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Nos arredores de Manzikert – da derrota em Khliat às escaramuças nas vésperas da batalha final

4000 ghulam51! A passagem do Eufrates, a 27 de abril de 1071, terá saído cara ao sultão, que perdeu muitos dos seus animais e da sua bagagem quando a hoste turca, supostamente, cruzou o grande rio bíblico “a cavalo e sem barcos” (Nicolle 2013 47); pouco depois, levou o seu exército através das montanhas do Curdistão, em direção ao Azerbaijão, aonde chegou por volta do mês de junho, após uma custosa travessia das montanhas a sudeste do lago Van, na Arménia (Nicolle 2013 48).

Será nas planícies verdes do Azerbaijão, junto à cidade de Khoy, que Alp Arslan se declarará ghazi, de forma a demonstrar aos seus súbditos que lutará em nome de Alá contra os infiéis, e não me-ramente como sultão dos Turcos. Foi aqui que os 10 000 homens (incluindo alguns voluntários curdos) que ele reunira durante a via-gem aumentaram para 30 000, incluindo 15 000 ghulams. Confiante, abandona então o Azerbaijão, em direção ao norte, pronto para enfrentar Romano IV Diógenes. Os dados estavam lançados!

6. Nos arredores de Manzikert – da derrota em Khliat

já os Bizantinos reuniam contingentes de peonagem, de infantaria pesada, de cavalaria ligeira e de cavalaria pesada.

Conhecemos melhor o trajeto de Romano IV e da sua hoste, que abandonaram Teodosiopólis e se dirigiram para nascente. Pouco depois de terem feito a travessia do rio Araxes, o coimperador terá ordenado a um conjunto de soldados petchénègues que se dirigissem a Khliat, considerado o mais difícil dos dois objetivos, tendo enviado os Francos (sob Roussel de Bailleul) logo atrás deste pequeno contingente, enquanto o basileús mantinha o grosso das restantes forças junto a ele, direcionadas para Manzikert (Haldon 2011 118). O exército bizantino movia-se muito lentamente, não só pelo peso do seu trem de apoio e das máquinas de cerco que transportava, mas também devido ao difícil terreno arménio.

Em meados de agosto, o recorrentemente mal informado coim-perador divide o seu exército em dois, para acelerar a realização dos seus objetivos iniciais, tendo entregado metade da hoste ao comandante José Tarcaniotes, que terá recebido ordens para se dirigir com os seus contingentes para sul, de forma a auxiliar Roussel no seu empreendimento. Tarcaniotes terá então levado consigo algumas das melhores tropas do basileús, como alguns varangianos e alguns dos arménios mais experientes, que tinham servido sob o doúx de Teodosiopólis (Haldon 2001 118); de acordo com Nicolle, entre estas forças que se separaram do principal exér-cito imperial contar-se-ia também uma grande parte dos arqueiros bizantinos (Nicolle 2013 71). O comandante terá então infletido para sul, utilizando a estrada que saía de Manzikert por sudoeste e que ligava a Khliat, a poente do lago Van.

A proximidade desta estrada relativamente a Manzikert terá permitido à guarnição local enviar um mensageiro a Khliat e ao sultão seljúcida, que terá dado instruções a um dos seus oficiais, Sanduq al-Turki, para levar consigo cerca de 10 000 cavaleiros, de modo a reforçar Khliat, que, por si só, já possuiria uma boa

guarnição. Enquanto isso, Alp Arslan terá continuado a seguir a estrada que percorre a margem norte do lago Van, num trajeto muito menos difícil e mais curto do que o que faria se utilizasse a estrada que percorre a margem sul52, tendo depois infletido para norte e contornado o sopé oriental do Süphan Dağı53, na direção de Manzikert54 (Nicolle 2013 54-56).

Quando as forças de Sanduq atacaram as de Roussel e Tarcaniotes, estas estavam dispersas no terreno circundante da fortaleza a ar-mazenar forragem e víveres, a fim de se prepararem para o cerco.

Ao serem confrontados pelas forças de Sanduq e da guarnição de Khliat, a nascente, o general bizantino e o líder mercenário franco terão então sido obrigados a retirar-se para norte, onde se depa-raram com as tropas de Alp Arslan – isto se tivermos em conta o itinerário hipotético de Nicolle e o facto de o sultão aparecer em Manzikert, dias depois, exatamente pela estrada que ligava a cidade a Khliat, pelo sul (Haldon 2003 120). Encurralados por forças adversárias bastante expressivas a norte e a leste, podemos eventualmente considerar que Tarcaniotes, Roussel e as suas forças terão, então, sido forçados a marchar para sul, na direção de Muş (atual Turquia); terá sido aqui que os dois comandantes bizantinos infletiram para ocidente, retrocedendo em direção a Melitena e

52 Por outro lado, e como veremos mais adiante, se o sultão e as suas forças tivessem usado este itinerário, teriam empurrado as forças bizantinas de Tarca-niotes para norte, e não para sudoeste.

53 Um pico vulcânico, com cerca de 4434 metros de altura, que faz parte de uma cordilheira de montes que liga o lago Van a Manzikert.

54 O autor, no entanto, refere que este itinerário é hipotético e que tem em conta as movimentações posteriores da hoste bizantina responsável pela preparação do cerco de Khliat (Nicolle 2013 56).

abandonando Romano IV e a campanha55, sem sequer avisarem o basileús da forte presença turca a sul da sua posição56!

