos. A partir dos dados de comércio exterior foi possível concluir que atualmente os grandes exportadores regionais são os setores marcados pela presença de grandes empresas. Se isso significa alguma restrição ou baixa diversificação no presente momento, implica que há potencial no futuro para se expandirem as exportações das empresas de menor porte, dentro da lógica de clusters exportadores.

A importância econômica dos clusters associa-se aos aumentos de competitividade que as duas formas de interdependência podem gerar para as firmas. Os ganhos de competitividade podem ocorrer por meio da redução de custos, pela diferenciação qualitativa ou pela capacidade das firmas em responderem de forma ágil às mudanças nas exigências dos mercados.

Na formação dos ganhos de competitividade, destaca-se o papel das inovações. Essas podem ser desencadeadas tanto pela existência de economias externas, como por força de ações cooperadas. O que se percebe é que o dinamismo econômico de um cluster está diretamente vinculado à presença de um fluxo contínuo de inovações incrementais, pois essas contribuem para os três fatores responsáveis pela maior competitividade. Outro aspecto que se relaciona com o aumento de competitividade e confere singularidade aos

Inferências mais complexas a partir deste estudo preliminar precisam ser evitadas, uma vez que seu caráter é exploratório, ou seja, ele apenas fornece um panorama da situação atual. No entanto, cabem algumas considerações, de caráter mais especulativo, sobre as políticas públicas adequadas.

De acordo com Igliori (2001), a sobrevivência e a expansão dos clusters estão na capacidade de inovar e de estabelecer relacionamentos cooperativos. São justamente esses alguns dos pontos cruciais que limitam o desenvolvimento dos clusters nos países em desenvolvimento. Para a América Latina, Altemburg e Meier-Stamer (1999) afirmam que são encontradas três deficiências principais:

ƒ Grande heterogeneidade no nível de desenvolvimento das firmas e baixa competitividade das pequenas e médias empresas.

ƒ Falta de capacidade de inovação.

ƒ Baixo grau de especialização e cooperação entre as firmas.

Já Amorim apud Igliori (2001), em estudo realizado para o Nordeste brasileiro, diagnosticou que as pequenas e médias empresas apresentam as seguintes dificuldades: ƒ Insumos e componentes (inexistência de fornecedores, dificuldades de importação). ƒ Crédito (restrições dos bancos comerciais).

ƒ Tecnologias adequadas

ƒ Mercados (distribuição, divulgação).

ƒ Órgãos públicos (pequeno poder de barganha).

Conforme estudo de Suzigan et al (2005), tendo por base o estado de São Paulo, os cinco maiores problemas do ponto de vista sistêmico são:

ƒ Infra-estrutura (incluindo aí a própria infra-estrutura urbana, o uso e a ocupação do solo);

ƒ Desenvolvimento insuficiente das instituições locais (no sentido político e cultural), principalmente aquelas que se relacionam à tecnologia e aos seus serviços e na provisão de profissionais com nível universitário nas áreas de interesse tecnológico; ƒ Ausência de organização coletiva que lide tanto com as crises como com as novas

tendências de mercado;

ƒ Estruturas de governança entre as firmas locais; e

ƒ Tratamento de poluição e resíduos gerados no processo produtivo (o que se agrava na presença de elevado número de empresas informais).

Ainda no mesmo estudo de Suzigan et al (2005), ao nível da empresas detectaram-se como os cinco maiores problemas:

ƒ Gargalos tecnológicos e layout da planta produtiva (principalmente nas pequenas firmas);

ƒ Baixa qualificação e poucos conhecimentos administrativos dos empreendedores; ƒ “Armadilha” de preço baixo de produto, escala elevada e baixa qualidade.

ƒ Baixo nível de cooperação entre as firmas;

ƒ Deficiência geral em ativos estratégicos, como estrutura de P&D, desenvolvimento de produtos, design, patentes e marcas.

A importância do diagnóstico acima citado é justamente apontar fragilidades que possam existir nos APLs existentes ou aqueles de caráter ainda embrionário que sobressaíram na análise dos indicadores realizada na seção anterior. Em particular, para a nossa preocupação, estamos preocupados em entender em que medida o sistema de transportes pode (e se deve) colaborar com os clusters encontrados nessas três regiões. A preocupação deve ser, portanto, estabelecer as reais fragilidades dos clusters e discutir a pertinência ou não de uma determinada política pública direcionada para o setor.

