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2 MINHAS NEGRAS RAÍZES

2.2 Metodologia da pesquisa

A presente proposta metodológica se insere na análise qualitativa a qual foi realizada em uma primeira fase através de revisão literária e, em segundo, pela pesquisa intervenção na abordagem metodológica da afrodescendência, conceito que se preocupa com a territorialidade do pensamento africano, com base nas experiências dos grupos sociais, cujas origens são de África.

A pesquisa foi realizada por meio de encontros formações com a comunidade escolar do quilombo Carcará em Potengi, na Escola Maria Vigem da Silva, o aquilombando em uma matriz africana de currículo debateu sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola (2012), assim como a temática africana, afro-brasileira com foco nos quilombos.

A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador e o pesquisador como seu principal instrumento. A pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via regra, pelo trabalho intensivo de campo (LUDKE, p.14, 2017).

Buscamos, durante todo o processo o aprofundamento nas literaturas, entender os questionamentos levantados sobre as necessidades reais da educação escolar quilombola no Cariri cearense e sobre a presença negra na região a partir da formação dos quilombos.

O Cariri salvaguarda várias comunidades quilombolas, no entanto, adotamos como critério para a realização dos encontros formações, a certificação da comunidade e a escola estar situada no território quilombola, sendo que no estudo exploratório já havia

revelado que o currículo da referida escola estava dentro de uma universalidade, ou seja, o trabalho com as relações étnico-raciais ocorria em datas pontuais.

Em 2014, realizei um estudo exploratório a partir da pesquisa participante, em que fiz anotações no meu diário de campo, que me ajudaram a compreender o contexto social, histórico e econômico da comunidade. Na ocasião, tive a oportunidade de ouvir os três moradores dos mais antigos, o líder comunitário Sebastião Vieira da Silva de 45 anos, que narrou o contexto histórico da formação do quilombo naquele território e, de acordo com a sua memória, se deu a partir do final do século XIX; dançadeira de toré, Antônia Vieira da Silva, mais conhecida como Dona Bizunga, de 58 anos de idade; e José Vieira da Silva de 78 anos, que é um dos mais velhos da comunidade. Em nível de comparação, os moradores com maior idade estão nessa mesma faixa etária. Até o ano de 2014, a comunidade tinha a guardiã dos conhecimentos do repertório cultural de Carcará, a senhora Raimunda Marçal de 101 anos.

Boa parte dos depoimentos foram coletados nos momentos das formações ou em conversas informações, no terreiro, na casa de sementes, em rodas grandes de conversas. Por vezes em que senti que faltava alguma informação, busquei em vídeos gravados disponíveis na internet, neste sentido, fiz anotações sobre o que essas pessoas falavam da comunidade, tanto é que muito do que falaram encontra-se diluído no texto. Os registros fotográficos também foram importantes na construção do trabalho, ou seja, todos os meios de captação dessa narrativa foram importantes. Coloco também o sentido e o vivido, embora algumas coisas ficarão guardadas apenas na minha memória, por não conseguir externalizar tudo na escrita.

Escolhi inicialmente esses três moradores por serem referências na história de Carcará, suas memórias são individuais, mas se interligam com a coletiva da comunidade. Eles foram os meus canais principais de informações sobre a história local durante as entrevistas, pois, além de apontarem os conflitos existente de território, demostraram uma preocupação com a continuidade histórica enquanto comunidade quilombola. Nesse sentido, os conhecimentos dos mais velhos remontam uma história lúcida e verdadeira do tempo em que seus antepassados viveram.

Assim, é fundamental ouvir os relatos dos mais velhos da comunidade, para fundamentarmos o percurso histórico, social, econômico e antropológico do quilombo. É importante fazer este registro da memória porque, “sei que a qualquer momento os (as) idosos (as) podem falecer e se não documentarmos os conhecimentos que possuem, levarão consigo capítulos guardados em suas memórias de uma história do vivido” (VIDEIRA, 2010, p. 63).

Em África as crianças e os velhos gozam, digamos assim, de uma condição privilegiada. A velhice é venerada, os que têm os cabelos brancos possuem a sabedoria da experiência e, sendo assim, são vistos como aqueles que estão mais próximo dos deuses. Entre os iorubas, um jovem não fala a um mais velho sem fazer gestos respeitosos ou sem baixar a cabeça, porque os velhos não demorarão a morrer e a se transformar em ancestrais e da ação destes depende a felicidade de seus descendentes e, de certa forma, a própria harmonia do mundo (SILVA, 2013).