Relatada a derrota (ou simples fuga) ocorrida em Khliat, vire-mos novamente o nosso olhar para norte, para a principal hoste bizantina, liderada pelo coimperador. Exatamente no mesmo dia em que ocorreram os nefastos eventos mais a sul, a 23 de agosto de 1071, a guarnição de Manzikert rende-se ao basileús, prova-velmente com muito pouca ou nenhuma resistência (Haldon 2001 120). Aproveitando-se das boas condições topográficas a leste da cidade, que bloqueavam qualquer aproximação adversária a sul ou a nascente, o coimperador terá aí construído um bom acampa-mento fortificado, que reforçava ainda mais o local elevado onde se encontrava: um fosso que o protegia de surtidas, um pequeno riacho que o protegia a norte, entre outras defesas (Nicolle 2013 57).

Foi no dia a seguir que, em bom dizer, as coisas começaram a com-plicar-se. Na manhã do dia 24, o coimperador é avisado de que vários contingentes responsáveis por recolher mantimentos e forragens destacados para sul foram emboscados pelos Turcos. Continuamente mal informado, Romano IV não se apercebe de que eram as forças do sultão turco – que ele ainda contava que estivesse no Iraque – e envia contra estes o comandante da ala esquerda, Nicéforo Briénio.

Uma vez mais, um descuido do coimperador vai sair muito caro, pois,

55 As opiniões dos historiadores, no entanto, vão divergir. Enquanto Haldon e Markham não referem datas para a retirada para Melitena, embora nos levem a crer que terá sido quase imediata (Haldon 2001 120; e P. Markham, http://deremilitari.

org/2013/09/the-battle-of-manzikert-military-disaster-or-political-failure/), Nicolle entende que eles só terão abandonado a região quando tomaram conhecimento da derrota em Manzikert (Nicolle 2013 56).

56 Uma vez mais, Nicolle ergue-se em defesa de Tarcaniotes e de Roussel, afirman-do que, mesmo que tivessem enviaafirman-do mensageiros a Romano IV, seria impossível eles terem atravessado em segurança os montes circundantes, agora ocupados por cavaleiro turcos (Nicolle 2013 56). Haldon, pelo seu lado, argumenta que teria sido possível que alguns cavaleiros ligeiros conseguissem passar (Haldon 2001 120).

ao não mandar batedores para averiguar o número de efetivos dos Turcos, lança um dos seus melhores comandantes numa emboscada de grandes proporções! Vendo mais forças em apuros, Romano IV ordena a Nicéforo Basiliakes, o doúx de Teodosiopólis, que vá salvar o seu camarada, juntamente com um grande número de cavaleiros.

Desta feita, será a ignorância do comandante arménio relativamente aos bons princípios táticos bizantinos que vai fazer com que ele e as suas forças caiam no perigoso jogo das fustigações e das fugas simuladas turcas e sejam por sua vez cercadas e aniquiladas, com o próprio Nicéforo a ser capturado (Haldon 2013 120)!

Briénio, que, entretanto, conseguira escapar e reagrupar, pôde ainda salvar os sobreviventes arménios da emboscada a Basiliakes, e foi só aí que um deles o informou de que enfrentavam não um grupo de turcomanos ou, como o doúx pensava, de membros da guarnição de Khliat (Nicolle 2013 59), mas sim a hoste do próprio Alp Arslan! Vendo agora o grosso das forças turcas a avançar na sua direção, Briénio, impondo uma disciplina digna de Nicéforo II Focas, manda as suas tropas retirar-se ordenadamente, lançar contra-ata-ques em marcha quando necessário e consegue até, a certa altura, obrigar os Turcos a uma verdadeira fuga. Como recompensa por este belo desempenho, as forças da ala esquerda bizantina chegam sãs e salvas ao acampamento, e o comandante, com duas feridas de flecha nas costas e uma de lança no peito, mesmo assim fará questão de combater no dia da batalha decisiva (Haldon 2001 121).

Romano IV ainda tenta impor batalha ao sultão nesse mesmo dia, mas Alp Arslan vai fustigar as tropas bizantinas quase até ao anoitecer, quando as forças romanas estavam prestes a entrar em terreno bastante acidentado, onde seria possível manterem a forma-ção; frustrado, o coimperador vê-se obrigado a mandar o exército dar meia-volta, para regressar ao acampamento. Durante a noite, um grupo de mercenários oguzes foi emboscado enquanto negociava com mercadores locais e foi obrigado a recuar para o acampamento,

onde, por causa da escuridão, era impossível distinguir se aqueles homens eram os turcos aliados ou não. Por algum tempo, temeu-se um ataque em grande escala, mas os Seljúcidas limitaram-se a lançar pequenas ofensivas a coberto da noite (Haldon 2001 121).

O dia 25 de agosto foi marcado por três acontecimentos.

O primeiro, logo ao início do dia, foi uma escaramuça do outro lado do pequeno rio a norte do acampamento, quando um pequeno contingente seljúcida tentou ocupar essa margem, escaramuça essa que terminou com a vitória da infantaria bizantina, que conseguiu repelir o adversário. O exército bizantino sofreu, no entanto, um duro golpe quando, pouco depois deste confronto, um grande número de oguzes desertou para Alp Arslan, tendo-se apenas mantido alguns do lado do basileús por iniciativa do próprio Attaleiates, que os terá obrigado a proferir votos de fidelidade a Bizâncio (Nicolle 2013 64).

Por fim, uma embaixada enviada pelo califa de Bagdade para negociar a paz com o coimperador foi recebida de forma arrogan-te: o embaixador foi obrigado a fazer a proskýnesis57; Romano IV impôs condições inaceitáveis aos Turcos; e rematou as negociações dizendo que a paz só seria discutida quando os Bizantinos che-gassem a Ray, no Irão (Nicolle 2013 69); falhadas as negociações, a embaixada abandonou o acampamento. Poucas horas depois, chegou a vez de o exército bizantino seguir as pisadas destes homens, para começar a formar em campo aberto. Estava-se no dia 26 de agosto de 1071 e ia ter início a batalha de Manzikert.