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Introdução

N o Capítulo 3 discutiu-se a situação da Educação Tecnológica no Brasil e observou-se que está começando a surgir um distanciamento entre o perfil do profissional formado pelas universidades e o perfil desejado pelas corporações que realmente valorizam este profissional.

Na área específica dos profissionais de Informática este distanciamento parece ser ainda mais crítico uma vez há literalmente uma profusão de cursos sendo criados em todos os níveis de ensino. Para atuar no mercado de trabalho, o futuro profissional em absoluto necessita freqüentar um curso superior com duração de quatro ou cinco anos.

Todos os cursos da área tecnológica têm, como princípio fundamental, que o sucesso profissional está intrinsecamente vinculado aos conhecimentos científicos e tecnológicos que forem repassados aos estudantes durante seu período de formação dentro das universidades. Esta crença legitima, entre outras coisas, a forma como estão organizados os currículos. É necessário uma carga horária elevada pois a quantidade de teorias e métodos é muito grande. N ão há, na prática, tempo para que o estudante reflita sobre o significado e relevância daquilo que está aprendendo.

Tudo estaria muito bem se o próprio mercado de trabalho não começasse a exigir um profissional com outras competências além das competências diretamente derivadas do conhecim ento científico e tecnológico.

A título de exemplo, recentemente uma poderosa e conhecida empresa multinacional norte-americana firmou convênio com o Departamento de Informática e de Estatística da UFSC para a criação de um curso na área de telecomunicações. Este curso visa oferecer uma formação complementar para os estudantes de Bacharelado em Ciências da Computação onde serão ministradas disciplinas de conteúdo científico e tecnológico. No processo de seleção dos estudantes, para surpresa destes e de muitos professores, não foi avaliado nenhum tipo de

competência técnica específica de Computação. N o lugar, foi realizado uma dinâmica de grupo onde observou-se outras competências não técnicas. Tipicamente observou-se a capacidade do estudante trabalhar em equipe, criatividade, adaptabilidade a mudanças rápidas de situação, etc. Como resultado, alguns estudantes com excelente desempenho acadêmico não foram selecionados e outros, cujas notas eram inferiores, integraram a equipe dos cinqüenta escolhidos.

Assim, objetivamente, o modelo pedagógico tradicional e amplamente usado no ensino tecnológico está falhando por não oferecer condições aos professores e estudantes para que estes desenvolvam todas as competências necessárias. O modelo proposto no Capítulo 3 é um primeiro passo na tentativa de superar a crise que começa a se estabelecer.

A partir do modelo proposto, a transformação da realidade se materializa na prática com a instrumentalização adequada. E neste ponto que a Informática pode contribuir de maneira decisiva.

O presente capítulo conceitua e descreve os Artefatos Mediadores da Aprendizagem (AMA). Tais artefatos tem potencial para criar condições de mudança nas relações entre estudantes, professores e conhecimento científico e tecnológico conforme preconiza o modelo proposto no Capítulo 3.

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Conceituação

!' Para a Teoria da Atividade (TA) todo recurso educacional, como por exemplo livros, apostilas, quadros-negros, transparências, é considerado um artefato (ferramenta) que media a atividade de aprendizagem. Um AMA, nesse sentido, também é mais um recurso educacional. Contudo, suas características educacionais e tecnológicas (descritas nas seções 4.3 e 4.4) o tornam um recurso privilegiado porque incorpora maior potencial de mediação.

O tipo de AMA definido para o presente trabalho visa a apropriação, por parte dos estudantes, das competências não técnicas mencionadas na introdução deste capítulo. A sua correta conceituação pressupõe, no entanto, o entendimento sobre sua real necessidade. Afinal, por que as competências não técnicas precisariam ser aprendidas pelos estudantes? A resposta depende da explicação para a origem daquelas competências.

Na concepção inatista do homem, todas as suas características (físicas e psicológicas) estão definidas geneticamente e são resultado do conhecido mecanismo de seleção natural. Logo, do ponto de vista do indivíduo nada pode ser feito. Aqueles que são geneticamente predispostos para, por exemplo, trabalhar em grupo, ser criativos e liderar têm, naturalmente, as condições necessárias para enfrentar o mercado de trabalho. Os demais, no mínimo, estão em grande desvantagem e, provavelmente, ocuparão cargos de menor expressão.