Este item se inicia primeiramente com uma questão de fundo: qual a diferença entre meras aglomerações produtivas e um APL? As aglomerações são decorrentes de economias externas que favorecem a concentração produtiva numa dada localidade, já o cluster pressupõe, além da aglomeração, o relacionamento cooperativo e a interdependência dos agentes locais. Uma diferença essencial, envolvendo as economias externas e os relacionamentos cooperativos, encontra-se na intenção dos agentes para que a interdependência ocorra. As economias externas ocorrem como um resultado ‘automático’ da concentração, em suas duas dimensões. Já os relacionamentos cooperativos, como o próprio nome indica, resultam de ações deliberadas dos participantes de um cluster” (Igliori, 2001).

Sendo assim, a análise de dados realizada da Parte 3 indica aglomerações e eventuais

clusters potenciais, não mais do que isto, pois as relações cooperativas e de

interdependência não são mensuradas simplesmente por meio dados secundários. De acordo com Suzigan et al (2005) a discussão sobre política pública e suas implicações para os clusters não tem sido realizada de modo sistemático, principalmente quando se trata de países em desenvolvimento. Motivos para isso estão na própria abordagem teórica utilizada como base de análise. De acordo com cada tipo de teoria, ou seja, com cada “visão de funcionamento” dos clusters há espaço ou não para discussão de políticas, mais genéricas para uns ou mais específicas para outros. O espírito da discussão sobre o papel do governo e o desenvolvimento dos APLs parte de um princípio importante: não é possível simplesmente imaginar que o governo possa criar o APL e induzir sua expansão.

A conjugação de economias externas, mobilidade de fatores e o desenvolvimento de relações de interdependência não permitem que o APL possa existir ou crescer como decorrência única e exclusiva de vontades políticas. Na verdade, a situação é mais complexa, devendo-se pensar intervenções que promovam a expansão das potencialidades, ou que desobstruam o caminho para que as forças econômicas e associativas possam estabelecer os elos necessários do desenvolvimento do cluster. Por esse motivo Suzigan et

al (2005) realizam um grande esforço para definir tipologias de APLs, de acordo com seu

estágio de desenvolvimento econômico, maturidade, capacidade de inovar etc. para que se possam indicar tipos de políticas públicas adequados para cada caso.

As concepções de APL que tiverem por base análises de caso como os distritos industriais

italianos são de pouca utilidade para recomendações de política, pois as especificidades

são muitas e pouco generalizáveis (Suzigan et al, 2005). De fato, como discutido anteriormente, o padrão da Tereceira Itália parece ser mais a exceção do que a regra. No que se refere às indústrias baseadas em conhecimento, como a de software e de alta tecnologia, cujas bases teóricas encontram-se no trabalho de Brian Arthur sobre retornos crescentes, as recomendações de política indicam a necessidade de reforçar a aglomeração

geográfica, o compartilhamento de recursos, o estabelecimento de joint-ventures e a ação conjunta nos mercados internacionais (Suzigan et al, 2005).

Na vertente teórica das forças centrípetas e centrífugas dos economistas na chamada “Nova Geografia Econômica”, em que a estrutura teórica dos modelos está baseada nos encadeamentos, na existência de custos de transporte, nos retornos crescentes de escala e na imobilidade de determinados fatores, as sugestões de política são muito genéricas, dadas as limitações impostas pela própria construção teórica. Dessa forma, o papel do governo é muito mais relacionado às falhas regionais que impedem as economias potenciais de aglomeração ocorrerem, provisão de infra-estrutura e tributação compatíveis, que não gerem capacidade ociosa etc. (Suzigan et al, 2005).

No caso da análise à la Michael Porter, baseada no “diamante” das vantagens competitivas (competição entre empresas, fornecedores especializados e de classe mundial, demanda exigente por bens finais e infra-estrutura local), a atuação do Estado é extremamente genérica, cabendo-lhe a promoção de educação, infra-estrutura física adequada e a promoção de interação entre os agentes locais. A questão toda, apontam Suzigan et al (2005), é que os efeitos são dinâmicos e, portanto, indicar políticas locais partindo-se de modelos estáticos sempre apresenta limitações.

Scott (1998) apud Suzigan et al (2005) aponta que as políticas regionais devem, em geral, buscar o fornecimento de infra-estrutura institucional (que está fora da esfera do mercado), além das questões de urbanização (infra-estrutura física, planejamento e regulação do uso do solo, poluição etc.). A infra-estrutura institucional é aquela que permitirá a expansão das ações coletivas e estas aumentariam as habilidades de mercado das empresas.

