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2. CAPÍTULO II A Mais Valia da Arte na Inclusão Social

2.1 Arte e Terapia que Ligações?

2.1.2 ArteTerapia

Poderá a arte captar os fenómenos do inconsciente humano? Que mais valia criará a pintura num professor que sofreu uma depressão, ou numa dona de casa que sofre com solidão, uma criança autista, ou ainda uma mãe que perdeu recentemente um filho… poderá a arte contribuir para expressar tão grande dor?

A arte é um elemento fundamental da cultura desde os primórdios da civilização; das cavernas aos mais modernos espaços de socialização a arte é um denominador comum. Não será excessivo afirmar que não existe humanidade isenta de manifestações artísticas. Então, sendo tão fácil reconhecer que a arte é fundamental para o equilíbrio e felicidade de todos e numa época em que esse conhecimento está à distância de um

„click‟, porque será que esta se tornou tão distanciada das vivências dos indivíduos? Ou,

mais incompreensível, a falta de consenso entre todos aqueles que utilizam a arte como forma de terapia, seja quanto à sua aplicabilidade, às teorias subjacentes ou mesmo quanto aos seus objectivos clínicos. São tantas as definições e as diversas “escolas” que utilizam a arte como processo de terapia, que seria quase impossível fazer uma síntese que congregasse todas as perspectivas. Mesmo assim, é fácil encontrar pontos de concordância – todas partem do princípio de que a arte é um meio privilegiado de expressão individual com propriedades especiais que contribuem para o equilíbrio físico, mental e social do ser humano. Vejamos a definição da Sociedade Portuguesa de Arte Terapia (SPAT).

“A Arte-Terapia distingue-se como método de tratamento psicológico, integrando no contexto psicoterapêutico mediadores artísticos. Tal origina uma relação terapêutica particular, assente na interacção entre o sujeito (criador), o

objecto de arte (criação) e o terapeuta (receptor). O recurso à imaginação, ao simbolismo e a metáforas enriquece e incrementa o processo. As características referidas facilitam a comunicação, o ensaio de relações objectais e reorganização dos objectos internos, a expressão emocional significativa, o aprofundar do conhecimento interno, libertando a capacidade de pensar e a criatividade. (Carvalho, como citado em Sociedade Portuguesa de Arte Terapia, [SPAT], 2004).

De acordo com a definição utilizada pela American Art Therapy Association:

“A Arte-Terapia baseia-se na crença de que o processo criativo envolvido na actividade artística é terapêutico e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. … Por meio do criar arte e do reflectir sobre os processos e os trabalhos artísticos resultantes, as pessoas podem ampliar o conhecimento de si e dos outros, aumentar a auto-estima, lidar melhor com sintomas, stress e experiencias traumáticas, desenvolver recursos físicos, cognitivos e emocionais e desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico …”(American Art Therapy Association, como citado em Gehringer, 2005, p. 1).

A Associação Brasileira de Arte-terapia afirma:

“Arteterapia é um modo de trabalhar utilizando a linguagem artística como base da comunicação cliente-profissional. Sua essência é a criação estética e a elaboração artística em prol da saúde. Utiliza, para isso, as linguagens plástica, sonora, dramática, corporal e literária envolvendo as técnicas de desenho, pintura, modelagem, construções, sonorização, musicalização, dança, drama e poesia. É aplicada na avaliação, no tratamento, na profilaxia (prevenção), reabilitação e educação de clientes especiais”. (Palma, 2009).

Podemos considerar a arteterapia uma disciplina relativamente nova, pelo menos se tivermos como comparação outros métodos terapêuticos mais “ortodoxos”. Talvez a sua juventude explique o porquê desta disciplina não se ter difundido e ser hoje ainda pouco utilizada e vagamente compreendida, mesmo por aqueles a quem esta “ferramenta” seria mais útil: assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, professores e, porque não, estender esta prática aos sistemas nacional de saúde e de educação.

A parceria formada pela arte e pela terapia pode, compreensivelmente, ser difícil de compreender e até aceitar. Esta relação será, provavelmente, mais inteligível se a considerarmos no contexto das artes em geral. A arte é tão antiga como a sociedade humana; de facto, desde que o homem passou a levar uma vida comunitária que existem registos na forma de „arte‟; lembremo-nos de certas pinturas no interior de cavernas, elaboradas por homens que talvez dispusessem de uma forma de comunicação oral pouco mais do que rudimentar, mas que eram capazes de pintar formas e cores tão elaboradas que nos contam não só pormenores da sua vida do dia-a-dia mas, mais surpreendente, da sua vida espiritual.

Mesmo reconhecendo toda a importância da arte na história humana, esta não é facilmente reconhecida e aceite quando colocada em contexto terapêutico. Isto deve-se certamente à diferença entre os conceitos de arte no seu sentido tradicional e arte quando utilizada com finalidade terapêutica. Ambos os conceitos partilham as qualidades benignas da arte, o que demarca um conceito do outro é o seu propósito. Se na primeira o principal objectivo é a criação de uma obra de arte, sujeito a considerações estéticas e através de um processo quase sempre individual em que o fim último é o objecto artístico. No segundo, a arte em contexto terapêutico, com objectivos clínicos e acompanhamento por um terapeuta, o objecto artístico perde a sua importância voltando-se o foco para o indivíduo e para o processo de criação.

“A expressão artística é central nesta psicoterapia. Através do objecto de criação temos acesso a informação e registo sobre o que é, acerca de quê e para quê, como e porquê, sentimentos no momento e após, benefícios para o próprio e para os outros, etc.. Assim o objecto de arte tem uma função cognitiva, fornecendo ao sujeito informações sobre si próprio e ao Arte-Terapeuta um registo do processo. No entanto o objecto de arte não interessa tanto pelo seu valor informativo, ou mesmo estético, mas sim pelo seu valor como mediador da expressão, como veículo de elaboração e como ensaio do processo criativo. O contexto do processo Arte-terapeutico não é usado para análise. O foco desta situar-se-á na relação terapêutica.”. ([SPAT], 2004).