Mesmo aqueles professores que eventualmente discordem da explicação inatista se vêem obrigados, na prática, a agirem como tais. O modelo pedagógico atual não oferece espaço para que o professor atue além da fronteira das competências técnicas.

A concepção comportamentalista do homem é oposta à inatista. O ambiente (físico e social) é o único responsável pelo comportamento humano. Em tese, as competências não técnicas poderiam ser adquiridas através de algum dispositivo mecânico (tipicamente um programa de computador que tivesse total controle sobre o estudante). Todos, sem exceção, podem ser treinados exatamente da mesma forma e obter o mesmo desempenho quando defrontados com situações que lhes exijam o uso das competências não técnicas.

Novamente a constatação prática do dia-a-dia em sala de aula mostra o quão reducionista e limitada é a visão comportamentalista. Diante dos mesmos estímulos produzidos pelo professor os estudantes respondem de modos muito diferentes.

A interpretação cognitivista segue, coerentemente com a sua definição apresentada na seção 2.2.2 (página 45), com as mesas deficiências do comportamentalismo.

Diferentemente das concepções anteriores, a psicologia histórico-cultural (na qual está fundamentada a TA), entende que todas as características psicológicas são derivadas do desenvolvimento histórico da espécie humana. Isso significa, na prática, que as competências não técnicas podem ser aprendidas por qualquer estudante desde que ele se envolva ativamente em alguma prática social que trabalhe tais questões.

Os AMA aparecem, neste trabalho, como artefatos inseridos numa prática social maior que é motivado exatamente pelo modelo pedagógico proposto no capítulo anterior. A prática social em questão corresponde precisamente na participação de cada estudante em uma comunidade onde cada membro aprende (competências técnicas e não técnicas) através de um conjunto de atividades de aprendizagem (descritas em detalhes na seção 4.3.2).

4. 3 Características Educacionais

Os AMA devem, por definição, incorporar as diretrizes pedagógicas definidas na seção 3.4 (página 63). A principal característica daqueles princípios é a sua total desvinculação com conteúdos específicos. Consequentemente, os AMA aplicam-se potencialmente a qualquer disciplina do curso de Computação32.

Toda inovação no processo educacional apresenta-se, normalmente, com um discurso que apregoa a facilitação do aprender. Isto é particularmente verdadeiro quando se trata de

32 Esta característica abre, também, a possibilidade dos AMA serem empregados em outros cursos tecnológicos além do Bacharelado em Ciências da Computação.

artefatos tecnológicos (tipicamente os vinculados à Informática). Há, aqui, certamente uma confusão conceituai.

Analisando-se a relação da humanidade com o conhecimento desde um ponto de vista histórico é possível perceber as relações de poder presentes em quem conhece. Sempre houve um conflito entre os que desejam manter o conhecimento restrito a um grupo fechado de pessoas (como, por exemplo, seitas, elites econômicas, etc.) e os que defendem o acesso democrático ao saber. Eventos importantes, como a invenção da imprensa de Gutenberg na metade do século XV, o ensino público e, mais recentemente, a Internet permitiram que o conhecimento fosse acessível a um grande número de pessoas. Assim, é inegável que, do ponto de vista do acesso ao conhecimento, hoje em dia está mais fácil conhecer. N o entanto, há um discurso implícito (e às vezes explícito) de que os recursos da Informática necessariamente tornaram fácil a tarefa de aprender conteúdos complexos. Vende-se, às vezes literalmente, a idéia de que o pensamento científico é fácil ou inerente ao ser humano isto é, que não exige nenhum esforço especial para ser construído.