Sob a ótica da eficiência coletiva, já citada neste trabalho, Suzigan et al (2005) reforçam a orientação de Schmitz & Nadvi que orienta as intervenções de políticas públicas com base no “Triplo-C”, isto é, voltadas para o consumidor final, de caráter coletivo (que não beneficiem apenas algumas empresas) e que respeitem e se coadunem com o processo cumulativo (sem rompimentos e choques). Nesse sentido, alterações no sistema de transportes são geralmente voltadas para o consumidor final e de caráter coletivo. Por outro lado, grandes obras muitas vezes geram um rompimento para a região.

Suzigan et all (2005) propõem três tipos de clusters e três tipos de política pública associada. O primeiro deles é composto por pequenas e médias empresas que sobrevivem. Para esses, cuja importância maior do ponto de vista político é a preservação do emprego, o poder público deveria estimular a cooperação local, a formação de redes de relacionamento e o empreendedorismo. O segundo tipo de cluster é composto por empresas fabricantes de produtos diferenciados e em larga escala (produção em massa), cujas políticas necessárias deveriam guiar-se para atualização técnica e para a inovação. O terceiro tipo de cluster é composto por empresas multinacionais e por seus fornecedores. Neste caso, embora pareça menos necessário a política pública, há espaço para intervenções no sentido de redução das barreiras à exportação, barreiras temporárias de importação, auxílio na aquisição de know-how e estímulo para certificação de qualidade, além da mediação de conflitos entre as empresas locais e as instituições.

Sob a abordagem das estruturas de governança e das cadeias globais, a questão que se coloca é como promover estratégias locais de atualização se o cluster faz parte de uma

cadeia global de valor. As estratégias de atualização compreendem as esferas da produção, marketing e desenvolvimento – como design e marcas próprias. As intervenções do poder público deveriam, portanto, direcionar-se para criação de institutos locais de tecnologia que promovam atualizam na produção, criação de consórcios de exportação que consolidem e promovam a marca local etc. (Suzigan et al 2005).

No que se refere ao enfoque na geografia da inovação, Suzigan et al (2005) enfatizam a diferença entre informação e conhecimento, isto porque, embora na atual conjuntura mundial a informação seja facilmente acessível, a transmissão de novo conhecimento somente é viável em aglomerações (pela proximidade geográfica). O conhecimento inovativo, por ser complexo e tácito, tem sua transmissão por meio de contatos interpessoais, interações, mobilidade do trabalho entre as firmas etc. As recomendações de política para fins de viabilizar a produção e a disseminação de conhecimento, neste caso, deveriam estimular P&D local, capital de risco e criação de novas empresas.

Uma melhoria no sistema de transportes via de regra beneficia o cluster. Se um determinado setor está concentrado em uma região, isso significa que as vantagens de aglomeração superam os custos de transporte. Caso contrário o setor estaria mais distribuído no espaço. Assim, espera-se que o custo de transporte de um setor clusterizado seja maior do que dos setores dispersos. Logo, os setores clusterizados (independente do tipo) devem ter um benefício relativamente maior do que os demais em uma melhoria no sistema de transportes da região. No caso do corredor, possíveis clusters exportadores serão provavelmente os mais beneficiados. Portanto, o corredor de exportações provavelmente deve aumentar a concentração de determinados setores já aglomerados nas regiões por onde ele passa.

Dentro desse quadro a questão que se coloca é: esse aumento de concentração é benéfico ou não? Se há ganhos de aglomeração, ou seja, se um aumento de concentração gera um aumento de produtividade provavelmente estaremos interessados em incentivar o cluster. O problema que se coloca, nessa situação, é que a política age no sentido de aumentar as disparidades regionais. É necessário pensar em formas de atenuar essa situação. Por outro lado, para os casos em que não se verificam mais ganhos de aglomeração em geral a política não deve incentivar o aumento da concentração setorial.

Na realidade, como discutido acima, a política pública direcionada para o incentivo de um cluster vai muito além da política de transportes ainda que essa tenha um papel crucial. O incentivo à cooperação, mudanças institucionais no que se refere às exportações, o apoio às pequenas e médias empresas, o treinamento da mão-de-obra entre outros são alguns dos exemplos de política desvinculada do sistema de transportes. Assim, o ideal seria coordenar a politica das diversas secretarias para obter uma combinação que potencialize os clusters que se pretende incentivar.

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