Arte não é sinónimo de terapia e não podemos afirmar que toda e qualquer prática de arte conduz o indivíduo à mudança ou à „cura‟.

A arte utiliza várias linguagens criativas, sejam elas a pintura, o desenho, a dança, a música ou o teatro, que permitem comunicar através de uma „linguagem simbólica‟ com a qual podemos “dizer” o que não somos capazes com a linguagem verbal (formal). Poder expressar conteúdos até aí ocultos, por vontade própria ou porque os mesmos se encontrarem inacessíveis, fruto de processos inconscientes, é por si só terapêutico.

“The process of art therapy is based on the recognition that man‟s most fundamental thoughts and feelings, derived from the unconscious, reach expression in images rather than words.… The techniques of art therapy are based on the knowledge that every individual, whether trained or untrained in art, has a latent capacity to project his inner conflicts into visual form.” (Naumberg, como citado em Dalley, 1992, p. 13).

Naumberg, no seu texto, refere-se exclusivamente às artes visuais, aludindo a dificuldade que os indivíduos encontram na expressão verbal. É importante dizer que esta contrariedade refere-se mais à linguagem verbal “formal”, aquela que utilizamos no nosso dia-a-dia. Contudo, o mesmo tipo de linguagem pode ser utilizada de forma diferente, utilizando a criatividade, é o que acontece no teatro ou na escrita criativa, em que a linguagem verbal e escrita são utilizadas mas com uma maior liberdade e dimensão simbólica.

A prática de qualquer linguagem artística, isoladamente, não é suficiente; se os trabalhos produzidos não forem contextualizados não têm grande valor terapêutico. Assim, mais do que encorajar as pessoas a criar, é indispensável procurar o sentido, o significado mais íntimo daquilo que o indivíduo comunica na forma de arte.

“When art is used for communication, as a way of expressing personal feelings and thoughts, and these are discussed afterwards with an art therapist, a person can gain insight both intellectually and emotionally by connecting the meaning of the picture to his or her own life situation”. (Dalley, 1992, p. 14).

O termo criar não foi utilizado inocentemente, “a definição é clara: “Dar existência a; tirar do nada; gerar; produzir; inventar …. Criatividade, capacidade que se manifesta pela originalidade inventiva”. (Dicionário Enciclopédico de Português, 2006, p. 394). A criatividade é um conceito inseparável da arteterapia, aliás, todo o processo criativo

enquanto fenómeno humano, é „ilustrado” na literatura da especialidade, tal é a sua importância para a total compreensão da personalidade do sujeito que cria. A sua definição, como a maioria dos conceitos varia de acordo com as diferentes „escolas‟. Os freudianos encontram a génese da criatividade nos conflitos inconscientes, os mecanismos de defesa em acção, ou acontecimentos traumáticos do passado. Muitos psicanalistas encorajam os seus pacientes a expressar os seus conflitos interiores através de imagens (desenho, pintura) porque acreditam que desta forma é possível contornar certas limitações do discurso e „enganar‟ os mecanismos repressores. Já os comportamentalistas utilizam a arte como método para modificar comportamentos, particularmente os que se relacionam com normas socio-culturais. A sua abordagem centra-se mais na aquisição de competências e aprendizagem de técnicas, o que constitui uma aproximação à aprendizagem artística, facto criticado por muitos autores que acusam os comportamentalistas de se desviarem do propósito puramente terapêutico, levantando a questão da definição dos limites que separam (ou não) arteterapia e aprendizagem artística.

A estética em arteterapia é, talvez, algo interessante embora difícil de definir limites. Estética. Etimologicamente esta palavra deriva do grego aisthesis, que significa sensibilidade. Hoje, muito sinteticamente, o conceito é entendido como uma reflexão filosófica sobre a arte.

“A actividade estética foi sempre uma componente do universo cultural humano, mesmo nos momentos em que adaptação ao real se revelou mais difícil e absorvente. Das cavernas de Altamira e Lascaux à época contemporânea, ora desempenhando uma função mítico-mágica, ora funções lúdicas, de intervenção, etc., a arte é bem a expressão do homem imaginário e imaginante”. (Santos & Lima, 1981, p. 582).

A apreciação estética envolve elaborados juízos de valor sobre a qualidade da obra de arte produzida. No entanto, quando alguém procura um espaço de arte terapia e participa nas suas actividades, não tem expectativas de vir a tornar-se num grande artista. A ênfase é colocada no indivíduo, no processo de criação e no seu valor potencialmente terapêutico. O resultado tende a ser “pobre” em termos técnicos. Mas, não raras vezes, os objectivos terapêuticos sobrepõe-se e/ou confundem-se com os

artísticos. Alguns indivíduos, que participam nos seus grupos de trabalho, descobrem uma aptidão natural que até aí desconheciam e passam a dedicar muito do seu tempo e energia na aprendizagem e aperfeiçoamento desse talento.

“Although perhaps incidental to the original reason for participating in art, a discovery of this nature can be beneficial and „therapeutic‟. It can strengthen self-confidence and improve self-esteem when a painting becomes the focus of praise and enthusiasm. Learning any skill helps co-ordination, concentration, awareness of immediate surroundings and results in a sense of achievement, satisfaction, and self-improvement generally. Art activity offers this opportunity; it may even create a meaning or purpose to life.” (Dalley, 1992, p. 17).

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