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5 EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NA ESCOLA DE EDUCAÇÃO

5.5. I Encontro Sobre educação Escolar Quilombola do Cariri Cearense

5.5.3 Articulação entre as comunidades: manhã do dia 2 de julho

O amanhecer em Carcará é anunciado pela musicalidade do canto dos galos e pássaros, a friagem do ambiente é convidativo a não sair da cama, embora os idosos despertem cedo para começarem os seus afazeres diários, que entre as atividades estão o preparo do café preto, do cuscuz e do chás das ervas colhidas nos quintais produtivos, além do aguar das plantas. Nos primeiros raios de sol, os sabores e o cheiro do mato animam nosso corpo.

A movimentação começou cedo, nos reunimos primeiro na escola para o café da manhã, com as pessoas que pernoitaram lá, pois em instantes retornariam aos seus lares em Fortaleza. Também tivemos a presença de alguns professores da escola. Esse primeiro momento da manhã foi cheio de encantos, o djembe tocado por Trindade anunciou as poesias negras entoadas pelos que ali estavam no pátio da escola. Manoel Leandro foi quem abriu o

momento enfatizando a importância de estarmos juntos, a união do povo negro foi o que manteve toda a força e resistência das nossas histórias e isso é o que fortalece a luta.

Figura 66 - Café com poesia, pátio da escola

Depois que nos despedimos do grupo da professora Sandra Petit, que seguiria viagem, voltamos à comunidade para a casa de sementes para a continuação do debate com as comunidades quilombolas e, enquanto aguardávamos a chegada dos quilombolas da Lagoa dos Crioulos, fomos surpreendidos com uma notícia de violência ocorrida com um quilombola na referida comunidade e, por este motivo, justificava-se a ausência da representação de lá.

Mesmo assim, decidimos continuar com o debate porque era também a oportunidade de colocar em pauta as diversas violências e as questões que as comunidades vêm enfrentando, como as drogas e as bebidas alcoólicas. Uma situação apresentada por Carcará é o nível de audibilidade dos sons dos bares que existem na comunidade, isso tem afetado a tranquilidade, principalmente dos idosos e das crianças pequenas.

Sobre isso, no debate, a comunidade junto à associação entenderam que se não resolver no diálogo, irão tomar outras providências, a partir do que é permitido dentro da lei. A metodologia utilizada nesse momento nos permitiu conhecer as memórias dos quilombolas de Carcará, pois cada pessoa do encontro dialogava com cada um comunitário presente, na medida em que se fazia as anotações do que teria sido importante para cada um, a partir da constituição de Carcará como uma comunidade negra quilombola.

Figura 67 - Apresentação da linha do tempo das pessoas da comunidade

Buscou-se, com essa atividade, fortalecer a memória coletiva da comunidade e o quanto é importante assumir a identidade de quilombola, percebeu-se que foi a partir da titulação concedida pela Fundação Palmares que a comunidade começou a existir oficialmente para a história local, caririense, cearense e do Brasil como terra de preto. Embora a luta pela existência e sobrevivência fosse antiga, nascia ali um quilombo com todos os elementos da cultura negra e com uma relação com a diáspora.

Os quilombolas apresentaram suas memórias, sempre reconhecendo a importância de terem recebido a titulação, foi feita uma linha do tempo e, através disso, pudemos conhecer um pouco mais sobre a luta diária da comunidade, principalmente pela terra, questão central da pauta quilombola do Brasil e a situação de Carcará não é diferente. A comunidade aguarda a demarcação do território, espera as negociações do INCRA com os “donos das terras”. Dessa atividade participaram todas as pessoas, os quilombolas, os integrantes do movimento negro e os pesquisadores presentes. O que foi comum às memórias dos presentes, expressados com emoção e que muitas vezes somos atacados por esse ato, foram os relatos sobre racismo e invisibilidade social, econômico e social a que a população está submetida.

Figura 68 - Participantes do I Encontro sobre Educação Escolar Quilombola do Cariri Cearense Fonte: A autora (2017).