O líder comunitário apontou que as crianças do quilombo não aprendem na escola a sua própria história, algo que o preocupa, pois era difícil participar de uma história na qual não se viam representadas e, como consequência, poderiam se tornar adultas com dificuldades de assumirem suas identidades quilombolas e isso poderia trazer algum problema para a comunidade.

As crianças aprendem sua história pela via oral, transmitida pelos mais velhos. A escola deveria exercer sua função social, de estabelecer uma relação, histórica e identitária com a realidade local em que está inserida.

Sobre a tradição oral, Vansina (2011) nos ajuda a entender que em uma sociedade oral, a fala, a verbalização diária, não é apenas um meio de comunicação, mas é, sobretudo, a preservação da sabedoria ancestral. “A tradição oral foi definida como um testemunho transmitido oralmente de uma geração à outra” (VANSINA, 2011, p. 140), em que a fala é um dos elementos da tradição oral, pois, na verdade, existe um conjunto bem mais amplo de significados que formam uma tradição.

A tradição é o que permanece vivo, perpassando o tempo, apoiados e (re) construídos na memória oral coletiva, a comunidade de carcará traz no seu percurso histórico quilombola, fatores da cosmovisão africana que foram transmitidos das gerações passadas, simbolizados pelos cânticos da dança do toré e pela sua própria existência.

Dessa forma, devido aos objetivos anunciados na introdução, a pesquisa intervenção fundamenta este trabalho, por dois vieses importantes: primeiro, pela história oral, porque os meus interlocutores são os mais velhos da comunidade. Eles trazem a tradição da palavra, e esta “é um ato de criação e transformação e portanto os conhecimentos são transmitidos pela palavra e pelo seu exercício de ritmo específico” (VIDEIRA, 2010, p. 51); segundo, pelas vivências de base africana na formação oferecida aos professores do quilombo Carcará da Escola Maria Virgem da Silva, sendo assim, este trabalho se preocupou com a identidade da comunidade escolar e, sobretudo, com o pertencimento quilombola daquele grupo de 11 professores, incluindo a diretora e a coordenadora pedagógica, sendo que uma

parte deles reside no território quilombola, embora apresentem uma certa dificuldade com essa identidade.

Como técnica de coletas de dados utilizadas com os professores, no intuito de perceber quais foram os aprendizados, sensações e perspectivas de terem participado da formação quilombola, utilizei um questionário com o total de 11 questões sobre o que foi abordado durante toda a nossa presença na escola, debatendo com eles sobre educação escolar quilombola.

As questões foram todas de caráter aberta, na parte do cabeçalho havia mais duas abertas que diziam respeito ao perfil profissional, do tipo de formação, o tempo que atua na educação, em qual universidade se formou e em que ano. Contém, também, duas questões com alternativas, uma versou sobre a sua identidade quilombola, se a considera necessária ou não, e a outra sobre os critérios raça/cor utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

No tratamento dos dados coletados, ou seja, nas vozes dos professores, não foram utilizados nomes fictícios ou outros caracteres, pois os professores e gestores assinaram um termo de consentimento que me autorizaram a usar, no trabalho, os seus nomes reais e os registros fotográficos. Consta no termo que,

As informações coletadas nesta pesquisa serão utilizadas única e exclusivamente com o propósito acadêmico-científico, bem como contribuir com a reflexão sobre educação escolar quilombola no Brasil. Portanto, os indicadores receberão tratamento ético e responsável, não sendo divulgado nenhum dado particular, nome, logomarca ou elemento que identifique o participante, se assim o desejar. A divulgação dos resultados deste trabalho ocorrerá em eventos didático-científicos, assim como poderão ser apresentados de forma coletiva, em artigos, palestras, livros e meios digitais, mantendo a integridade moral do participante (TERMO, 2017, p.1).

Os nomes dos professores e gestores utilizados foram: Maria Lucineide Rodrigues Mendes (Diretora), Flaviana Rodrigues Nogueira (Coordenadora), as professoras Cícera Kerolly dos Santos Silva, Francisca Fernandes Dantas, Iasmyn Rodrigues Silva, Maria Gislânia Alves dos Santos, Maria Janaina Alves dos Santos, Maria Clara de Andrade Silva, Maria do Socorro Brandão Rodrigues, Zilmar Fernandes da Silva e o professor Romário Feitosa de Sousa.

A metodologia da pesquisa se inspira na intimidade com a cultura africana, com a qual nos colocamos dentro da pesquisa, pois o pesquisador não vai aprender sobre uma cultura ou modo de vida que não tenha uma relação consigo mesmo, na verdade, o pesquisador busca trabalhar dentro da sua própria cultura e com os problemas que afetam sua própria existência (CUNHA, 2006).

