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Capítulo 3 – Periferia no Centro

3.1 Ação Educativa: história e características

3.1.2 Arte na Casa: oficinas culturais

Atualmente, o maior projeto da instituição conta com vinte e cinco educadores que oferecem trabalhos de arte-educação dentro das unidades de internação e internação provisória femininas e masculinas da Fundação Casa. O convênio com o Estado de São Paulo começou em 2008 e atende 1.216 adolescentes com primeiras e múltiplas passagens pela instituição, com atos infracionais leves até gravíssimos (Ação Educativa, 2012).

Para seu coordenador, um dos maiores desafios do projeto está na correlação entre arte- educação e medida socioeducativa. Diferente de outros projetos de arte-educação, trabalhar com adolescentes que cumprem medidas socioeducativas atenta para que os adolescentes estão confinados e não retornam a suas casas no final de cada oficina, portanto devem seguir regras determinadas pela estrutura de internação. Isso traz algumas consequências para o processo de aprendizado. O projeto é realizado no seguinte contexto: alta rotatividade dos adolescentes nas oficinas; tumultos e rebeliões; pouca compreensão da estrutura institucional sobre as atividades de arte-educação; dificuldade dos professores em organizar planos de aulas, desenvolver conteúdos e técnicas artísticas e impossibilidade dos adolescentes produzirem livremente.

Com base nessa realidade, o projeto tem por objetivo:

Proporcionar o exercício da experimentação das linguagens artísticas, por meio de oficinas culturais e atividades complementares, de maneira que estas façam parte significativa na construção humana e social dos adolescentes atendidos pela Fundação CASA, produzindo subjetividades individuais e coletivas num movimento de (re)descoberta de identidade e pertencimento social, tendo em vista a inclusão do interno a sua comunidade. Portanto, a relação ambiente externo e ambiente interno é a premissa para se promover um trabalho de

arte e cultura nas unidades de internação e requer uma ação pedagógica que estimule o potencial artístico dos adolescentes (Medeiros, 2012).

Segundo informações contidas no livro Arte na Medida, as linguagens artísticas oferecidas são: literatura, fanzine, rap, escultura, graffiti, desenho e pintura, cinema e vídeo, dança de rua, capoeira, teatro. Mesmo sendo um convênio de oficinas culturais dentro das unidades da Fundação Casa, um dos pontos centrais do projeto é a conexão do adolescente com a arte produzida na região em que ele mora. Muitas atividades são organizadas fora da unidade de internação, criando uma relação do adolescente interno, com o arte-educador e a cultura de periferia. As oficinas dadas procuram oferecer linguagens artísticas que sejam parte do cotidiano do adolescente e também promovam, de alguma forma, uma relação com seu bairro ou periferia de onde vem.

Com base no referencial teórico, pode-se dizer que o projeto Arte na Casa tem trabalhado pela garantia do direito à cultura a partir da experimentação e criação artística dos educandos e da possibilidade de estabelecerem vínculos com as belas artes e com artistas periféricos, possibilitando o conhecimento de diversas manifestações artísticas.

Outra característica do projeto é que ele trabalha com a perspectiva da arte-educação em consonância com o perfil das OSCs apontadas por Carvalho (2008), nas quais são oferecidas oficinas de artes para adolescentes em conflito com a lei e por meio das quais se pretende um desenvolvimento integral – afetivo, cognitivo, intelectual e espiritual –, oferecendo também a possibilidade de profissionalização em uma das linguagens aprendidas. O diferencial está na inclusão de oficinas que englobam a cultura de periferia e as Belas Artes. No livro sobre as aulas e método pedagógico, “Arte na Medida” (2012), pode-se observar que as oficinas são dadas conforme essa relação. As aulas de literatura, por exemplo, trabalham as formas literárias, soneto, conto, poesia e estendem-se até as canções de rap.

No levantamento bibliográfico sobre os estudos a respeito de juventude e cultura, há muita referência à importância da criação artística para a verdadeira garantia do direito à cultura. É muito comum que, ao se pensar em direito à cultura, seja tomada a perspectiva da necessidade do acesso, para a população, aos bens culturais. O acesso à cultura é um dos alicerces dos direitos culturais, mas não pode ser o único. No que tange à população jovem e, no caso do Arte na Casa, adolescente, a perspectiva da criação torna-se primordial. Retomando a fala de uma das

entrevistadas para essa pesquisa, “a cultura para os jovens é importante para a autonomia e construção de identidade de cada um” (L.G., 2012), e será a partir da experimentação e da criação artística que o jovem se exprimirá em relação à sua identidade e conhecimento de mundo.

O projeto tem a especificidade de trabalhar com adolescentes que cumprem medidas socioeducativas e isso traz uma realidade distinta, devido ao convívio constante com a violência. Organizações civis têm acompanhado e monitorado as ações dentro das unidades da Fundação Casa e demonstram que ainda há indícios de violência cometida contra a integridade dos adolescentes. Os relatórios de fiscalização das unidades da Fundação Casa são produzidos pela sociedade civil e não são divulgados para resguardar a vida das pessoas envolvidas. De acordo com nota pública publicada no site do Conectas, em janeiro de 2010, “As organizações recebem diversas denúncias de violações de direitos humanos no sistema socioeducativo de internação” e programam visitas de monitoramento nas unidades com maior número de denúncias. A partir daí, os relatórios são enviados às autoridades públicas competentes e a rede de organizações acompanha os casos.

Os relatórios são produto das ações da Mobilização Nacional pelo Direito de Defesa ocorrida em outubro de 2009. Nessa oportunidade foram retomadas as visitas de monitoramento da sociedade civil nas unidades de privação de liberdade de jovens e adolescentes no Estado de São Paulo, após decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que derrubou Portaria Normativa n 90/05 da então FEBEM, que proibia a fiscalização das medidas de internação pela sociedade civil, que eram realizadas pelas organizações desde 2003 (Conectas, 2010).

Considerando que os relatórios passaram a ser feitos a partir da mobilização da sociedade, ocorrida em 2009, o controle social dentro das unidades existe somente há 3 anos, o que configura muito pouco tempo para ação política mais consistente. Com base nessa realidade, pode-se supor as dificuldades vividas pelos arte-educadores dentro desse contexto de violação de direitos.