O encontro terminou no início da tarde, com todas as vozes sendo evidenciadas, no intuito de que eles próprios são os protagonistas de suas próprias histórias, terminou também com a alma alimentada para continuarmos lutando por tudo que nos é de direito, pois as vidas negras quilombolas importam para nós. A educação escolar quilombola contextualizada é um desejo das comunidades, isso ficou claro nos relatos dos comunitários que reivindicam sua presença nos conteúdos curriculares.

Para os professores, o encontro foi também cheio de significados. Foram perguntados sobre como foi participar do I Encontro sobre Educação Escolar Quilombola no Cariri cearense, e o que sentiram durante suas participações e como avaliam a necessidade de uma educação contextualizada em escolas quilombolas, assim como de qual maneira os conhecimentos adquiridos durante o evento irá contribuir para suas práticas pedagógicas. Seguem algumas das respostas,

Foi muito proveitoso, pois a cada encontro enriqueci minha prática pedagógica, e fiquei mais informada sobre a educação escolar quilombola. Senti alegria, vontade de adquirir novos conhecimentos e pôr em prática. Depois do evento, procurei estudar mais sobre os costumes afro-brasileiros e estudar também sobre a nossa comunidade, a partir daí participei de um projeto sobre a comunidade quilombola de Carcará (PROFESSORA FRANCISCA FERNANDES DANTAS, SANDRA, 2017).

As vozes dos professores são importantes para sabermos os níveis de entendimento do que foi abordado, até mesmo para repensar os próximos encontros, serve de guia para verificar o que ainda falta, certamente muita coisa para explorar, assim como para

avaliar a pesquisa, a postura dos professores e compromisso com o que se faz na escola. Infelizmente recebi algumas respostas repetidas, copiadas de outras e isso também é um aprendizado para rever a metodologia de aquisição de perguntas e respostas dos próximos encontros. Mas, no geral, os professores e gestores foram solícitos, compreensivos e os mais engajados responderam com sinceridade.

Certamente foi de grande importância, por ter ampliado os nossos conhecimentos acerca dessa cultura que é importante para a comunidade, vi que é reconhecida como quilombola. Senti que é possível inserir e desenvolver essa temática/ disciplina na nossa escola (PROFESSORA MARIA GISLÂNIA ALVES DOS SANTOS, 2017).

Desde que iniciei o trabalho com as formações, a escola tem se esforçado para colocar em prática os conhecimentos e as reflexos feitas a cada encontro. Ela (es) não são mais os mesmos do primeiro dia, agora compreendem melhor os seus próprios conflitos em relação à negritude e ao que significa um território quilombola. O importante é que ficou claro que a escola precisa reaver seu currículo.

A formação/ encontro veio a calhar, reavivou os conhecimentos que estavam adormecidos e informara a comunidade dos direitos enquanto quilombolas. Foi enriquecedor e reflexivo. Senti que é possível desenvolver essa temática, na nossa escola que é urgente a necessidade de construir uma educação pautada na nossa cultura e nos nossos costumes. Foi possível enxergar a necessidade de trabalhar e desenvolver a cultura africana nas escolas, sobretudo na nossa por ser quilombola. Isso fortalece e amplia o conhecimento favorecendo a prática pedagógica (PROFESSOR ROMÁRIO FEITOSA DE SOUSA, 2017).

O professorado compreendeu que a valorização da cultura local e a relação com a diáspora africana é uma questão que a escola precisa resolver na sua prática pedagógica e essa mudança de percepção é possível observar nas atividades que a escola têm desenvolvido ao longo do período letivo de 2017. E, no contexto da pesquisa, avalio como algo bastante positivo e para os estudantes é o início da garantia da valorização de suas identidades e histórias.

As escolas quilombolas, embora estejam situadas em um território étnico marcado por africanidades, é inegável a carga eurocêntrica que os seus currículos recebem, pois, as formações de professores e gestores não fazem o recorte étnico-quilombola, isso dificulta o trabalho na escola, assim como a compreensão dos temas abordados. Nos encontros foi como se estivéssemos reinventando a história.