Nas últimas décadas tem havido a substituição (ou declínio) das habilidades de leitura e escrita pela imagem [ECO 1996]. Na Informática este fenômeno aparece sob a forma de recursos multimídia, sendo que a animação por desenhos ou filme é a mais valorizada. Sob o império do ' : “uma imagem vale^ppr^mais de mil palavras”, acredita-se que a compreensão, em todas as suas dimensões e profundidade, ocorre quase que instantaneamente:—

^NcT~cÕntextõ~ãciíM^os_^ÃMA servem para “dificultar” a aprendizagem. Eles estão baseados no seguinte princípio: educar é colocar o estudante diante de uma situação em que só seja possível sair através do pensamento. O padrão de pensamento exigido pelas diretrizes pedagógicas definidos na seção 3.4 é certamente mais sofisticado que aquele exigido pelo modelo educacional tradicional, marcado pela linearidade, associações simples e memorização acrítica e desestruturada de fatos.

4.3.1 Aprender como Ato de Significação

Aprender como um ato de significação pode ser definido como uma forma de conhecer que é, em essência, o oposto de aprender como um ato de memorização. Se a memorização pode ser um ato mecânico restrito à registrar um conjunto de fatos a significação, por sua vez, é essencialmente um ato intencional.

Talvez um dos aspectos mais interessantes e, novamente oposto ao que ocorre com a memorização, típicos da significação é o seu caráter dinâmico. Isto quer dizer que o sentido

ser definido em termos algorítmicos.

O significado usado neste trabalho para “significação” é aquele que, segundo o dicionário de Semiótica [GREIMAS e COURTES 1989, p. 419], funciona como uma espécie de articulação do sentido, isto é, uma interpretação particularizada (individualizada) que o sujeito faz daquilo que lhe é dado a conhecer. A significação, enquanto processo, gera aquilo que Peirce denomina de interpretante.

Ao mesmo tempo, e concordando com os preceitos da psicologia popular (ou cultural) de Bruner [BRUNER 1997], a interpretação sempre será mediada pela cultura. Isto quer dizer, no

contexto educacional, que nunca um estudante irá compreender algo exatamente da maneira que os seus colegas ou professor o fazem. A negociação para um “consenso” sobre o significado deve ser feita por meio de um segundo discurso. Esta afirmação é exatamente oposta à clássica “repetirei a explicação mil vezes se for preciso até que todos compreendam exatamente o que quero dizer” proferida por professores munidos da melhor das intenções.

Baseando-se no princípio de que aprender é sinônimo de produzir significações, a função primordial dos AMA é registrar tais significações ao longo do tempo. Isto deve permitir que a história das significações possa ser usada como elemento de reflexão visando a sofisticação do pensamento.

4.3.2 Atividades de Aprendizagem

As atividades de aprendizagem realizadas através dos AMA têm como pressuposto o princípio de que a relação dos estudantes com o conhecimento é, via de regra, funcional. Isto quer dizer que as significações produzidas sempre iniciam tendo como motivação básica a utilidade prática do conhecimento.

Nos processos de aprendizagem habituais, a comunicação entre professor e estudante se dá através de um discurso, normalmente produzido e dirigido quase que exclusivamente pelo professor, altamente sofisticado e fortemente mediado por conceitos científicos complexos. Nunca há um discurso horizontal entre professor e estudante pois o professor possui sempre uma história, às vezes de anos, discursando sobre um determinado conteúdo. O estudante, por outro lado, geralmente se apresenta “sem história”, isto é, desconhece tanto o estilo de discurso do professor quanto o seu conteúdo específico.

Outro aspecto importante das atividades de aprendizagem é seu modo de discurso baseado na escrita. Embora o discurso no modo oral seja o principal nas interações interpessoais, Wells e Chang [WELLS e CH AN G 1997] julgam que ele seja inapropriado para lidar com informações acuradas. Para eles

“Com o um m eio p a r a m e d ia r a tividades intelectuais, a cara cterística crucial da escrita é que ela p ro p o rc io n a uma represen tação p erm a n en te do significado. Textos escritos p o d e m s e r lid o s e relidos, em silên cio ou em vo z alta, e - seja p e lo escrito r ou su bseqü en tes leitores — p o d em se r revisa d o s e interrogados criticam ente, com c a d a versão su ce ssiv a do texto pro ven d o as ba ses p a r a reflexões e reform ulações adicionais. ” [K U H N 1996]