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O positivismo inerente ao modelo pedagógico usado na Educação Tecnológica preconiza, na prática, uma estrita separação entre conhecimento teórico e prático. A suposta objetividade e neutralidade do conhecimento científico justifica a atitude de muitos professores que não contextualizam o conhecimento tratado ao longo das aulas. O estudante, por sua vez, acaba por perceber o conhecimento teórico como algo muito mais desligado de um todo (outras teorias e práticas) coerente do que gostaria o professor.

A título de exemplo da situação descrita no parágrafo anterior, uma queixa freqüentemente ouvida de alguns estudantes sobre o curso de Ciências da Computação da UFSC é que ele é percebido como sendo um curso muito teórico. Neste apêndice, pretende-se caracterizar concretamente como esta percepção dos estudantes encaixa-se nesta problemática que envolve as relações entre teoria e prática. A estratégia usada para este fim foi tentar qualificar a expressão “muito teórico” por meio de entrevistas informais com oito acadêmicos do referido curso.

Nas entrevistas foram realizadas, além da conversa individual, dois experimentos. O primeiro teve como objetivo explicitar as teorias (apenas o seu nome) vistas pelos estudantes ao longo das disciplinas já cursadas. O segundo solicitava aos estudantes que aplicassem a Teoria dos Conjuntos, listada por todos os estudantes entrevistados, sobre um problema matemático elementar.

Dos 8 estudantes entrevistados, 7 concordaram que o curso de Ciências da Computação era mesmo muito teórico. Pediu-se que eles criassem uma tabela relacionando disciplinas cursadas com suas respectivas teorias. O resultado obtido está resumido na Tabela 4.

Estudante Fase Número de Disciplinas Cursadas (NDC) Número de Teorias Lembradas (NTL) Relação NTL/NDC Borboleta 6 33 10 0.3 Carambola 3 10 5 0.5 Dexter 6 34 6 0.18 Gabi 6 35 0 0.0 Gummy - - - - Kate 5 27 6 0.22 Luana 4 21 3 0.14 Talita 6 32 8 0.25 T a b e l a 4 : R e l a ç ã o e n t r e D i s c i p l i n a s C u r s a d a s e T e o r i a s L e m b r a d a s

Considerando-se os cinco estudantes que estavam entre a 5* e 6’ fases, a relação N T L /N D C indicou que as teorias aparecem aproximadamente em apenas 25% das disciplinas. Além disso, as 11 teorias lembradas apareceram em 10 disciplinas. Estes números sugerem que, na verdade, a teoria dentro do curso de graduação em Ciências da Computação está restrita a um conjunto bem delimitado de disciplinas.

A partir dos dados acima pode-se especular que o significado da expressão “curso muito teórico” estaria associado, na verdade, a um distanciamento entre os problemas do mundo real com os problemas “práticos” apresentados pelos professores. Afinal, a maioria das disciplinas não foi associada a nenhuma teoria.

N o segundo experimento, entende-se que a resolução de um problema utilizando conceitos teóricos produz, no resultado, um discurso qualitativamente sofisticado. Este discurso contrasta com aquele produzido na resolução informal do problema. O problema matemático oferecido foi o seguinte: “Pedrinho foi à feira comprar 5 laranjas que custavam 50 centavos cada. Quanto gastou Pedrinho?”.

N um primeiro momento deixou-se os estudantes completamente livres para resolver o problema da forma que quisessem. Após apresentarem a solução pediu-se que eles resolvessem novamente o mesmo problema mas agora procurando evidenciar um pensamento mais sofisticado que os caracterizassem como estudantes de nível universitário.

A primeira resposta de todos os estudantes foi falar ou escrever o número 2,50. N o segundo momento a maioria pediu esclarecimentos sobre o significado da expressão “resolver o problema no nível de estudante universitário”. A mediação feita foi no sentido de esclarecer dois aspectos: que a estratégia usada no primeiro momento (multiplicação feita de cabeça) havia sido aprendida na primeira série do ensino fundamental e que agora, como estudantes universitários, eles poderiam usar uma estratégia mais sofisticada; que não estava em questão preocupar-se em minimizar o tempo de resposta nem o esforço para produzi-la.

Após alguns momentos de hesitação, houve dois tipos de discurso verbalizados na forma escrita apresentados na Figura 22.

Os discursos são claramente mais sofisticados do que a simples multiplicação usada no primeiro momento porque envolvem conceitos matemáticos mais sofisticados. N o caso (a) foi empregado o conceito de “regra de três” e no caso (b) os conceitos de função e variável.

Um discurso mais sofisticado que os apresentados pelos estudante poderia ser o apresentado na Figura 23. Nele emprega-se os conceitos de variável e de função de um modo mais rigoroso.

S e ja f um a fu n ç ã o de d u a s v a riá v e is , x e y, o n d e x re p re se n ta o preço unitário de um a laranja e y a q u a n tid a d e de la ra n ja s, f é d e fin id a com o

f(x,y) = x . y (1)

P a ra o p rob lem a em q u e stã o s a b e -s e que x = 0 ,5 e y= 5 . A s s im , su bstitu in d o e s te s v a lo re s e m (1)

f(D,5,5) = 0 ,5 . 5 = 2,5 P ortanto o oreco o a a o oor P e d rin h o foi R Í2 .5 0 .

F i g u r a 2 3 : U m d i s c u r s o m a t e m á t i c o s o f i s t i c a d o .

O discurso da Figura 23 é qualitativamente superior aos dois da Figura 22 porque, para além da corretude, é compatível com o modelo historicamente construído. Esta estética (modo de escrever) é a esperada, nos dias de hoje, por alguém que domine a linguagem matemática. Dominar uma linguagem significa saber expressar-se corretamente e adequadamente.

A falta de adequação dos discursos produzidos na Figura 22 com o discurso esperado (Figura 23) é um indício que sugere a falta de tradição em expressar idéias de modo a unir teoria e prática. Além disso, é possível também que seja um indício de que nem passe pela cabeça dos estudantes qualquer tipo de informação ou questionamento a este respeito.

Mantém-se, desta forma, a percepção de que a resolução de problemas é uma tarefa individual e que cada um é livre para agir da forma que quiser (desde que produza a resposta correta). Ironicamente, parece não haver a compreensão de que é exatamente a ação apoiada na teoria quem sustentará a corretude da resposta.

Apêndice B

Depoimentos de Usuários do SAM