A pesquisa é também do tipo bibliográfica, porque foi preciso uma base teórica para desenvolver o trabalho, e faço isso na abordagem da afrodescendência, com um olhar diferenciado para os sujeitos pesquisados. Para nós, são eles os protagonistas da história, pois intentamos valorizar a memória coletiva da população negra do Brasil. Este tipo de pesquisa, que leva em consideração as singularidades das africanidades, tem sido feito por militantes e pesquisadores, que evidenciam os elementos de matriz africana na maior população negra fora do continente africano.

A pesquisa bibliografia pode ser considerada como um procedimento formal reflexivo que constitui o caminho para se conhecer a realidade. Toda pesquisa implica o levantamento de dados de variadas fontes, quaisquer que sejam os métodos ou técnicas empregadas (MARCONI; LAKATOS, 2013). As nossas fontes partem do campo da afrodescendência, os dados são as realidades da população negra e entendemos que não existem verdades únicas.

A afrodescendência concentra-se na intervenção da realidade e na transformação social, cultural, econômica e política das relações étnicas da população negra. Se insere no espaço geográfico local, não tem uma teoria geral, reconhece que a experiência de que quem pesquisa, se relaciona com o local pesquisado, por ser uma escrita de nós mesmos (CUNHA, 2012).

A pesquisa observação participante incide em dizer que não existem neutralidades na pesquisa, pois, para realizar a observação dos fenômenos, o pesquisador compartilha da vivência dos sujeitos e passa a interagir com eles nas ações praticadas registrando descritivamente todos os elementos observados (SEVERINO, 2007). Para nós, a vivência compartilhada com os sujeitos da pesquisa tem uma relação com a nossa própria vida.

Neste sentido, o trabalho que realizamos na escola parte da pesquisa intervenção, cuja ideia é de que o pesquisador social se assuma como agente de mudanças que surgem da variação da pesquisa ação. É um dispositivo de intervenção, no qual se afirmam no ato político e tem a possibilidade de ser pensada como um caminhar mútuo. No plano dos acontecimentos deve guardar sempre o teor do ineditismo da experiência humana (PAULON, 2004).

A imersão na comunidade quilombola, a participação das rodas de toré, as conversas informais com os moradores, as entrevistas e o contato com a geografia local, foram fundamentais para que compreendêssemos que o currículo da escola local precisa desenvolver uma pedagogia que considere os repertórios culturais do quilombo Carcará. Só a

partir disso, tivemos condições de propor uma formação de base africana para os professores da já referida escola.

Na fase exploratória da pesquisa, conversei com a diretora da escola, que informou que o espaço tinha começado a funcionar recentemente e que eles não tinham conhecimento da existência das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, uma vez que o projeto político pedagógico encontrava-se em construção. A mesma informou que as famílias tinham boa participação nas reuniões realizadas pela escola e não havia nenhum problema neste sentido.

Assim, a metodologia foi desenvolvida na perspectiva de africanizar o currículo, a partir das especificidades históricas, antropológicas e identitárias que a comunidade traz, fazendo uma relação com os conteúdos gerais, enfatizando qual o sentido dessa história para a vida dos educandos.

A pesquisa participante foi importante para o desenvolvimento do nosso trabalho, Rocha (2003) afirma que para desenvolver uma metodologia participativa, é necessária uma mudança na postura do pesquisador e dos pesquisados, uma vez que todos são co-autores do processo de diagnóstico da situação-problema e da construção de vias que possam resolver as questões. É um processo contínuo que acontece no curso da vida cotidiana, transformando os sujeitos e demandando desdobramentos de práticas e relações entre os participantes. A autora contribui dizendo que,

Independentemente de ter ou não um tempo determinado para o seu desenvolvimento, que varia segundo os recursos materiais e humanos disponíveis, o fundamental nas pesquisas participativas é que o conhecimento produzido esteja permanentemente disponível para todos e possa servir de instrumento para ampliar a qualidade de vida da população (ROCHA, 2003, p.66).

Sendo assim, foram fundamentais as contribuições da história oral, sobretudo para a preparação, realização e tratamento dos depoimentos dos moradores, dos professores e das pessoas mais velhas do quilombo. Entendemos que a história do tempo presente, neste contexto, buscou relacionar a realidade da população negra quilombola na atualidade, demarcando suas demandas e a história passada como uma questão de identidade e que, através dela, se busca direitos negados a esse seguimento populacional.

3 A TRAVESSIA ATLÂNTICA CIVILIZATÓRIA DOS AFRICANOS NO BRASIL E